Modalidade de pagamentos divide Governo e empresas
Introdução de Títulos de Tesouro no processo de reembolso gera firmes reclamações entre os fornecedores do Estado
A Confederação Empresarial de Angola (CEA) manifestou-se, ontem, em Luanda, contra a modalidade adoptada pelo Estado para o pagamento da dívida pública interna, que prevê a emissão de Obrigações do Tesouro para credores com valores superiores aos 500 milhões de kwanzas.
“Combinamos receber em dinheiro e queremos receber em dinheiro”, declarou o presidente da CEA, Francisco Viana, em declarações à imprensa, à margem de um encontro de auscultação e esclarecimento que juntou ontem, em Luanda, membros daquela organização empresarial e altos funcionários do Ministério das Finanças.
Para Francisco Viana, mesmo que os pagamentos sejam feitos em dinheiro, por não estar sujeito a juros de mora, na prática, o Estado ainda fica a dever metade do que devia, tendo em conta a depreciação da moeda.
Referindo-se à relação entre o empresariado e o Governo, o presidente da CEA afirmou que o “ambiente de negócios está deteriorado, por quebra de confiança”. Hoje, prosseguiu Francisco Viana, uma ordem de saque é vista pelos empresários como “um cheque careca ou a prazo”, pelo tempo que leva a ser desbloqueada.
Há um mês, o Ministério das Finanças apresentou, em Luanda, uma estratégia de regularização do pagamento dos atrasados acumulados entre 2014 e 2017, no seguimento do Programa de Estabilização Macroeconómica.
A estratégia prevê a resolução da dívida registada no Sistema de Gestão Financeira do Estado (SIGFE), de 2014 a 2016.
Para os credores com valores abaixo dos 500 milhões de kwanzas, o pagamento é feito, preferencialmente, em dinheiro, via emissão de ordens de saque. Acima dessa cifra, o pagamento é feito mediante emissão de Obrigações do Tesouro Não Reajustáveis.
A estratégia adoptada pelo Governo prevê, ainda, a resolução das dívidas contratualizadas não registadas no SIGFE de 2014 a 2016, mediante a emissão de títulos, depois de passarem por um processo de certificação para apuramento do valor e da conformidade legal.
Até Março deste ano, a dívida registada no SIGFE entre 2014 e 2016, de acordo com números apresentados na altura pela secretária de Estado das Finanças e do Tesouro, Vera Daves, estava avaliada em 400 mil milhões de kwanzas.
Os mesmos dados afirmam que a estimativa total dos atrasados não registados no sistema está acima de um trilião de kwanzas (cerca de cinco mil milhões de dólares), o que representa mais de 1.700 reclamações de fornecedores do Estado.
Durante o ano passado, segundo o Ministério das Finanças, foram assinados acordos de regularização de dívida no valor de 87.170 milhões de kwanzas, que correspondem a regularização da dívida de 137 prestadores de serviço.
Na altura da apresentação da estratégia de regularização dos pagamentos atrasados, a secretária de Estado do Tesouro reafirmou que, da estimativa total de atrasados não registados no sistema, 25 por cento corresponde a serviços não prestados ou fraude, situação que contribui para a morosidade que se verifica no processo de pagamento da dívida.
Reagindo à denúncia da secretária de Estado das Finanças e do Tesouro, Francisco Viana disse esperar que os infractores sejam entregues à justiça, para ajudar a moralizar o mercado, “separando o trigo do joio”.
O director do Gabinete Jurídico da Administração Geral Tributária, Hermenegildo Cosi, lembrou no encontro que o Estado é uma “pessoa de bem” e, como tal, criou um conjunto de facilidades para os contribuintes, algumas das quais desconhecidas pela maioria dos destinatários.
Para a regularização dos seus passivos com o Estado, por exemplo, os fornecedores dispõem de outros mecanismos, além da liquidez e dos títulos, como é a compensação fiscal e compensação com créditos em bancos públicos, anunciou.
As empresas podem, ainda, pagar as dívidas tributárias através da dívida pública, seja por solicitação do prestador de serviços ou por via oficiosa, isto é, por iniciativa do Ministério das Finanças, disse o jurista.
De acordo com números apresentados em Março pela secretária de Estado do Tesouro, a dívida pública registada no SIGFE está avaliada em 400 mil milhões de kwanzas