Muitos de nós têm culpa da crise que todos vivem
A actual fase da economia angolana deve-se, essencialmente, à crise internacional, causada, uma vez mais, por países ditos desenvolvidos, que originou, entre outros reveses, a baixa do preço do petróleo, mas também por culpa própria.
Neste “por culpa própria” nem sequer incluo a pecha da “diversificação económica”. Sem qualquer esforço, consigo entender que, após a conquista da paz, na corrida para recuperar o tempo gasto na defesa da integridade territorial do país, as atenções se tenham virado para a reabilitação e construção de estradas que permitiram a livre circulação em todo o espaço nacional. Quem viveu essa experiência guarda-a para sempre na memória, no cantinho reservado às boas recordações. Quando chamo a nós, angolanos no geral, a responsabilidade pela situação menos boa que vivemos, refiro-me ao excessivo óptimo que nos caracteriza em contrapeso à lamúria fácil.
A facilidade com que se passou de uma situação de carência de quase tudo o que é essencial à sobrevivência diária para a abundância deslumbrou-nos. Tolheu-nos o raciocínio, encandeou-nos como sol deste Maio que vivemos e anuncia o Cacimbo. Bancos comerciais multiplicaram-se e abriram os cordões ao crédito, boutiques, ourivesarias, restaurantes, stands de automóveis, minis e supermercados, bairros novos, centralidades surgiam como cogumelos feiticeiros feitos lobos vestidos de cordeiro. Não resistimos à febre da abundância. Esquecemos a máxima “quando a esmola é grande o pobre desconfia”. Qual provérbio qual quê! Esses pensamentos filosóficos são para outros, não para nós, que sabemos o que se são apertos, inventámos o “socialismo esquemático” e agora vamos viver como gostamos e sabemos. Nesta euforia, jamais fizemos contas. Comprámos viaturas caríssimas, gargalhávamos ao ver alguém em carro utilitário, abandonámos os bairros onde nascemos, comprámos vivendas e apartamentos luxuosos, cobrimo-nos com as roupas mais caras que havia, passámos a tomar banho com água de colónia e perfumes de marca. Os melhores restaurantes estavam por nossa conta. Os salários subiam - era importante criar uma burguesia nacional - e eram pagos a tempo e horas. E havia sempre a hipótese de adiantamentos. O que não impedia kilapes. Porque há sempre quem não viva sem eles. O calote não é invenção de pobre.
Na altura das “vacas gordas” - afinal não eram tanto como tantos pensavam - tudo era demasiado fácil. De tal modo, que até se traficavam diplomas académicos, importantes para exibir na altura de um parente nos arranjar “emprego” na empresa onde ocupa - ou ocupava - um cargo qualquer, mesmo sem estar minimamente habilitado, para a qual entrou pela mesma via.
As empresas públicas são as grandes vítimas desta máquina trituradora de todos os princípios pelas quais uma sociedade se tem de reger. Algumas delas albergam famílias inteiras, que não param de crescer. Contam-se até casos de “lugares por herança”. Isto é, se algum dos favorecidos pelo nepotismo “bate as botas”, o substituto é um parente. Já com fato pronto. De preferência com casaco e calças curtas e apertadíssimos. Essencial para a técnica de sugar dinheiro do erário.
Por todas estas situações - não as únicas - é que muitos de nós vivem agora com “o credo na boca”, com o desemprego à espreita, casa em vias de ser perdida, viatura parada sem dinheiro para o arranjo. Mas, também por culpa própria, sublinhe-se outra vez. Por no tempo das “vacas gordas” não nos termos preparado para esta época das “tainhas magras”. Que, ao menos isso, parece anunciar o abrandamento do nepotismo, troca de favores, impunidade.
As empresas públicas não podem continuar a ser albergue do nepotismo e a servir de galhos para cágados armados em aves.
As “vacas gordas”, afinal não eram tanto como tantos pensaram. Por isso, agora, em “época de tainhas magras”, andam com o “credo na boca”