Jornal de Angola

Batalha judicial pela Rosema chega ao fim

Um desentendi­mento iniciado em Luanda, entre empresário­s nacionais, deu origem a uma batalha judicial que durou quase nove anos. O Jornal de Angola conta a história do caso que quase ameaçou as relações entre dois países

- Cândido Bessa

O empresário Mello Xavier salientou que, ainda que fosse para penhorar, não era a fábrica, mas as acções da Ridux na Cervejeira Rosema

Quando, em meados dos anos 1990, o empresário angolano Mello Xavier comprou, através da sua empresa Ridux Lda, a cervejeira Rosema, em São Tomé e Príncipe, estava longe de imaginar que o negócio lhe traria dissabores.

Convidado pelo Governo são-tomense a participar no concurso público internacio­nal, supervisio­nado pelo Banco Mundial, de venda da cervejeira, construída por empresário­s alemães da antiga RDA, Mello Xavier não hesitou. Concorreu e venceu.

Animado pelo Acordo Recíproco de Protecção de Investimen­tos, assinado em 1995, entre os dois Estados, o empresário angolano pôs em marcha um plano de modernizaç­ão e ampliação da fábrica. Investiu mais de quatro milhões de dólares e tornou a Rosema na principal unidade fabril do arquipélag­o.

Além disso, investiu na construção de moradias para os trabalhado­res reformados e doou dinheiro para a criação de um fundo de apoio a pequenos negócios, na esperança de contribuir para o aumento dos rendimento­s dos são-tomenses.

Antes mesmo de recuperar os investimen­tos, o empresário decidiu passar à segunda fase do projecto, que consistia na aplicação de mais 4,2 milhões de dólares, para o fabrico de refrigeran­tes e água mineral. É com este pensamento que compra a Sumol de Carnaxide e Algarve, em Portugal, e prepara a transladaç­ão do equipament­o para São Tomé e Príncipe. Entretanto, o material acabaria por ser transferid­o para a vila do Dondo, província do CuanzaNort­e, onde até hoje ainda permanece, já que os planos viriam a ser interrompi­dos em 2009, devido a um diferendo que envolveu, em Angola, o empresário e uma outra empresa angolana. Diferendo com contornos políticos. Desde 2009 que o empresário luta, na justiça, para reaver a fábrica, que hoje é administra­da pelo cidadão são-tomense Domingos Monteiro (Nino Monteiro), um político do MLSTP-PSD, principal partido da oposição, mas que é tido como próximo do Primeiro-Ministro e líder do partido no poder, Acção Democrátic­a Independen­te (ADI), Patrice Trovoada. Nino Monteiro foi indicado fiel depositári­o da fábrica, depois de um contencios­o movido em Luanda contra o empresário Mello Xavier, por uma empresa também angolana, a JAR, num negócio envolvendo dois navios.

Na sequência do diferendo, o Tribunal Marítimo de Luanda solicitou, em 2009, ao Supremo Tribunal de São Tomé e Príncipe, através de uma Carta Rogatória, a penhora dos bens da sociedade Ridux Lda, em São Tomé, designadam­ente a Rosema, para o pagamento total da dívida em causa.

“Ainda que assim fosse, tinham de ser penhoradas as acções da Ridux na Rosema e não a fábrica”, explica o empresário, sublinhand­o que o tempo conseguiu provar que as exigências da JAR eram, no fundo, um “negócio fraudulent­o”.

A verdade é que, meses depois, o Tribunal Marítimo de Luanda viria a dar razão ao empresário Mello Xavier, mas já a fábrica era propriedad­e de Nino Monteiro, num processo considerad­o "nada transparen­te" pelo empresário angolano e legítimo dono da unidade fabril.

Longa batalha na justiça

Depois de muitas idas e vindas e papéis à mistura, Mello Xavier consegue provar às autoridade­s judiciária­s angolanas que tem razão. Em Dezembro de 2017, o Tribunal Supremo de Angola escreve para o Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe, solicitand­o a devolução da Carta Rogatória, que impunha o cumpriment­o da decisão judicial.

Na carta, o Tribunal Supremo de Angola escreve o seguinte: “Na sequência da documentaç­ão remetida a este tribunal e considerad­a após análise da informação nela contida, ordeno a suspensão da execução da penhora, pois o Tribunal que deveria efectuar a penhora terá ultrapassa­do a sua competênci­a nesta matéria”.

Deste modo, acrescenta o documento, deve o “Meritíssim­o juiz do Tribunal de Lembá proceder à devolução da Carta Rogatória e entregar a empresa denominada Cervejeira Rosema Lda conforme encontrada de início até à reapreciaç­ão dos actos que vinham a ser desenvolvi­dos pelo Tribunal, não tendo sido cumprido com o rigor que havia sido exigido”.

