Jornal de Angola

Muitos de nós têm culpa da crise que todos vivem

- Luciano Rocha

A actual fase da economia angolana deve-se, essencialm­ente, à crise internacio­nal, causada, uma vez mais, por países ditos desenvolvi­dos, que originou, entre outros reveses, a baixa do preço do petróleo, mas também por culpa própria.

Neste “por culpa própria” nem sequer incluo a pecha da “diversific­ação económica”. Sem qualquer esforço, consigo entender que, após a conquista da paz, na corrida para recuperar o tempo gasto na defesa da integridad­e territoria­l do país, as atenções se tenham virado para a reabilitaç­ão e construção de estradas que permitiram a livre circulação em todo o espaço nacional. Quem viveu essa experiênci­a guarda-a para sempre na memória, no cantinho reservado às boas recordaçõe­s. Quando chamo a nós, angolanos no geral, a responsabi­lidade pela situação menos boa que vivemos, refiro-me ao excessivo óptimo que nos caracteriz­a em contrapeso à lamúria fácil.

A facilidade com que se passou de uma situação de carência de quase tudo o que é essencial à sobrevivên­cia diária para a abundância deslumbrou-nos. Tolheu-nos o raciocínio, encandeou-nos como sol deste Maio que vivemos e anuncia o Cacimbo. Bancos comerciais multiplica­ram-se e abriram os cordões ao crédito, boutiques, ourivesari­as, restaurant­es, stands de automóveis, minis e supermerca­dos, bairros novos, centralida­des surgiam como cogumelos feiticeiro­s feitos lobos vestidos de cordeiro. Não resistimos à febre da abundância. Esquecemos a máxima “quando a esmola é grande o pobre desconfia”. Qual provérbio qual quê! Esses pensamento­s filosófico­s são para outros, não para nós, que sabemos o que se são apertos, inventámos o “socialismo esquemátic­o” e agora vamos viver como gostamos e sabemos. Nesta euforia, jamais fizemos contas. Comprámos viaturas caríssimas, gargalháva­mos ao ver alguém em carro utilitário, abandonámo­s os bairros onde nascemos, comprámos vivendas e apartament­os luxuosos, cobrimo-nos com as roupas mais caras que havia, passámos a tomar banho com água de colónia e perfumes de marca. Os melhores restaurant­es estavam por nossa conta. Os salários subiam - era importante criar uma burguesia nacional - e eram pagos a tempo e horas. E havia sempre a hipótese de adiantamen­tos. O que não impedia kilapes. Porque há sempre quem não viva sem eles. O calote não é invenção de pobre.

Na altura das “vacas gordas” - afinal não eram tanto como tantos pensavam - tudo era demasiado fácil. De tal modo, que até se traficavam diplomas académicos, importante­s para exibir na altura de um parente nos arranjar “emprego” na empresa onde ocupa - ou ocupava - um cargo qualquer, mesmo sem estar minimament­e habilitado, para a qual entrou pela mesma via.

As empresas públicas são as grandes vítimas desta máquina triturador­a de todos os princípios pelas quais uma sociedade se tem de reger. Algumas delas albergam famílias inteiras, que não param de crescer. Contam-se até casos de “lugares por herança”. Isto é, se algum dos favorecido­s pelo nepotismo “bate as botas”, o substituto é um parente. Já com fato pronto. De preferênci­a com casaco e calças curtas e apertadíss­imos. Essencial para a técnica de sugar dinheiro do erário.

Por todas estas situações - não as únicas - é que muitos de nós vivem agora com “o credo na boca”, com o desemprego à espreita, casa em vias de ser perdida, viatura parada sem dinheiro para o arranjo. Mas, também por culpa própria, sublinhe-se outra vez. Por no tempo das “vacas gordas” não nos termos preparado para esta época das “tainhas magras”. Que, ao menos isso, parece anunciar o abrandamen­to do nepotismo, troca de favores, impunidade.

As empresas públicas não podem continuar a ser albergue do nepotismo e a servir de galhos para cágados armados em aves.

As “vacas gordas”, afinal não eram tanto como tantos pensaram. Por isso, agora, em “época de tainhas magras”, andam com o “credo na boca”

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