Angola e França vão reforçar a cooperação na área das artes
Uma nova página se abre nas relações culturais entre Angola e a França, com a visita, a partir de hoje, do Chefe de Estado, João Lourenço, àquele país europeu. O conselheiro de Cooperação e de Acção Cultural da Embaixada francesa, Sébastien Vittet, declar
Em 1982, criaram-se as bases para o reforço da cooperação bilateral entre Angola e França, com a assinatura do Acordo Geral de Cooperação. Quais são os aspectos relevantes desse acordo? Os acordos sempre têm um preâmbulo que define o desejo dos países assinantes. O Acordo de 1982 estabelece relações de cooperação em vários domínios que visam fortalecer os laços de amizade, sendo recíproco. Ao longo do tempo, o acordo concluiu vários projectos, sendo as áreas da educação, cultura e ensino superior as bem sucedidas. O sector da Educação beneficia de bolsas para o Ensino Superior e Formação de Quadros e para o da Cultura quais são as linhas mestras? Em países em que não há centros culturais, existe a Aliança Francesa que beneficia de uma verba para promover diversas actividades, além de ministrar cursos de língua francesa. Cá, em Luanda, a Aliança Francesa adoptou novas formas de actuação, organizando eventos fora do centro da cidade e com dois ou três parceiros que intervêm no sector da Cultura, para que se atinjam outros públicos. Em 2017, houve cursos para engenheiros de som e para produtores culturais, temos um plano de actuarmos nas escola média de artes (Ceart) e na superior (Isart), e decidimos patrocinar a digressão do grupo Nvula, uma banda angolana de rock, levar para quatro países africanos, invertendo o que anteriormente fazíamos ao convidar grupos estrangeiros para actuarem em Luanda. Devo afirmar que as linhas mestras para o sector da Cultura, felizmente, só começam a ser definidas agora, cerca de dois meses, através de um trabalho conjunto com o Ministério da Cultura, que vai permitir formalizar, em breve, um acordo de cooperação mais específico e actuante nos domínios das artes, da cultura e do património. Em relação às bolsas para o Ensino Superior e Formação de Quadros, as mesmas são co-financiadas para licenciatura e pós-graduação? Em que áreas? As bolsas são atribuídas, geralmente, conforme as necessidades de Angola, definidas no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com apoio do Instituto Nacional de Bolsas de Estudos (INABE). No ano passado, o Ministério do Ensino Superior, conforme a necessidade de diversificar a economia de Angola, quis mandar bolsistas para Agricultura, outros há que foram para o ramo da Biologia, e, na maioria dos casos para o ramo da Engenharia Industrial. Já houve doutorados no ramo da Arqueologia e neste momento temos doutorandos em Agricultura, que irão depois leccionar no Istam, em Malanje, assim que for inaugurado, uma instituição em que a França teve um grande projecto para a sua criação e apetrechamento. Quais são as vossas metas anuais ou bianuais para o sector de Educação? Trata-se de um programa anual, cujo número de bolsistas é definido pelo Inabe. Neste sector, temos uma relação dinâmica com o Ministério da Educação, que nos permite apoiar a formação de professores de Francês através do BELFA (Bureu d’Etudes de la Langue Française en Angola). Fazemos parte de um acordo entre o Ministério da Educação, a empresa Total E&P Angola, a Missão Laica Francesa no desenvolvimento da rede das escolas Eiffel, sendo 4 escolas nas províncias do Cunene, Cuanza-Norte, Bengo e Malanje. Com a situação de crise financeira, alguns estudantes que concluíram a formação têm receio de regressar a Angola, nós aconselhamos e ajudamos abrindo portas para o primeiro emprego em empresas francesas e não só. As acções para o sector da Cultura não passam de entretenimento, são menos importantes comparando com as de outras áreas? Há dois meses que as coisas mudam de rumo, porque antes, além do Acordo Geral de Cooperação, nada havia que especificasse a cooperação para o sector da Cultura. Este ano, e no âmbito da visita do Presidente angolano, João Lourenço, vai ser assinado, posteriormente, já em Luanda, um Acordo Cultural que abre (define) metas sólidas para promoção das artes e desenvolvimento cultural. Esse acordo incide nas áreas da formação; amplo ensino das línguas nacionais; património cultural; investigação; direitos de autor e propriedade intelectual; cooperação entre escolas de artes e associações; intercâmbio de peritos; apoio à criatividade e ao empreendedorismo local; cooperação no domínio da edição (literatura), cinema e audiovisual; artes performativas (música, dança), entre outras. A língua é um factor que limita a implementação de programas ou projectos artísticos e culturais? De uma forma geral, não. Aliás, português e francês são línguas que provêm da mesma árvore genealógica, por isso, a língua não é uma barreira, é apenas, às vezes, uma fronteira que passamos ou ultrapassamos. Nunca nos sentimos impedidos de