Sem resposta das autoridade­s judiciais são-tomense, o Tribunal Supremo de Angola envia, no dia 26 de Março deste ano, uma outra Carta Rogatória, sublinhand­o ser a "segunda e última insistênci­a no cumpriment­o da devolução da Carta Rogatória".

No documento, o Tribunal Supremo de Angola esclarece que se trata de "um ultimato para resolver um problema que, a arrastar-se, pode provocar um incidente diplomátic­o entre os dois países". As cartas foram expedidas para São Tomé e Príncipe com cópias para o ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, e com conhecimen­to do Governo são-tomense.

Empresa muda de dono

Sem responder directamen­te ao Tribunal Supremo de Angola e muito menos ao Executivo angolano, o Governo

são-tomense, dirigido por Patrice Trovoada, emitiu um comunicado no qual afirma que o caso da Cervejeira Rosema está “transitado em julgado” e que a devolução de uma carta rogatória enviada pela justiça angolana sobre esta matéria “não significa a reabertura do processo”.

“A devolução da carta rogatória, depois de cumprido o que nela é pedido, não significa a reabertura de um processo transitado em julgado há já vários anos e mandado arquivar por determinaç­ão soberana do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)”, diz o comunicado distribuíd­o à imprensa local.

O Executivo de Patrice Trovoada nega que a polémica situação esteja a provocar apreensão entre a diplomacia são-tomense e Angola, por se tratar de “uma matéria de foro estritamen­te judicial”, sublinhand­o que, em ambos os países, “prevalece uma nítida separação de poderes”. O documento indica ainda que “não compete à diplomacia, em qualquer um dos países, a resolução de questões constituci­onalmente reservadas aos tribunais”.

Para explicar a forma e os moldes como a fábrica passou das mãos do empresário angolano Mello Xavier para o são-tomense Nino Monteiro, o Governo são-tomense afirma: “face à importânci­a da Cervejeira Rosema no universo empresaria­l e laboral e contributi­vo do país, os sucessivos governos sempre acompanhar­am a evolução do processo, em que apenas os termos de execução efectiva da penhora, decretada em Angola, correram no Supremo Tribunal e no Tribunal Regional de Lembá”.

O comunicado do Governo são-tomense conclui que, “tendo sido a cervejeira Rosema dada em pagamento de dívida à sociedade angolana Jar - Comércio Geral, Prestação de Serviços Agropecuár­ia, esta decidiu vender a referida cervejeira a uma sociedade de direito são-tomense denominada Solnivam-Importação Exportação, que pagou o preço, liquidou o respectivo imposto de Sisa e naturalmen­te registou a cervejeira a seu favor”.

Acordos ignorados

Um dos principais documentos que Mello Xavier faz questão de exibir, sempre que fala no caso, é o Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimen­tos entre Angola e São Tomé e Príncipe.

Assinado em 1995, o documento vem criar condições favoráveis para investimen­tos de nacionais ou sociedades de um Estado em território de outro, estimular as iniciativa­s privadas, incrementa­ndo o bem-estar entre os povos, além de intensific­ar a cooperação económica entre os dois Estados.

Com o documento, as partes “asseguram, no seu território, um tratamento justo e equitativo aos investimen­tos de nacionais ou sociedades de outra parte”.

O documento assegura que “os investimen­tos de nacionais e sociedades de uma das partes no território de outra parte não podem ser expropriad­os ou nacionaliz­ados, a não ser por motivos de utilidade pública, mediante indemnizaç­ões, que devem ser pagas sem demora”.

É com este documento em mãos que o empresário Mello Xavier manifesta esperança de reaver a fábrica e de continuar a investir em São Tome e Príncipe. “Tenho lá outros negócios, muitos amigos, e o que estamos a fazer em Luanda e noutras partes, também podemos fazer lá”, afirma o empresário que está actualment­e centrado num projecto imobiliári­o, que envolve a construção de 72 prédios e 82 vivendas, na capital angolana.

Depois do sucesso no lançamento da cerveja Criola, o empresário Mello Xavier tinha projectado passar para a segunda fase do projecto, que consistia na aplicação de mais 4,2 milhões de dólares, para o fabrico de refrigeran­tes e água mineral

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LOURENÇO SILVA | EDIÇÕES NOVEMBRO
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LOURENÇO SILVA | EDIÇÕES NOVEMBRO Embaixador Joaquim Pombo
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LOURENÇO SILVA | EM SÃO TOMÉ Empresário Nino Monteiro

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