Bairro “Papá Simão” tomado por marginais
O medo cresceu depois do aparecimento dos cadáveres de três raparigas, que, depois de violadas, foram cruelmente assassinadas. Um dos corpos foi encontrado numa fossa séptica com sinais de violência
O bairro Papa Simão acorda muito cedo. Logo pela manhã, o movimento já é intenso, com pessoas, entre adultos e crianças, a circularem em todas as direcções. Mas, embora haja mobilidade intensa, o medo é o sentimento da maioria, devido ao clima de insegurança, motivado pela ocorrência de três violações sexuais seguidas de mortes, cujas vítimas têm entre 17 e 25 anos.
A presença de patrulhas da Polícia Nacional às primeiras horas da manhã devolve alguma esperança, ainda de forma tímida, por dias melhores, no capítulo da segurança pública.
A notícia do assassinato das jovens, quando se espalhou por todo o bairro, reacendeu o debate sobre a (in) segurança pública no “Papá Simão” e no Mulenvos de Cima, vizinho daquele bairro.
O comando municipal de Viana redobrou o patrulhamento, uma decisão da Polícia que divide a opinião dos moradores, alguns dos quais dizem não acreditar que o patrulhamento venha a ser feito com regularidade, uma falha, segundo eles, recorrente em várias áreas residenciais da província de Luanda.
Céptica está Esperança Pedro, 42 anos e moradora no bairro Papá Simão há oito anos, em cujo período a cidadã já viu “muita coisa ruim”. O bairro está inseguro e o medo toma conta dos moradores, segundo Esperança Pedro, mãe de quatro filhos. A falta de iluminação é aproveitada pelos meliantes. Quem anda depois das 19 horas sabe de antemão dos riscos que corre. Outros, os mais temerosos, preferem recolher-se mais cedo e, à noite, só saem em caso de extrema urgência. “Os bandidos violam e matam meninas, um facto que me põe assustada”, sustenta Esperança Pedro.
Banhada em lágrimas, Guilhermina Manuel, 25 anos, descreve as qualidades de uma das três vitimas, uma jovem de 17 anos, assassinada e os restos mortais colocados numa fossa séptica numa quinta. Depois de violada, os seus órgãos genitais foram retirados, conta Guilhermina Manuel, que faz uma pausa, porque não conseguia conter as lágrimas.
O autor da violação e homicídio já está detido, informação avançada por Mateus Rodrigues, porta-voz do comando provincial de Luanda da Polícia Nacional. Ninguém, no bairro Papá Simão, tem o sono tranquilo. “Não consigo dormir à vontade porque tenho medo que os marginais invadam a minha residência para violar e matar as minhas duas filhas”, declara Beatriz Manuel, 29 anos. Já pensa em mudar de bairro se o clima de insegurança permanecer.
Os marginais aproveitam a existência de moradias inacabadas e quintas abandonadas para a prática criminosa,
Banhada em lágrimas, Guilhermina Manuel, 25 anos, descreve as qualidades de uma das três vítimas, jovem de 17 anos, assassinada cuja os restos mortais foram colocados em fossa séptica de uma quinta
o perigo, porque os meliantes ganham mais coragem para o cometimento de crimes depois de embriagados.
O mesmo receio é manifestado pelo presidente da comissão de moradores do bairro, Ângelo António Araújo, que, entre tantos exemplos, mencionou o quarteirão cinco, junto à Rua da Moagem, onde há uma moradia que vende fino e “caipirinha”, sendo um local “muito frequentado por raparigas e rapazes, alguns dos quais delinquentes.
“Já convocámos o proprietário da moradia na perspectiva de ele passar a encerrar mais cedo a venda, uma vez que muitos jovens, de ambos os sexos, consomem bebidas alcoólicas e circulam fora de hora, com o risco de serem assaltados ou assassinados”, acentua o presidente da comissão de moradores.
A criminalidade esteve na origem de uma reunião, em Fevereiro, mantida pelo presidente da comissão de moradores com 50 moradores que têm filhos conhecidos como delinquentes. Num segundo encontro, o presidente da comissão de moradores esteve com 22 jovens, presumivelmente com envolvimento no mundo do crime.
Nas rixas entre grupos de jovens marginais é recorrente a utilização de catanas e outras armas brancas, confirma o coordenador da comissão de moradores. “Às vezes, é tanta violência, que começa às 19 e termina às 21h00”, disse o coordenador.
O porta-voz do comando provincial de Luanda da Polícia, intendente Mateus Rodrigues, confirma o “clima de medo que paira entre os moradores” do bairro Papá Simão e as violações e assassinatos de três raparigas no bairro Papa Simão e de uma em Cacuaco.
Cristo Manuel, de 50 anos e morador do Mulenvos de Cima, vizinho do bairro Papá Simão, comenta ter presenciado, há dias, o caso de uma rapariga que estava para ser violada por volta das 23h00 por dois jovens. O seu “anjo da guarda” é um vizinho de Cristo Manuel, um militar das Forças Armadas Angolanas (FAA), que fez dois disparos para o ar, afugentando os marginais.
O casal Junqueira António e Conceição Ndala tenta regressar cedo a casa. A razão da mudança de rotina tem um nome: a redução do sentimento de segurança. Quando chega tarde, das 19 horas em diante, circula com muita cautela. “Até mesmo para fazer compras para o jantar, no mercado, o regresso a casa é feito com precaução”, conta, por sua vez, Deolinda Mateus, 49 anos.