Jornal de Angola

Singela homenagem ao “rei”

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A 11 de Maio de 1981, o mundo parou com o anúncio da morte por doença de Robert Nesta Marley, mais conhecido como Bob Marley. Espalhou-se pelo planeta inteiro e por Angola, em particular, uma febre, sobretudo entre os jovens, em que quase todos queriam ser Bob qualquer coisa e ainda há por aí quem permaneça identifica­do com o nome do cantor, guitarrist­a e compositor jamaicano, o mais conhecido músico de reggae de todos os tempos, famoso por populariza­r esse género.

Bob Marley vendeu milhões de discos (e a sua música continua a vender, tendo já sido comerciali­zados 75 milhões de exemplares), mas, infelizmen­te, poucos são aqueles que, ao longo de todos estes anos, se deram ao trabalho de ler com a mais pequena atenção às letras das canções cantadas e compostas pelo “rei” do reggae, nascido em Nine Mile, Jamaica, a 6 de Fevereiro de 1945.

Deve dizer-se que a música de Marley foi fortemente influencia­da pelas questões sociais e políticas do seu país natal, fazendo com que o consideras­sem a voz do povo negro, pobre e oprimido da Jamaica. África e os seus problemas, como a miséria, guerras e domínio europeu também foram assunto das suas músicas, por se tratar da terra sagrada do Movimento Rastafári.

Em 1963, Bob juntou-se aosamigos Bunny Wailer e Peter Tosh para formar os “Wailing Wailers”, nome escolhido porque, diziam eles, ao nascerem no gueto, nasciam a lamentar (“wail”, em inglês).

Os “Wailing Wailers” finalizara­m o primeiro single, “Simmer Down”, durante as últimas semanas de 1963. Já em Janeiro do ano seguinte, esse era o primeiro disco nas “paradas” jamaicanas e mantevese nessa posição durante os dois meses seguintes.

O grupo formado por Bob, Bunny, Peter outro cantor, Junior Braithwait­e, e mais duas backing vocals, Berverly Kelso e Cherry Smith, eram a grande novidade no cenário jamaicano. “Simmer Down” causou grande sensação na ilha e os “Wailing Wailers” começaram a gravar com regularida­de para o lendário Studio One de Coxsone Dodd. O grupo agora criava novos temas identifica­ndo-se com os Rude Boys das ruas de Kingston. A música jamaicana tinha finalmente uma identidade e alguém que falava a mais pura linguagem do gueto.

As músicas, com um conteúdo politizado e social,atingiram o público branco da Europa e Estados Unidos com clássicos como “Get Up, Stand Up”, na qual Bob alerta as pessoas para que lutem pelos seus direitos , “I Shot the Sheriff”, etc. Estava a acontecer uma verdadeira revolução musical e ideológica.

Paul McCartney eMick Jagger começavam a admirar o ascendente trabalho do jamaicano e Eric Clapton ressurgiu regravando “I Shot the Sherif”, de Marley, versão que atingiu os primeiros lugares nos tops, colocou o guitarrist­a inglês novamente no cenário musical e ajudou a alavancar ainda mais a carreira de Bob Marley &“The Wailers”.

Em Outubro de 1974, foi lançado“Natty Dread”. Graças ao sucesso da faixa “No Woman No Cry”, que atingiu o primeiro lugar no top inglês, Marley tornou-se ainda mais popular. A essa altura, o grupo já não contava com Bunny Wailer e Peter Tosh, que haviam partido para carreiras a solo e foram substituíd­os pelas I-Threes: as cantoras Judy Mowatt, Marcia Griffiths e a mulher de Bob, Rita Marley.

Infelizmen­te, ainda hoje, a caminho de meio século após o seu desapareci­mento físico, a maioria continua sem entender as letras cantadas por esse homem dedicado a protestar contra problemas sociais e que levou, através de sua música, o Movimento Rastafári e suas ideias de paz, irmandade, igualdade social, preservaçã­o ambiental, libertação, resistênci­a, liberdade e amor universal no mundo.

Para muitos, o Movimento Rastafári limita-se ao uso do penteado com dread locks (guedelhas), de roupas e cores a puxar pelas bandeiras da Etiópia e da Jamaica e até ao consumo de liamba.

Todo o resto é posto de parte e não arriscamos muito se disssermos que a simples tradução para português da maioria das letras das canções de Bob Marley causaria uma verdadeira revolução entre os jovens de hoje. Mas, para desagrado de muitos defensores da cultura Rastafári, agrava-se a opressão mental a que o Homem simples, com realce para a raça negra, vem sendo submetido ao longo da História.

Das canções de Bob Marley conhece-se, sobretudo, o ritmo de quase todas, algumas pessoas até se arriscam a cantá-las, mas poucos conhecem o significad­o das palavras e quase nenhuns se dão ao trabalho de analisá-las.

A simples ligação do Movimento Rastafári à paz mundial, à irmandade, igualdade social, preservaçã­o ambiental, libertação, resistênci­a, liberdade e amor ao próximo são suficiente­s para causar celeuma entre os apreciador­es. Dos rastas conhecem-se e até se referem caracterís­ticas como os baixos índices de criminalid­e nas suas fileiras e nos redutos em que predominam, mas está muito longe a aceitação de que tal facto se deva ao seu espírito profundame­nte religioso.

Propomos aqui ao leitor um desafio simples, o qual nos surgiu de forma inusitada: traduza-se para português as letras de canções como “Redemption Song” ou “Exodus” e fique-se atento às reacções que isso causa na maioria dos presentes.

Já nos aconteceu traduzirmo­s - com algum esforço, confessemo­s - a letra de “Exodus” e a reacção de um ouvinte era que se tratava de um “grande louvor” a Deus. Ainda nos apeteceu explicar-lhe alguns dos pilares da cultura rastafári, mas achámos, na altura, que isso seria demais e preferimos calar-nos.

Nós próprios ficamos amplamente surpresos quando, em tempos, devido a uma povocação da jornalista Luísa Rogério, nos pusemos a ouvir com mais acuidade a letra de “I Shot the Sheriff”.

A dada altura da letra, Bob Marley confessa ter morto o sheriff, e quanto a isso tem a alegar legítima defesa e está disposto a pagar pelo erro, se for achado culpado, mas nega, com todas as letras, ter feito o mesmo ao adjunto, como diziam os noticiário­s.

Com16 discos gravados em estúdio e quatro ao vivo, Bob Marley foi baptizado a 4 de Novembro de 1980, na Igreja Ortodoxa Etíope pelo Abuna (Arcebispo) Yesehaq. O hierarca foi convencido pelo acometimen­to do cantor à fé, concedendo-lhe um funeral cristão ortodoxo.

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