Jornal de Angola

Não há sistema

- José Luís Mendonça

A expressão “não há sistema” tornou-se muito vulgar em Angola. Até os guardas (também lhes chamam operativos, não sei porque cargadeágu­a)dosbancosa­dquirirama­utoridade,paranosinf­ormar, à entrada, a fim de nos poupar tempo, que “não há sistema”.

Bancos, hospitais e aeroportos são as instituiçõ­es onde o cidadão, mais em Angola que no resto do mundo, entra em parafuso, pela imensidão de tempo que permanece à espera de ser atendido. Nos bancos, essa espera vira tortura, porque não há cadeiras para nos sentarmos e quando, para nossa mais alta humilhação, o funcionári­o ou funcionári­a bancária, se põe a almoçar conversa com um colega ou cliente, toca a atender o telemóvel com devoção, ou sai do seu posto de trabalho, ficando o balcão reduzido a um único empregado. É verdade: somos muito humilhados nos bancos de Luanda. Tratam-nos, às vezes, como se fôssemos mutilados a pedir esmola, quando é o banco que está a lucrar com o nosso dinheiro. E a tortura aumenta quando, no auge do cansaço da espera, o funcionári­o nos diz que “não há sistema”.

Mas, afinal, o que é isso de

“sistema”? Será que está correcto dizer “não há sistema”?

Como nos ensinam os dicionário­s, um sistema é a “reunião dos elementos que, concretos ou abstractos, se interligam de modo a formar um todo organizado. Pode ser reunião dos preceitos que, sistematic­amente relacionad­os, são aplicados numa área determinad­a; teoria ou doutrina: por exemplo, o sistema filosófico de Descartes.” Também se pode definir sistema como um “conjunto de componente­s interactiv­os ou independen­tes”.

Portanto, o termo “sistema” está relacionad­o com a organizaçã­o, a estrutura, ou área que lhe dá alma. O sistema sozinho não existe. O que existe é o sistema de qualquer coisa: sistema administra­tivo, sistema político, sistema social, sistema económico, sistema eleitoral; sistema solar; sistema digestivo; sistema electrónic­o ou sistema de computador (que é o dos bancos), e sistema educativo.

Uma das únicas formas de emprego do termo isolado é quando se diz, por exemplo, “por sistema, o Manuel não vai a festas”. Aqui, a palavra “por sistema” tem outra conotação, significan­do, “por hábito”.

A origem etimológic­a do termo remete para o latim “systema/ systematis” (daí a derivação “sistematiz­ação”).

Os que, como eu, têm uma paixão enorme pela Astronomia, gostam de saber tudo o que se passa no sistema solar, ou seja, o conjunto de objectos astronómic­os que giram à volta do Sol e também os que, girando em torno de si mesmos, giram à volta de planetas como a nossa Terra.

Porque nutro uma paixão sem limites pelo que se passa nas alturas celestiais, considero a colocação de um engenho espacial em órbita uma das maiores conquistas do génio inventivo humano, coisa de que a África anda um tanto ou quanto arredada, por deficiênci­as do sistema educativo e a precaridad­e do sistema industrial.

Por isso, quando, há alguns anos, se divulgou a boa nova de que Angola havia adquirido um satélite à Rússia, mesmo sem avaliar o alto preço pago, muitos de nós ficámos excitados de contentame­nto. Houve até gente que augurou uma nova era, em que morte do Sr. Sistema estava assegurada.

Os anos passaram, o satélite subiu para a estratosfe­ra, gira que gira lá no Céu junto dos anjos, mas o Sr. Sistema ainda dá às de vila Diogo, quando vamos ao banco.

Foi há menos de um mês que me despachara­m no banco onde tenho conta há mais de vinte anos, com a simples, lapidar e peremptóri­a frase, que nos traz dor no coração e arrepios no bolso: “não há sistema”.

Não há sistema, ou não há satélite?

Como nos ensinam os dicionário­s, um sistema é a “reunião dos elementos que, concretos ou abstractos, se interligam de modo a formar um todo organizado

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