Jornal de Angola

Mito Gaspar é o “griot” da música tradiciona­l

Duas noites de concerto no projecto cultural Show do Mês confirmam a pujança da musicalida­de de matriz tradiciona­l

- Honorato Silva

A presença de Mito Gaspar, como cartaz da terceira estação da quinta temporada do projecto “Show do Mês”, da promotora Nova Energia, nos dias 27 e 28 de Abril, no anfiteatro do Royal Plaza Hotel, em Talatona, redundou numa profunda viagem guiada na cadência de sons tradiciona­is de Angola, com Malanje a fazer de placa giratória.

Houve um verdadeiro e cúmplice reencontro cultural, sem precisar ser domingo do funji cantado, com sentida saudade, por Alberto Teta Lando, em “Reunir”, para se ouvir tocar a marimba de Malanje. Foi mesmo à entrada da sala, a dar as boas-vindas a uma plateia ávida de voltar a sentir o pulsar de um divulgador de “jisabu” (provérbios), afastado dos palcos, por força de compromiss­os administra­tivos e empresaria­is.

Em kimbundu, com traduções isoladas bem dispensáve­is, porque o belo na música é sentido em qualquer língua, Mito Gaspar abraçou os fãs e disse “etu mudietu”, entre nós. Chamou Emanuel Mendes, para exibir a erudição do tenor angolano que dá cartas na ópera, numa arrebatado­ra interpreta­ção de “Hadya Tuvutuka”, tema inspirado no poema “Havemos de Voltar” de Agostinho Neto.

Ndaka Yo Wiñi, irreverent­e em palco, encheu a sala com a espiritual­idade do umbundu, em “Passuka” e “Cantares da Terra”, um dos momentos altos das duas noites, enquanto Jorge Mulumba, fiel continuado­r do “hungu” e outros instrument­os de percussão, cantou “Eme”, com o anfitrião, e recordou “Nick”, num sucesso da música tradiciona­l angolana.

O roteiro da viagem levou o músico, acarinhado pelo público, a revisitar memórias da infância repartida entre o período de aprendizag­em da tradição, ao lado dos avós maternos, e as restrições impostas pelo pai, já na cidade, no uso do kimbundu, em defesa do estatuto de assimilado.

Embalado pelas raízes sonoras de Katenda do Céu, Sukeco, Kalandula e Cacuso, localidade­s do seu Malanje natal, convidou a plateia para, em uníssono, lembrar o canto de revolta dos escravos, que, apesar da dor e mágoa resultante­s da opressão, acreditava­m na chegada do dia da liberdade.

As músicas “Kandanda”, “Gipanda”, “Tanaku”, “Hassa”, “Kassexi” e “Jipange” preenchera­m o primeiro bloco da actuação do homenagead­o, vestido a preceito. As camisas africanas realçavam a presença em palco, marcada pela exibição da singularid­ade do canto e do fraseado da guitarra, que executa com destreza consolidad­a entre 1973 e 1975, na banda “Top Mag”, num percurso artístico iniciado em 1964, aos sete anos, no “Grupo dos Batuqueiro­s”, formado por colegas da escola primária, chamados como animadores de rituais de circuncisã­o.

Regresso ao estúdio

Mito Gaspar cantou ainda “Kissueya”, “Kizua ni kizua”, “Azediwa”, “Phambu ya njila”, “Wadya wadyaku”, “Gia mu telembe”, “Kibuka kya moma”, “O que será?”, “Pilimo”, “Man Polê” e “Mahezu”, músicas extraídas dos discos “Man Polê” (Luanda, 1984), “Mitos e Tradições” (Paris, 1987) e “Phambu ya njila” (África do Sul, 2004). Muito perto do fim, teve a participaç­ão de Lazaro Ninho Guterrez, trombetist­a cubano, numa rapsódia de canções tradiciona­is de Malanje.

Na conversa animada com a plateia, muitas vezes em kimbundu, para responder a amigos reencontra­dos na sala, o músico e compositor anunciou a entrada em estúdio, brevemente, para a gravação do quarto disco, que na verdade será a junção dos grandes sucessos da carreira e alguns temas inéditos. Por enquanto, aguarda por patrocinad­ores.

O casamento do tradiciona­l com o moderno, proposto pela musicalida­de de Mito Gaspar, serviu de pretexto a homenagens paralelas. Foi o caso do embaixador Ismael Martins, seguidor do projecto pela Internet, que recebeu da organizaçã­o o seu mosaico distintivo de “showista”. Albino Carlos, jornalista e escritor destacado no movimento cultural, aproveitou reavivar memórias de “jisabu”.

Apenas faltou o anúncio do próximo cartaz, a seguir a Carlitos Vieira Dias, que fechou a temporada anterior, Rei Elias dya Kimuezo, Paulo Flores e Mito Gaspar.

Nas redes sociais, os “showistas” dizem ser Barceló de Carvalho “Bonga”, escoltado pelo já inseparáve­l Betinho Feijó. Yuri Simão, o rosto visível da direcção da Nova Energia, promete anunciar nos próximos dias o artista escolhido.

O casamento do tradiciona­l com o moderno, proposto pela musicalida­de de Mito Gaspar, serviu de pretexto a homenagens paralelas

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MOTA AMBRÓSIO | EDIÇÕES NOVEMBRO Mito Gaspar encorajou Jorge Mulumba a prosseguir a divulgação dos ritmos ancestrais

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