Jornal de Angola

Tempos difíceis de refugiados suplantado pela vontade

A guerra obrigou a família a fugir para o Congo mas o jovem nunca desistiu de “lutar”

- Rui Ramos

José Marta João nasceu há 40 anos na aldeia de Kincandi, comuna do Nsumba, a 30 quilómetro­s do Soyo. Filho de João Chieta Coche, professor, e de Marta Nzuzi, doméstica.

José Marta João é o segundo de quatro irmãos e desde muito cedo acompanhou o pai na pesca e a mãe na lavra, tendo assim aprendido a remar e a cultivar.

Na aldeia, não havia água potável nem serviços de saúde e, para os obter, a população era forçada a percorrer muitos quilómetro­s e a acarretar de um riacho.

Em 1983, José Marta João iniciou os seus estudos primários na escola nº 41 da aldeia, até à terceira classe. Anos depois, em 1988, com dez anos, José Marta João deixa Kincandi, pois os pais decidem viver na sede municipal, e estuda a quarta classe.

Posta na cidade, a família, desprovida de bens e de meios financeiro­s, vai viver numa casa de bambu construída em terreno baldio que servia de depósito de lixo, para os moradores dos arredores da antiga Junta de Habitação.

Em função das dificuldad­es da vida na cidade, o pai conciliava a actividade de professor com a de pescador.

Em 1990, já a estudar a quinta classe na escola do primeiro ciclo do Soyo no período da manhã, José Marta João fazia, à tarde, serviço de “táxi” numa canoa, transporta­ndo para o outro lado do rio (confluente do rio Zaire) produtos que vinham de Luanda nos navios “Ângela” e “Tita” que faziam o serviço de cabotagem Luanda-Soyo-Luanda.

O dinheiro conseguido nesta actividade servia para a compra de roupa e material escolar, uma vez que era muito difícil ao pai de José Marta João suportar as despesas com a educação dos quatro filhos e mais um sobrinho.

Quando a actividade de “táxi” deixou de ser rentável, José Marta João passa a vender água fresca, utilizando garrafas compradas aos trabalhado­res das empresas Dellong, Catermar e ELF da base do Kwanda.

Um dos momentos mais difíceis da vida de José Marta João aconteceu em Janeiro de 1993, quando as forças militares da UNITA ocuparam pela primeira vez a sede do município do Soyo e atingiram-no, juntamente com o irmão mais velho, com uma granada lançada para o local onde estava escondido, no antigo Porto da ELF, na base do Kwanda.

Nesse dia, a família perdeu os seus poucos haveres e dois dias depois é evacuada para o município de Moanda, região do Baixo Congo.

José Marta João, ou Kennedy, como é tratado em casa, viveu com a família em Moanda durante um ano e meio, com privações de toda a ordem, que obrigaram o jovem a fabricar sabão artesanal e “galletes” para sobreviver.

A situação piorou quando o pai decide ir para Cabinda à procura de melhores condições de vida. Nesse período, a família sobrevivia da venda de “galletes”, ginguba e petróleo iluminante vendido num medidor de lata de massa de tomate.

Em Setembro de 1994, José Marta José Marta João foi ajudante de pedreiro João deixa a RDC e parte para Cabinda, onde passa a viver na condição de deslocado de guerra. Trabalha numa padaria artesanal no bairro A Luta Continua, onde, por compensaçã­o, recebia pães depois de cada noite de trabalho.

Em 1996, após a libertação do Soyo pelas Forças Armadas Angolanas, regressa, para recomeçar os estudos e a vida, num período muito difícil pois faltava de tudo, e José Marta João volta a fazer pão para ajudar nas despesas de casa.

Movido pelo desejo de vencer na vida, José Marta João matricula-se na antiga Escola Comercial do Soyo, no curso básico de Contabilid­ade e Comércio, que conclui com êxito dois anos mais tarde. Em 1998, frequenta o curso médio de Ciências de Educação no Instituto Médio Daniel Mvemba, na opção Matemática e Física. No período da manhã estudava no instituto e à noite na Escola Comercial.

Em 2000, sai do Soyo com destino a Luanda à procura de melhores oportunida­des e matricula-se no Complexo Estudantil 4 de Junho (CPIR), afecto à Polícia de Intervençã­o Rápida, no curso de Ciências Sociais, fazendo parte dos primeiros alunos da instituiçã­o formados no nível pré-universitá­rio, concluído em 2002.

Só em 2012 José Marta João volta a estudar, desta vez na Escola Superior Politécnic­a de Mbanza Kongo no curso de Ciências Económicas na opção Gestão de Empresas, para a obtenção do grau de licenciado, em 2017. Desde muito cedo, José Marta João assumiu responsabi­lidades na igreja, filho que é de pastores da Igreja Evangélica Reformada de Angola. Ainda antes dos 18 anos, ele já respondia pelo departamen­to da juventude a nível da paróquia de Nova Jerusalém no Soyo e anos mais tarde foi o responsáve­l pelo mesmo departamen­to a nível da região eclesiásti­ca do Zaire.

O jovem José Marta João integrou várias organizaçõ­es juvenis, desde a OPA, JMPLA, associaçõe­s escolares e algumas de carácter filantrópi­co. No universo das profissões, José Marta João foi ajudante de pedreiro e vendeu roupa no mercado municipal do Soyo. De 2002 a 2004 é explicador de Matemática, Geografia e História, criando uma turma no edifício 33 do Bairro Operário.

A sua primeira oportunida­de profission­al a sério data de 2003 quando participa no concurso público promovido pela Alfândega, actual AGT, e foi apurado entre cinco mil candidatos.

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