trazer para as nossas actividades um artista estrangeiro. Apenas no teatro poderia até ser uma barreira, mas tem peças bilingues. Além disso, as artes performativas ou dramáticas nem sempre precisam de um idioma específico, à semelhança do circo, pois, a linguagem corporal é universal. Para quando um centro cultural? Já expressámos a nossa vontade ao Governo de Angola, só que até agora o problema prende-se com a falta de um espaço. Não será um centro, mas sim pretendemos criar o Instituto Francês de Luanda, a nova nomenclatura que substitui o Centro Cultural Francês. Há uma vontade da nossa embaixada, que está em reflexão, talvez a opção será a recuperação de um dos espaços existentes, como o ex-Teatro Avenida, ou outra estrutura existente em Luanda. A França apoiou o processo da candidatura de Mbanza Kongo. Depois da classificação como Património Mundial, em Julho de2017,prometeuapoiarosector do turismo, economia, infraestruturas e formação profissionalemMbanzaKongo.Quando e o que farão de concreto para desenvolver essas áreas? Em primeiro lugar, é preciso felicitar as equipas angolanas neste processo concluído. Foi um caminho longo e um dossier na UNESCO que exige uma alta tecnicidade administrativa e política. Um projecto de cooperação que foi aceite no mês passado na França e estamos a ponto de assinar um acordo de cooperação nos domínios das artes, da cultura e do património entre a França e Angola. As nossas acções para Mbanza Kongo assentam em três componentes: promoção e encorajar as actividades de pesquisa com metas científicas destinadas para jovens estudantes; conservação e protecção dos elementos e processos culturais e naturais nas suas especificidades e, em terceiro, promoção de acções de desenvolvimento social e económico através do artesanato e da cultura tradicionais do antigo Reino do Kongo. Convém dizer que não são ideias da Cooperação Francesa, mas sim, são objectivos da parte angolana junto da UNESCO. Nós sentimo-nos felizes para começarmos juntos os primeiros passos depois da classificação. De que forma Mbanza Kongo - Património da Humanidade pode atrair turistas dos quatro cantos do mundo? Acho que a história do Reino do Kongo fala por si, mas é verdade que poucos a conhecem. O objectivo da nossa cooperação é justamente o de restaurar o interesse histórico de Mbanza Kongo para alertar do que foi e da necessidade de preservá-lo. A cidade sofreu nestes últimos anos uma evolução demográfica rápida, muita gente não tem conhecimento do valor histórico em termos de património e arqueologia. A juventude precisa de aprender para depois valorizar o seu próprio património, os jovens poderão dedicar-se um dia a empregos de turismo. Acho que temos um conjunto de possibilidades férteis para o desenvolvimento social e económico da região. O primeiro desafio com turistas, antes de atrair os internacionais, é de atrair os nacionais, oferecendo várias possibilidades de visitas culturais. Qual é o valor da verba que a França vai disponibilizar para os projectos em Mbanza Kongo? Temos um primeiro financiamento de 160 mil euros, parece pouco, mas muita coisa se desenvolve sem dinheiro, sobretudo com patrimónios imateriais. Existe uma empresa francesa que mostrou interesse em complementar esse valor. Por outro lado, o Ministério da Cultura francês virá, em Outubro, com duas organizações afectas à restauração e conservação de patrimónios. Acho que é apenas o início de várias possibilidades de uma cooperação a longo prazo. Trabalhar em Angola como diplomata na área da cultura é ou não difícil? O trabalho do diplomata é de interagir com outras partes e ajudar a construir um mundo melhor. A cultura pode até parecer uma roda extra no carro, mas, no fundo, a diplomacia cultural é o pilar principal que permite aos outros sectores construir-se. A diplomacia cultural é uma potência doce, ela renova, muitas vezes, o campo diplomático porque permite uma melhor compreensão das outras culturas, ajuda a fazer comparações que permitem alisar assuntos que a diplomacia clássica não consegue resolver. Quando essa diplomacia cultural não consegue agir, todos os outros sectores sofrem, acabam por ser vulneráveis. Portanto, é um desafio do dia-a-dia e tem muitos. Sébastian Vittet já trabalhou em Luanda, entre 2000 e 2004, na Alliance Française. Que comparação faz da produção artística e consumo actual, na capital do país, com a daquela altura? Conheci o kuduro quando trabalhava no Centro Cultural Francês na Guiné-Bissau. Eu era músico e a última música de um show que fizemos era um kuduro. O palco foi invadido. Quando cheguei a Angola, sendo músico, descobri um paraíso em termos de produção musical. A minha surpresa foi no Madagáscar, onde estive depois, ao ver um artista americano que fez uma música com a designação de kuduro. Hoje em dia, a música angolana é conhecida internacionalmente. Claro que Angola teve grandes meios financeiros, o que ajudou a produzir produtos culturais de alta qualidade.