Estilo ziguezague
A desorganização urbanística que caracteriza Luanda, aliada à questão da toponímia, contribuem para nos sentirmos literalmente perdidos. Diariamente surgem bairros novos. Mais vezes do que se imagina largos e ruas cedem lugar a residências
Vais assim, “esquinas” ali e continuas sempre em frente. Depois curvas assim, andas mais um pouco até ao largo que tem uma árvore. É só entrares pelo beco pequeno. Atenção, não é aquele que vai dar ao imbondeiro. Também não entres no outro beco, vizinho da cantina do Mamadú. Quando chegares lá, se tiveres dúvidas, pede a alguém para te indicar o caminho para a “capracinha” do churrasco. De hipotética a explicação nada tem. É o protótipo da verdadeira toponímia luandense. Qualquer pessoa que já se perdeu terá recebido explicação similar. O gesticular substitui expressões tão simples como virar à esquerda ou à direita. Geralmente o zeloso “informador” torna-se íntimo da pessoa atordoada a quem trata por tu, como se de velhos conhecidos se tratassem. Interioriza a camaradagem ao ponto de se esquecer que o visitante pede explicações precisamente por estar em terreno desconhecido.
É assim em Luanda. A cidade onde os endereços têm pouquíssima serventia. Mapas e GPS perfazem, em grande parte dos casos, funcionalidades usadas para dar aquele ar de sofisticação, principalmente se o perdido for luandense. Há relatos de caminhantes incautos escorraçados por guardas armados e cães enraivecidos. Aqui o que bate mesmo é a informação acompanhada pela riqueza de detalhes que complicam ao invés de elucidar, principalmente as pessoas desprovidas de sentido de orientação.
Devido à natureza solícita do luandense, característica que alguns mal-intencionados confundem com laivos agudos de bisbilhotice, é frequente ocorrerem situações em que várias pessoas se prontificam a dar informações em simultâneo, num ambiente susceptível de desencadear ataques de pânico. Grande parte dos luandenses perdeu a capacidade de ler sinais. Parece haver um bloqueio mental que impede o entendimento de explicações. Deixamos de observar, de consultar pontos de referência e de acompanhar sequências numéricas para localizar endereços facilmente identificáveis. Sentimos dificuldades, em maior ou menor grau, para chegar aos lugares. À boa maneira angolana levamos tudo na desportiva. Optamos por “não ligar muito a isso”, porque temos problemas muitíssimo piores para resolver. Perder tempo em busca do destino situado a um passo de nós pode ser hilariante, mas também exasperante.
A desorganização urbanística que caracteriza Luanda, aliada à questão da toponímia, contribuem para nos sentirmos literalmente perdidos. Diariamente surgem bairros novos. Mais vezes do que se imagina largos e ruas cedem lugar a residências. Há carros que jamais sairão das garagens simplesmente porque a via de acesso ficou inacessível da noite para o dia. Tudo isso numa cidade onde, pelo menos em teoria, existe administração pública em vários escalões. O facto é que no dia a dia a ausência virtual das autoridades nos remete para um sistema de auto-gestão típico das cidades desgovernadas.
Existem casas construídas em terrenos legalizados oficialmente inseridas em ruas sem nome. Ruas sem nome, casas sem número e becos sem designação não deveriam ser associados ao endereço de ninguém.
Nesta cidade tudo é possível. Inclusive perpetuar-se o uso de nomes antigos para espaços que ganharam nova denominação. Por vezes as instituições dotadas de responsabilidade legal e moral para fazer cumprir a legislação demitiram-se das suas funções. Chegaram a descerrar placas que desafiam a lógica. O ex-Parque Herói de Chaves é apenas um de inúmeros exemplos. Numa altura em que se começa a discutir o advento das autarquias seria prudente colocar em agenda questões aparentemente irrelevantes, porém capazes de bloquear processos. Não podemos continuar a caminhar assim, seguir em frente, depois curvar naquela direcção para lá a frente voltar a perguntar. Uma cidade que aspira estar à altura do estatuto não pode ser eternamente descrita ao estilo ziguezague.