O 15 de Março de 1961
“O dia em que o Norte de Angola ardeu” - Abriam assim os títulos dos jornais da época.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) considerou premente acabar com os sistemas coloniais e recomendou a todos os seus Estados-membros que tomassem boa nota dessa recomendação. Os povos colonizados reclamavam independência, e os colonizadores fizeram orelhas moucas aos povos submetidos e às recomendações da ONU.
No final da década de 1940 já havia vários movimentos no Norte de Angola a oporem-se ao sistema colonial fascista de Salazar e seus apaniguados.
Em 1954 criou-se em Léopoldville, no então Congo Belga, a União dos Povos do Norte de Angola (UPNA).
Em 1958, no Congresso dos Povos Africanos realizado em Accra, no Gana, Álvaro Holden Roberto tomou conta daquele movimento político mudando-lhe o nome para União dos Povos de Angola (UPA), e tentou retirar-lhe a componente tribal que ostentava até aí, transformando-o no Movimento Político Angolano mais bem organizado.
Luanda era entretanto palco de movimentações clandestinas levadas a cabo por vários grupos de angolanos que reivindicavam a independência de Angola, entre os quais se conta o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUA) em 1953, seguindo-se-lhe o Partido Comunista de Angola (PCA) em 1955. Em 1956 estes dois grupos fundiram-se dando lugar ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em Janeiro de 1961, um grupo de trabalhadores da empresa produtora de algodão COTONANG encetou uma greve de protesto pelo atraso no pagamento dos salários e pelas duras condições de trabalho a que os obrigavam. A cada dia que passava o grupo de grevistas aumentava, o que motivou o governo de Lisboa a ordenar a intervenção das forças armadas portuguesas, nomeadamente a força aérea, para os repelir.
A repressão brutal traduziu-se num autêntico massacre de trabalhadores, cujo verdadeiro número de mortos nunca foi conhecido. Esta demonstração de prepotência do então governo português sobre aqueles trabalhadores angolanos foi o acender do rastilho que fez eclodir a luta de libertação nacional.
No ano anterior, a Independência do Congo abriu as portas aos movimentos independentistas angolanos, que estabeleceram as suas sedes no território vizinho, e de lá comandavam os operacionais no terreno. Logo que soube do massacre da COTONANG, alguns nacionalistas angolanos planearam um assalto em duas prisões em Luanda: a Casa de Reclusão Militar e o Forte de São Paulo, com o intuito de atacar aquelas prisões e libertar presos nacionalistas.
A 15 de Março, a UPA (União dos Povos de Angola) desencadeou uma vaga de ataques no Norte de Angola que visou esquadras policiais, postos administrativos e fazendas de colonos portugueses que ali escravizavam os angolanos, da qual resultará a morte de centenas de colonos nos Dembos, Nambuangongo, Kwanza Norte e na fronteira com a actual República Democrática do Congo.
Mesmo contra a vontade de Holdem Roberto, que tinha gizado as acções rebeldes para mais tarde, houve quem considerasse ser de aproveitar a presença de jornalistas de todo o mundo em Luanda, atraídos pelo assalto de Henriques Galvão ao Paquete Santa Maria que, acreditavase, rumava para a capital angolana, para, através deles, sensibilizarem o mundo para a situação colonial portuguesa vigente em Angola. A partir de 15 de Março de 1961 a UPA, numa acção concertada e assessorada por conselheiros norteamericanos, desencadeou uma sublevação geral na região Norte de Angola, desde São Salvador (Zaire) até Luanda, passando por Uíge, Dembos e Kwanza Norte.
A natureza violenta evidenciada nestes actos deu azo a que António de Oliveira Salazar se reivindicasse justiceiro ao lançar a repressão sobre qualquer Movimento Nacionalista e as populações indefesas angolanas, enviando destacamentos militares para o território ocupado pela UPA, que teve como seu bastião Nambuangongo. Ficou célebre a frase pronunciada por Salazar nessa ocasião: “Para Angola todos e em força”. A UPA (União dos Povos de Angola) foi a primeira organização a iniciar as hostilidades armadas. Segundo Holden Roberto, terá sido Frantz Fanon que o aconselhara aquando da Conferência Africana em Accra, Ghana, a pegar em armas para libertação dos angolanos. Outrossim, Holden Roberto confidenciara em círculos restritos o conselho que Fanon lhe havia dado: “Holden não hesites a pegar em armas para combater, porque os portugueses têm sangue árabe e como tal são teimosos”. A UPA granjeou grande apoio internacional, desde os EUA a vários países africanos.
A contra violência defensiva dos colonos brancos portugueses, polícia e a PIDE em resposta aos ataques da UPA - da qual Salazar tem conhecimento prévio mas que, num exercício de cinismo político, permite que aconteça, para depois ter a justificação para o envio maciço de tropas - terá um carácter indisfarçado, sem critério e compensatório de “caça ao preto”. A revista TIME dirá na altura, por exemplo, que em Luanda “vigilantes civis portugueses realizaram batidas nos subúrbios e nos muceques de São Paulo, Sambizanga, Cazenga e outros bairros periféricos, em busca de supostos depósitos de armas, e mataram indiscriminadamente a tiro 35 angolanos”. Enquanto o Norte de Angola ardia em chamas e o regime português mostra-se apático na retaliação à UPA, a hierarquia castrense ocupa-se com longas discussões sobre “a questão colonial”. * Jornalista e investigador de ciências políticas e sociais