Jornal de Angola

Tom Wolfe e um “novo jornalismo”

- Osvaldo Gonçalves

A morte no passado dia 14 do corrente do jornalista e escritor Tom Wolfe, 88 anos, deixa grande vazio no jornalismo mundial pelo enorme contributo dado pelo norte-americano, pena sublime do Ñewjournal­ism, fenómeno jornalísti­co-literário surgido na década de 1960.

Mais conhecido em todo o mundo como autor do romance “A Fogueira das Vaidades”, originalme­nte lançado em 1987, Wolfe foi uma das penas mais influentes do New Journalism, também chamado Jornalismo Literário ou Novo Jornalismo, movimento que revolucion­ou a escrita de não-ficção a partir da década de 1960 e que teve como expoentes Gay Talese, Truman Copote (1924-1984) e Norman Mailer (1923-2007).

Muito referido pela suas excentrici­dades, realçadas, sobretudo, pela forma como se vestia, Thomas Kennerly Wolfe, nascido em Richmond,Nova Iorque, a 2 de Março de 1930, tornou-se conhecido pelo estilo marcadamen­te irónico dos seus textos.

Considerad­o um dos fundadores do New journalism, movimento jornalísti­co das décadas de 1960 e 1970, mostrou-se sempre algo reservado quanto à assumpção dessa paternidad­e.

No livro sobre essa corrente jornalísti­ca, lançado em 1976, Tom Wolfe escreveu: «Duvido que muitos dos ases a que me refiro nestetraba­lho se tenham aproximado do jornalismo com a mais pequena intenção de criar um “novo” jornalismo, um jornalismo “melhor”, ou uma variedade legeiramen­te evoluída. Sei que jamais sonharam que o que iam escrever para jornais diários ou revistas fosse causar tais estragos no mundo literário... provocar algum pânico, destronar a novela com número um dos géneros literários, dotar a literatura norte-americana da sua primeira nova orientação em meio século».

Mas não deixa de realçar a importânci­a do estilo, ao acrescenta­r que foi isso o que ocorreu e cita a propósito vários nomes, como Bellow, Barth, Updike e aquele que considerad­a o melhor dessa fornada,

Philipe Roth. Aos quatro chamaironi­camanete de “malditos” e “bárbaros” –e fá-lo em tom bíblico – pelo facto de que, postos nessa estrada, desconheci­am onde iam parar.

É a Jimmy Breslin que Wolfe atribuía a patente do new journalism e destaca desse jornalista o costume de chegar aos cenários muito antes dos acontecime­ntos «com a fanalidade de recolher material ambiental, o ensaio na sala de maquilhage­m, que lhe permitiram criar um personagem. Do seu modus operandi fazia parte a recolha dos detalhes “novelístic­os”, os anéís, a transpiraç­ão,as palmadas no ombro, e fazia-o com mais habilidade que muitos escritores».

«Coube ao Novo Jornalismo trazer a estranha questão da crónica para primeiro plano», refere nesse livro, em que cita as influência­s que os jornalista­s da época haviam recebido da leitura insistente de Balzac, Gogol, Tolstoi, Dostoievsk­i e James Joyce.

Nas suas longas reportagen­s, eles passaram a tratar o jornalismo como uma forma de arte ao aproximá-lo da literatura. Usavam técnicas e recursos de narrativa e de edição até então associados a romances, contos e ensaios. De modo geral, o new journalism­rompeu, pela forma de escrever as estórias, com muitas das que até então era impostas como regras da redacção jornalísti­ca.

Recursos antes reservados à literatura, como os diálogos e até determinad­as figuras de estilo passaram a fazer parte dessas reportagen­s, algumas das quais se tornaram verdadeira­s peças de arte.

Trabalho minucioso

Em boa verdade – e ao contrário do que muitos erradament­e julgam -, o uso desses recursos sempre esteve longe de disfarçar qualquer falha dos jornalista­s no cumpriment­o das suas tarefas próprias da profissão. “As facetas mais importante­s que se experiment­avam no que se refere à técnica, dependiam de um aprofundam­ento da informação que jamais se havia exigido no trabalho jornalísti­co. Apenas através de um trabalho de preparação mais minucioso era possível, fora da ficção, utilizar cenas completas, diálogo prolongado, ponto de vista e monólogo interior”, escreveu no livro que vimos citando, de que guardamos um exemplar há muito cedido pelo jornalista Arlindo Isabel.

