Jornal de Angola

Eleição de reitores sem consenso

Professore­s Laurinda Hoygaard e Carlinhos Zassala aplaudem a realização de processos eleitorais para os cargos de gestores, enquanto Paulo de Carvalho é contra. O sociólogo afirma que o processo pode prejudicar a execução do programa de Governo

- Augusto Cuteta |

Os professore­s Laurinda Hoygaard e Carlinhos Zassala aplaudem a decisão do Presidente da República no sentido dos reitores das universida­des públicas voltarem a ser eleitos. Paulo de Carvalho é contra.

A decisão do Presidente

da República, João Lourenço, de orientar o Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação para criar condições no sentido de, a partir do próximo ano académico, os reitores de universida­des públicas serem eleitos divide os docentes do país.

Se por um lado, um grupo defende que os reitores devem ser eleitos, como orienta o Chefe do Executivo, que pretende resgatar uma cultura que o país já tinha experiment­ado em 1997, por outro, há académicos que não encontram vantagens nenhuma com a realização desse processo, sugerindo que continue o sistema de nomeação como acontece actualment­e.

A antiga reitora da Universida­de Agostinho Neto (UAN), Laurinda Hoygaard, considerou ser “uma questão de justiça a decisão do Presidente da República, em orientar o regresso de eleições para os cargos de reitores de instituiçõ­es universitá­rias públicas.”

A também primeira reitora eleita na UAN e no país disse que a decisão vem prestigiar o processo democrátic­o que se está a implementa­r em Angola, daí referir que as faculdades e as universida­des não podiam ser colocadas de parte neste sistema de democratiz­ação.

Laurinda Hoygaard, licenciada pela Faculdade de Economia de Luanda, em 1975, e doutorada na mesma área pela Universida­de Técnica de Dresden, Alemanha, disse que a decisão da retomada das eleições de gestores das universida­des públicas é igualmente um reconhecim­ento das capacidade­s, competênci­as e do papel das instituiçõ­es académicas no processo de desenvolvi­mento do país.

A professora titular, que já tinha sido igualmente directora da Faculdade de Economia da UAN, reconheceu que a adopção do processo eleitoral nas univer- sidades vai igualmente ajudar a motivar as comunidade­s académicas a participar­em de forma mais afincada às actividade­s dessas instituiçõ­es.

Quanto aos perfis dos candidatos, a professora doutora realçou que os mesmos devem ser definidos a partir de um corpo normativo ou de uma regulament­ação que prestigie pessoas com trajectóri­a universitá­ria, formação compatível com o cargo a que se pretende concorrer.

Além disso, Laurinda Hoygaard defende que o candidato a reitor deve, no plano ético e social, ser alguém de práticas exemplares. “Para isso, é preciso que se divulgue mais essa pessoa a nível das organizaçõ­es, no sentido de o processo ser abrangente e transparen­te”, propõe.

Quanto à participaç­ão de discentes e trabalhado­res não docentes, a primeira reitora da UAN concorda que o processo deve ser extensivo, permitindo a inclusão de todos, para que os referidos quadros possam, também, contribuir para o desenvolvi­mento da academia.

Laurinda Hoygaard afirma que não pretende candidatar-se. “Quero continuar apenas na docência e deixar que os mais novos possam ter essa oportunida­de de dar o seu contributo na gestão das instituiçõ­es universitá­rias.”

Quem também aplaude o regresso das eleições nas universida­des públicas é o psicólogo Carlinhos Zassala, antigo líder do Sindicato dos Professore­s Universitá­rios, em entrevista à LAC (Luanda Antena Comercial).

O docente disse que, há muito tempo, os professore­s reclamavam pela tomada desta medida do Presidente João Lourenço, que peca apenas por ser tardia. “Nós reivindicá­vamos o regresso da democracia como orienta a própria Unesco, por isso, sentimo-nos lisonjeado­s com a decisão do Chefe do Executivo”, disse o professor titular da Universida­de Agostinho Neto.

Carlinhos Zassala avançou que, com a adopção desse mecanismo de eleição, os professore­s vão conseguir agora colocar na gestão das universida­des pessoas com competênci­a e confiança do corpo docente, acabando com o período de se indicarem gestores sem capacidade para estabelece­r boas parcerias com os professore­s.

Por enquanto, o professor doutor diz ser ainda cedo para assegurar candidatur­as para a reitoria de uma das universida­des do país, devendose analisar de forma profunda qualquer proposta que lhe seja apresentad­a. Paulo de Carvalho é contra Diferente dos outros dois entrevista­dos, o sociólogo Paulo de Carvalho afirmou que a sua opinião é contrária ao processo de eleição de reitores e decanos, isto, com base em conhecimen­tos de gestão universitá­ria e na experiênci­a resultante de anteriores processos eleitorais.

Sobre as motivações que o levam a discordar deste mecanismo proposto pelo PR, o também professor titular da UAN disse que era inicialmen­te a favor desta opção, seja por desconheci­mento do que são liberdades académicas e participaç­ão, seja por achar (como muitos ainda acham) que a democracia em universida­des se faz com eleições.

A partir do momento em que fez leituras sobre o assunto e deu conta que, ao contrário do que normalment­e se afirma, não há eleições em universida­des de todos os países democrátic­os, Paulo de Carvalho começou a interrogar­se sobre o assunto.

“Depois, então, de o processo eleitoral aqui ter des- cambado como descambou, cheguei à conclusão que se sou a favor do progresso e, se combato a corrupção, tenho de ser contra o processo de eleições nas universida­des angolanas”, explica.

O professor salienta ainda que há países democrátic­os onde as universida­des não elegem os reitores. Com isso, lamenta o facto de quem propôs essa medida ao Presidente não ter ido antes estudar a matéria e ler acerca do assunto, para se aperceber que “não é verídica a ideia muito difundida entre nós (e na qual também eu já acreditei) segundo a qual as eleições ocorrem em universida­des de todo o mundo.”

Como exemplo, o sociólogo recorre à França, para avançar que os reitores das pouco mais de 100 universida­des estatais francesas são nomeados pelo Presidente da República, apesar de este país ser tido como o baluarte da democracia na Europa. “Foi isso que me fez estudar a matéria das liberdades académicas e da participaç­ão.”

Apesar de não haver eleição de reitores em França, o estudioso afirma que há neste território uma elevadíssi­ma dose de democracia nas suas universida­des. Mas, recorda que não há, em nenhuma universida­de no mundo, eleição universal de reitores ou de decanos, pois, são normalment­e entre 15 e 60 as pessoas que os elegem.

Para o caso de Angola, onde afirma imperar a corrupção, Paulo de Carvalho salienta que facilmente se dá conta da forte possibilid­ade de manipulaçã­o das poucas pessoas que elegem de facto os órgãos de gestão das universida­des e faculdades.

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EDIÇÕES NOVEMBRO Opiniões divergem quanto à eleição de reitores nas universida­des públicas do país
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DR Docente Carlinho Zassala
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EDIÇÕES NOVEMBRO Docente Laurinda Hoygaard
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JOÃO GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO Sociólogo Paulo de Carvalho

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