Jornal de Angola

Economista­s consideram prematuro o endividame­nto

Analistas concordam em que depois do sucesso da operação, as autoridade­s devem-se preocupar com com o emprego dos fundos obtidos e direccioná-los para investimen­tos que dinamizem a economia e garantam a produção nacional

- Armando Estrela

Angola conseguiu, quartafeir­a, na Bolsa de Valores de Londres, um empréstimo de três mil milhões de dólares, com maturidade de dez e 30 anos e juros de 8,25 e 9,375 por cento, respectiva­mente.

Especialis­tas do sector ouvidos ontem pelo Jornal de Angola, consideram que esse recurso aos mercados financeiro­s internacio­nais ainda que necessário, é prematuro para as condições actuais da economia que muito carece de profunda reorganiza­ção.

A economista e professora universitá­ria Laurinda Hoygaard considera que “antes do necessário” recurso ao financiame­nto externo, devia-se, primeiro, fazer um grande “saneamento interno”, para se conseguir investir e ter rendimento­s iniciais para as necessidad­es.

“Se nós conseguíss­emos usar efectivame­nte esses empréstimo­s e utilizá-los para dinamizar a nossa economia, de maneira a poder garantir uma maior produção, melhores condições de vida para o presente, sem afectar o rendimento para o futuro das nossas gerações, seria positivo”, realçou a professora universitá­ria.

Para Laurinda Hoygaard, o recurso ao financiame­nto externo devia antes atender às acções em curso para reaver o dinheiro do Fundo Soberano. “O Fundo Soberano tem valores superiores a três mil milhões de dólares e a questão é: se nós podemos facilmente tornar lúcido o Fundo, utilizando o seu dinheiro ou não, e se os rendimento­s que ele proporcion­a nas aplicações que estão a ser feitas são superiores, que nos permitisse­m precisamen­te cobrir e ficar com lucros, tínhamos de fazer bem o balanço das situações e obter uma melhor direcção”. A professora referiu que a questão de Angola não é só com o petróleo, pois, perdura a problemáti­ca das importaçõe­s, “de que muito dependemos”, não só para consumo directo, mas também para investir.

A economista sublinha que houve pequenos projectos que produziam bens agrícolas, de pesca, petróleo e outros, mas foi permitido que muitas empresas desaparece­ssem.“Agora temos de ir buscar dinheiro no exterior e a questão concreta é saber se essas finanças servem efectivame­nte para dinamizar internamen­te as pequenas empresas ou serão apenas para gastar em projectos que são ‘elefantes brancos’. Se a direcção do financiame­nto for essa, não se resolve nada”, aconselhou Laurinda Hoygaard. A professora diz que esses dinheiros que são pedidos lá fora, devem dar a noção de que “temos capacidade, que esse financiame­nto servirá para dinamizar a economia e não para pagar consultore­s e fazer investimen­tos que não têm retorno imediato”.

A concluir, a economista refere que o financiame­nto deve “fazer coisas que, na verdade, sirvam e dinamizem a economia no curto e médio prazos e se empregue a grande massa que está desemprega­da. Que não fique apenas por Luanda, que haja uma distribuiç­ão regional e sectorial adequada, mas, fundamenta­lmente, para acções que dinamizem o investimen­to nacional, não no pequeno comércio, e não criem grandes constrangi­mentos para o futuro.”

Pagamos os juros mais altos

O jornalista e economista Carlos Rosado avalia da seguinte maneira a reentrada de Angola nos mercados financeiro­s internacio­nais: “Não faço uma avaliação muito positiva. Nós pagamos os juros mais altos de países emergentes este ano. Pagamos 8,25 por cento a 10 anos e 9,375 a 30 anos. Por exemplo, o Quénia pagou 8,325, próximo ao nosso a 10 anos, o Egipto pagou 7,9 e a Nigéria 7,7 por cento. Portanto, nós temos uma taxa de juro bastante elevada, que representa juros anuais de 270 milhões de dólares.”

Carlos Rosado diz ser um acérrimo defensor do financiame­nto do Estado através dos mercados. “Portanto, sou absolutame­nte defensor desse sistema, que recorrermo­s a outros empréstimo­s, nomeadamen­te à China”, sustentou, ao alertar que “o momento para nós não é propriamen­te bom”. Nesse quadro, o economista defende que o programa com o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) envolvesse a componente financeira, já que, admitiu “provavelme­nte teríamos condições bem mais interessan­tes do que estas (actuais condições oferecidas pela Bolsa de Valores de Londres)”.

Carlos Rosado tem dúvidas em relação ao real estado de necessidad­es em que o país se encontra, mas, garantiu que “só um estado de necessidad­es muito grande justifica termos ido ao mercado e pagar essas taxas de juro praticamen­te altas, embora ligeiramen­te melhores do que as de 2015, quando pagamos em torno de 9,5 por cento”.

O que é necessário, sublinhou, “no meu ponto de vista é fazer rapidament­e o acordo com o FMI e começarmos a implementa­r medidas que, efectivame­nte, comecem a ter resultados”, já que as políticas que foram feitas até agora, aparenteme­nte não estão a dar resultado nenhum. Como exemplo, o jornalista citou o Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), que vai divulgar as Contas Nacionais de 2017, que revelam que houve uma redução em 2016 e projectam também uma redução em 2017, em que as condições económicas se apresentam piores do que aquelas que o Governo vinha dizendo.

Com o dinheiro garantido, Carlos Rosado aconselha que os recursos sejam direcciona­dos para investimen­tos e bons investimen­tos.

“Não é o investimen­to que andou a realizar nas estradas e em laboratóri­os ou nisto e naquilo que revelaram-se um fracasso”, realçou, ao mesmo tempo que indicou que o Governo deve selecciona­r bem os projectos, que projectos a selecciona­r e depois definir o “bom projecto de investimen­tos, de engenharia, de arquitectu­ra ou um projecto técnico e asseguramo­s uma boa fiscalizaç­ão e manutenção”.

“Só um estado de necessidad­es muito grande justifica termos ido ao mercado e pagar essas taxas de juro praticamen­te altas”

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EDIÇÕES NOVEMBRO Economista­s Carlos Rosado (esquerda) e Laurinda Hoygaard fazem avaliações sobre a emissão de “eurobonds” mais pessimista­s do que Rui Malaquias

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