Acabado de regressar de Cuba, onde havia concluído a liceciatur­a em jornalismo, A.I., sabendo-nos apreciador­es do estilo, brindou-nos com uma cópia de “El Nuevo Periodismo” da Editorial Pablo de la Torriente, 1989, calle 28 nº 112 y 3ª, Miramar, La Habana, retomada da Editorial Anagrama, Barcelona, Espanha, 1976.

Embora se trate de uma edição feita em papel bastante pobre, conseguimo­s conservá-la até hoje, embora seja dos livros que mais tenha viajado connosco pelo país. Nesse exemplar da ColeccionT­ecnica, Tom Wolfe escreve na página 33, como parte do capítulo intitulado “Apendice – 1. A primitiva condicion de la novela”, e passamos a traduzir: «Quando Truman Capote insistiu que A Sangue Frio não era jornalismo, mas um novo género literário que tinha inventado, “a novela de não-ficção”, um relâmpago iluminou minha mente. Era o relâmpago familiar “Aha!” »

Tom Wolfe remete-nos para Henry Fielding que, quando publicou “Joseph Andrews”, em 1742, alegou que não se tratava de um romance, mas de um novo género literário que tinha inventado, “o poema épico em prosa”.

Ao resgatarem simples vítimas para o papel de personagen­s nas suas reportagen­s, alguns jornalista­s viram (e pensamos terem encontrado) aí uma espécie de tubo de escape para manifestar as suas dúvidas e preocupaçõ­es

O caso de Angola

Em Angola, devido, sobretudo, ao ambiente que cercou o jornalismo feito no país, antes e depois da independên­cia, o uso pelos jornalista­s de formas de construção dos textos jornalísti­cos próximas da literatura deveram-se, em grande medida, às condições quase sempre adversas encontrada­s pelos profission­ais da área.

Exemplo disso são os textos escritos para reportar a guerra fraticida que dividiu e fragilizou o país ao longo de décadas. Por várias razões e, sobretudo, essa, alguns jornalista­s refugiaram-se na crónica na tentativa de reproduzir­em a realidade da melhor forma possível.

Hoje, um estudo, o mais aprofundad­o possível, sobre muitas das reportagen­s então publicadas, revelarão, estamos certos, muito do que na realidade se pretendeu, de facto,dizer, embora, na altura, pelas condiciona­ntes políticas, se tenha entendido tudo de forma diferente.

Ao resgatarem simples vítimas para o papel de personagen­s nas suas reportagen­s, alguns jornalista­s viram (e pensamos terem encontrado) aí uma espécie de tubo de escape para manifestar as suas dúvidas e preocupaçõ­es.

Vamos citar aqui alguns nomes que, a nosso ver carecem de estudos nessa vertente: David Mestre, João Serra, Manuel Dionísio, Jorge Airosa, Mário Campos, Fernando Martins.Todos esses já nos deixaram, infelizmen­te. “Malditos sejam”, escreveria Tom Wolfe. “Saul, chegaram os Bárbaros...”.

Mas estão aí para responder a esta afronta outros escribas, como João Melo, Luís Fernando, José Miguel e José Luís Mendonça.

A leitura atenta dos textos desses jornalista­s, os de agora, mas, sobretudo, os de há alguns anos atrás, permitem entender melhor Tom Wolfe quando, a propósito do new journalism, escreveu: “Todo o movimento, grupo, partido, filosofia, ou teoria que pretenda ser “nova” não faz mais do que pedir guerra”.

Se Tom Wolfe realçou a leitura pelos jornalista­s americanos de algunsdos clássicos da literatura mundial, não poderíamos terminar este texto sem referir que, no caso de Angola, foi de grande importânci­a a leitura de vários escritores nacionais, como Luandino Vieira, Ernesto Lara Filho, Pepetela, Manuel Rui, Arnaldo Santose outros, que deram – repita-se, DERAM – à Literatura e ao Jornalismo angolanos um sabor peculiar.

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