O Maio de 1968 em França
Provavelmente o Maio de 1968 em França terá sido o último movimento utópico mobilizador de gente na história contemporânea da Europa
Há obviamente muita subjectividade nesta afirmação, mas quando se faz uma retrospectiva do que foram esses dias fervilhantes, onde havia uma avidez por fazer tudo que acontecia de diferente do que tinha sido até então.
A Europa vivia um período de relativa acalmia social e política, e a economia tinha adquirido uma estabilidade que ainda não se tinha observado no pós-guerra. Isso não conseguia esconder as contradições inerentes ao modelo capitalista prevalecente, nem à ideologia agregada ao convencionalismo burguês, assente em valores suportados por um ensino ainda fortemente matizado pela herança cristã.
A União Soviética que tinha sido uma esperança para muito cidadão da Europa, e para um conjunto de intelectuais, enleou-se pela “burocracia da ideologia” e deixou de ser apelativa substituindo-se o “realismo soviético” por Trotsky, Mao Tsé-Tung, Fidel de Castro, Che Guevara e outros contemporâneos da luta pela libertação.
O Maio de 1968 é o corolário de um tempo de contestação contra a guerra do Vietname, que tinha cada vez mais adesões a nível mundial particularmente nos EUA, e contra as ditaduras na América Latina e em Portugal e Espanha. Apoiava-se abertamente Cuba, a luta armada na América Latina e em África, a luta dos negros americanos pelos direitos cívicos e a Revolução Cultural na China (1966-1969).
Em simultâneo agudizavam-se as lutas estudantis na Alemanha (organizada em Berlim pela SDS- Sozialisticher Deutscher Studentbund, tendo o seu líder Rudi Dutschke sofrido um atentado em 11 de Abril de 1968). Em Berkeley nos EUA iniciou-se um rastilho de contestação por parte dos estudantes, que rapidamente alastrou um pouco por universidades em todos os Estados dos EUA. No Brasil a repressão contra os estudantes foi violenta, mas não atingiu as proporções de Tlatelolco no México, onde o exército é mobilizado para calar a contestação estudantil saldandose o balanço final em mais de 200 mortos, 500 feridos e 2000 pessoas presas.
Um pouco por todo o mundo germinava a contestação estudantil, e os estudantes assumiam então que era altura de apoiar as lutas dos trabalhadores, e apoiar as concepções políticas inovadoras que emergiam em vários locais, nomeadamente na China, onde só muito mais tarde chegaram as terríveis descrições de uma então idolatrada Revolução Cultural.
No Senegal afrontando a subserviência francesa de Senghor, e na procura de um ensino mais adequado à realidade africana, procuraram imitar os estudantes franceses, e através da UDES (União de Estudantes Senegaleses) que reagrupava os estudantes locais e a UED (união de Estudantes de Dakar, que aglomerava os estudantes de diferentes países africanos, fizeram um conjunto de manifestações fortemente reprimidas com muitas prisões de premeio e expulsão de centenas de estudantes do país.
Voltando a França, e ao já distante 1968 importa referir que tudo começou no dealbar de Maio na Universidade de Nanterre, uma escola de subúrbios onde a origem social dos estudantes era claramente diferente das universidades do centro de Paris, frequentadas pelos filhos da burguesia, ao tempo os únicos que tinham acesso ao ensino superior.
As reivindicações dos estudantes inicialmente eram de natureza corporativa, em que se pedia entre várias reformas o fim de que “as grandes disciplinas (Ciências, Direito, Medicina, Letras, Sociologia, etc.) eram ensinadas em faculdades separadas”; pediam-se universidades pluridisciplinares para favorecer as evoluções científicas que acontecem nas fronteiras das disciplinas”.
A realidade é que a repressão sobre os estudantes de Nanterre a 3 de Maio de 1968, acabou por despoletar uma irrupção social que chegou a colocar 10.000.000 de trabalhadores em França, incendiou a Bolsa de Paris, ocuparam-se escolas, universidades, teatros, fábricas, em suma tudo foi diferente naquela primavera de 1968.
O ensino foi contestado no seu todo e pretendeu-se questionar a utilidade social de um conhecimento abstracto, separado da prática.
O marxismo estava arredado do ensino superior nas Ciências Sociais e na Economia, e exigiu-se que passasse a ter uma prevalência maior em todo o ensino, de forma a tornar-se mais identificada com a luta dos trabalhadores, inicialmente desconfiados dos estudantes pela sua origem de classe, mas depois aliados nos propósitos de alterar a sociedade.
Os intelectuais participaram no movimento de Maio de 1968, principalmente nas conferências que se realizavam um pouco por todo o lado, aproveitando-se os lugares mais incríveis como velhos armazéns ao longo do Sena, ou os anfiteatros austeros de uma Sorbonne ocupada pelos estudantes. Charles Bettelheim, Lucian Goldmann, Louis Altusser, Henri Lefebvre, Henri Dennis,Jean Paul Sartre, Roger Garaudy, Simon de Beauvoir, e naturalmente Marcuse e Guy Debord, o anarquista que criou o “situacionismo”. Não esqueçamos Alain Krivine o trotskysta fundador da UEC, entre tantos outros.
Para além de Marx, recuperou-se Gramsci, o “livro Vermelho de Mao”, Nicos Poulantzas, Giap, Freud e emerge William Reich, trazendo a sexualidade e o prazer para o centro do debate político, tema tabu até então.
“O Maio de 1968 é o corolário de um tempo de contestação contra a guerra do Vietname, que tinha cada vez mais adesões a nível mundial”