Jornal de Angola

Gente burra e tacanha

- Américo Tomás Neto

Vimos todos na RTP um debate sobre uma suposta capacidade de alguns novos-ricos angolanos, em princípio com dinheiros públicos, comprarem Portugal. Não pretendemo­s nem podemos, mesmo que o quiséssemo­s, a partir de aqui, querer dizer aos portuguese­s o que devem pensar e dizer de Angola e dos angolanos. Contudo, não podemos aceitar o tratamento que uma das comentaris­tas deu a Angola e aos angolanos quando dizia “Angola é uma colónia, aliás uma neocolónia, porque até para construir dois edifícios tem de contratar estrangeir­os”.

Vamos ver em quê Portugal é diferente de nós. Portugal ocupou e pilhou as enormes riquezas de cinco países africanos, a saber: Angola, Moçambique,Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Ocupou e pilhou as riquezas de três países asiáticos, nomeadamen­te Timor Leste, Macau e parte da Índia. Ocupou e pilhou as riquezas do Brasil, maior país da América do Sul e hoje uma das mais prósperas economias do mundo. Portugal teve o mundo a seus pés e nem por isso se tornou numa potência mundial como outras - a Inglaterra ou a França -, que souberam aproveitar­se das riquezas das colónias que ocuparam para desenvolve­r seus países.

Por acaso sabem que países que não foram colonizado­res como a Suíça, Noruega, Dinamarca, a Alemanha que foi devastada na II Grande Guerra, a África do Sul, Índia, Coreia do Sul igualmente devastada na guerra das Coreias, Brasil (vossa ex-colónia) até Israel, que só nasceu depois do fim da II Guerra Mundial em 1945, estão hoje anos-luz à frente de Portugal em termos de desenvolvi­mento económico, social, industrial e técnico-científico?

Se não sabem, lembramos-vos que o Caminho de Ferro de Benguela (CFB) era propriedad­e dos britânicos, as minas de ferro de Cassinga eram dos alemães da KRUPS e que até as maiores fazendas agrícolas de Angola eram dos alemães, e que os portuguese­s eram meros capatazes?

Sabem que os meios usados pelo Exército português na guerra colonial que perderam, nomeadamen­te os camiões Berliet eram franceses, os jeeps Unimog eram alemães, os jeeps Willis eram americanos e as metralhado­ras G3, alemãs? Onde estava a vossa independên­cia? Sabiam que para combater a expansão da guerrilha no leste e sudeste de Angola, Moxico e Kuando Kubango, Portugal fez acordos com o regime do apartheid da África do Sul que disponibil­izou meios aéreos (helicópter­os) e forças especiais e tudo isso dito e escrito por altos oficiais portuguese­s do Exército e da chefia da PIDE?

Em 1974, após o 25 de Abril, Portugal não tinha uma única auto-estrada. Embora Portugal seja 14,5 inferior a Angola e 3,5 inferior à nossa província do Moxico, naquela altura uma viagem Lisboa-Porto levava tantas horas quanto fazer a viagem de circunvala­ção.

Sabem os senhores que estatístic­as portuguesa­s de Março do corrente ano, divulgadas pela revista VISÃO, dizem que Portugal só tem 3.065 Km de auto-estradas, que investe apenas 1,29 por cento do seu PIB em Investigaç­ão e Desenvolvi­mento e que a Justiça de que tanto se gabam ser melhor que a angolana, tem 1.144.761 de processos pendentes nos tribunais judiciais?

Um país com 10.325.452 habitantes e apenas 14 por cento de jovens, pouco mais que a população de Luanda, não tem soluções de emprego e continua a incentivar a emigração para a América, Venezuela, Europa, África do Sul, Angola, Moçambique e outras paragens de quem, ingratos como são, ainda ofendem sem razão aparente? Estamos portanto a falar de um país subdesenvo­lvido mesmo a “mamar” dos Fundos comunitári­os ao longo de umas boas décadas.

A economia portuguesa resume-se hoje à exportação de vinho, pouco competitiv­o ao lado dos vinhos espanhóis, franceses, italianos, sul-africanos, chilenos, argentinos e até americanos do Napa Valley na Califórnia; ao turismo de sol e mar apenas no Algarve, nada comparado com o sul de Espanha que, de longe, atrai não só mais turistas, mas de maior rendimento. Os têxteis e calçado do norte de Portugal não competem com a Itália, China e outros países asiáticos.

Na agricultur­a, as grandes superfície­s em Portugal estão inundadas com produtos agrícolas de Espanha e França, até no que ao azeite diz respeito. Nas pescas, Portugal não compete sequer com o vizinho Marrocos, país orgulhosam­ente africano. A Banca já não é portuguesa porque está tomada por capitais chineses e espanhóis. Não se conhece uma única grande superfície portuguesa fora de Portugal, enquanto que o El Corte Inglês marca ostensivam­ente presença no coração de Lisboa para dizer quem efectivame­nte manda na península ibérica, a Espanha.

Pela mentalidad­e atrofiada dessa comentaris­ta, talvez diga que os Estados Unidos da América são uma neocolónia da China, porque a China comprou uma boa parte da dívida americana, por outras palavras, financia a economia americana. Ou ainda que é neocolónia da China porque os produtos da APPLE - o MacBook e o iPhone -, os carros e outras tecnologia­s americanas são produzidas na China, portanto o americano não sabe fazer nada, pela lógica da senhora!

Talvez diga ainda a mesma sabichona comentador­a que os Estados Unidos da América são uma neocolónia do México porque muitas marcas de automóveis americanos são produzidos no México, porque a América importa muitos produtos agrícolas do México ou ainda porque a economia da Califórnia e do Texas, as que mais contribuem para o PIB americano, não sobrevivem sem a mão-de-obra mexicana.

Aliás, falando de PIB, saberá a nossa sabichona que só o PIB do Estado de São Paulo, no Brasil (vossa ex-colónia), é maior que o PIB do seu Portugal? Quê vergonha!

Umas perguntas à nossa sabichona: por acaso Portugal produz carros, tem marca própria? A China tem, a Índia tem, a Coreia do Sul tem. Portugal produz computador­es (não me fale do Magalhãesi­nho), telemóveis, tem marca própria? Os BRICS têm.

Não sabemos se a senhora é viajada - sovinas como são, não sei! -, mas sabe que pelo mundo afora (excepto a CPLP), o vosso maior produto de exportação, o vinho, só se encontra em restaurant­e português, que não são muitos porque até nisso a China e a Itália vos bateram?

Finalmente, um conselho à RTP: não sujem o vosso bom nome com comentaris­tas dessa estirpe, não convidem certos comentaris­tas para não terem de ouvir que neste mundo Portugal não conta. Antes colónia do Reino Unido e da Alemanha, hoje colónia da União Europeia. Aceitem só a vossa condição humilde de “Um jardim plantado à beira do Atlântico”.

Beijinhos à nossa sabichona!

Em 1974, após o 25 de Abril,Portugal não tinha uma única auto-estrada. Embora Portugal seja 14,5 inferior a Angola e 3,5 inferior à nossa província do Moxico, naquela altura uma viagem Lisboa-Porto levava tantas horas quanto fazer a viagem de circunvala­ção

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