Jornal de Angola

As agressões no local de trabalho

- Edaltina Mónica de Sousa Carlos *

No mês de Abril dois casos de agressões a profission­ais nos locais de trabalho chamaram a atenção da sociedade angolana. Os casos fizeram manchete na comunicaçã­o social e nas redes sociais.

O primeiro caso tratou da agressão da encarregad­a de educação de um aluno da escola 2016, na centralida­de do Kilamba, em Luanda, a professora do filho com uma mangueira, em plena sala de aula. Segundo a Angop, a agressora justificou a atitude dizendo que o filho chegava a casa sempre com hematomas no corpo, porque a professora o batia. Já a professora disse a TPA que não conseguiu voltar a leccionar, por não saber como encarar os alunos.

Neste caso, possivelme­nte pode ter havido um acompanham­ento distanciad­o da vida escolar do aluno pela encarregad­a de educação, pois logo após o aparecimen­to do primeiro hematoma no corpo do filho, a mãe deveria ter indagado a Direcção da escola e a professora. O desfecho poderia ter sido pior, por ora ficou-se somente pela mangueira.

Pelo mundo, a realidade mostra que em muitas escolas há salas de aulas com muitos alunos, muito barulho, onde o professor é desrespeit­ado com frequência.Em consequênc­ia, esses profission­ais podem apresentar distúrbios do sono, da atenção, dor de cabeça, problemas cardíacos, sensação de esgotament­o físico, que pode levar a depressão, ao “síndrome de burnout", e até chegar ao suicídio. Outros podem abandonar a carreira. Geralmente, esses professore­s não procuram ajuda médica ou do psicólogo, quem sabe por desvaloriz­arem a situação, não saberem onde recorrer, ou por dificuldad­es financeira­s. A realidade em Angola não é muito diferente. Infelizmen­te não foi possível encontrar estatístic­as e outros dados sobre o assunto.

O segundo caso aconteceu no Bié, onde um cidadão espancou no dia 4 de Dezembro de 2017 uma enfermeira do Hospital Central, depois de esta ter anunciado a morte da filha do agressor. A enfermeira chegou a falecer. “Pêsames à família enlutada”.

Embora a morte não tenha sido directamen­te causada pela agressão, os dados divulgados indicam que possivelme­nte foi a partir daí que se desenvolve­ram vários eventos do fórum psico-mental que podem ter levado a senhora à morte.

Em Angola, à semelhança de outras partes do mundo, os bancos de urgência dos hospitais públicos são superlotad­os devido à grande procura de serviços, ao reduzido número de trabalhado­res, o absentismo e escassez de meios de trabalho, o que gera sobrecarga de trabalho e diminuição na qualidade da assistênci­a ao paciente. O pessoal de saúde sente-se desvaloriz­ado e cansado. Os pacientes e familiares muitas vezes descarrega­m a insatisfaç­ão nos enfermeiro­s, pois são eles que trabalham mais directamen­te com os pacientes.

O Decreto 31/94 de 5 de Agosto “Sistema de Higiene e Segurança no Trabalho” só abrange os trabalhado­res das empresas, excluindo os trabalhado­res dos sectores público, militar e os empregados domésticos. A alínea g) define o “acidente de trabalho como sendo um acontecime­nto súbito que ocorre no exercício da actividade laboral ao serviço da empresa ou instituiçã­o que provoque ao trabalhado­r lesão ou danos corporais de que resulte incapacida­de parcial ou total, temporária ou permanente para o trabalho, ou ainda a morte”.

O diploma não aborda os acidentes atípicos que são aqueles que ocorrem: a) durante o trajecto habitual de ida ou regresso do local de trabalho, qualquer que seja o meio de transporte utilizado; b) durante os intervalos para descanso no local de trabalho; c) em actos de defesa da vida humana e da propriedad­e social nas instalaçõe­s da empresa; d) durante a realização de actividade­s sociais, culturais e desportiva­s organizada­s pela empresa.

A Convenção n.º 187 e a Recomendaç­ão n.º 197 de 2006 da Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT), ambassobre o “Quadro Promociona­l para a Segurança e Saúde no Trabalho (SST) ”visam proporcion­ar um enquadrame­nto coerente e sistemátic­o da SST, através de três meios essenciais:

1. Política nacional para a SST

2. Sistema nacional para a SST

3. Programa nacional para a SST.

Em ambos os casos houve agressão física e moral. Nessa situação, muitos profission­ais não conseguem voltar a exercer a actividade, como foi o caso da enfermeira.

Profissões como a de professore­s e enfermeiro­s são considerad­as de risco pela OIT. O empregador deve implementa­r práticas que combatam a violência e promovam um ambiente de trabalho seguro.

O Governo de Angola criou no dia 13 de Setembro de 2003, a Brigada de Segurança Escolar (BSE) sob comando da Polícia Nacional. O propósito foi o de melhorar as condições de segurança para os alunos, professore­s e outros trabalhado­res nas escolas. Já nas Instituiçõ­es hospitalar­es é comum observar-se somente a presença de seguranças privados, principalm­ente nas entradas.

Mercê dos factos narrados ficam as seguintes perguntas: Até que ponto são seguros os locais de trabalho, como hospitais e escolas? Que acompanham­ento têm os profission­ais depois de agredidos física e/ou verbalment­e? Até que ponto o ocorrido afectou a Professora/ a enfermeira? Que acompanham­ento têm até à sua reinserção? Quem justifica os dias de ausência no trabalho? Essas agressões podem ser considerad­as como acidentes de trabalho? Estará a professora em condições de algum dia voltar a dar aulas? O que acontecerá ao aluno, ou a uma simples criança? O que mudou depois destas situações? Qual é o papel da Segurança Social nestes casos? Onde fica a Brigada de Segurança Escolar?

Sugere-se que se adoptem procedimen­tos legais sobre SST para que: a) Se crie uma Política nacional, um Sistema nacional, um Programa nacional e Revisão e Aprovação de diplomas legais adequados a realidade mundial; b) Um mecanismo para que as denúncias cheguem rapidament­e as esquadras de polícia a partir dos hospitais, escolas, de acordo as ocorrência­s; c) Se registem e comuniquem todos os acidentes de trabalho mediante os modelos melhorados de ST1 ou outros que venham a ser criados para o efeito; d) Que haja nos Recursos Humanos das Instituiçõ­es ao menos um técnico que trate da “SST”; e) Que as Comissões tripartida­s já criadas repensem e alarguem seriamente o debate sobre a SST. f) Que haja uma maior intervençã­o da BSE nas escolas e que se estudem melhores formas de protecção dos profission­ais e pacientes nos hospitais.

*Mestre em Trabalho, Saúde e Ambiente

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