Divergências entre camionistas adiam o fim da greve no Brasil
Autoridades responsabilizam “grupos de infiltrados” de quererem derrubar o Governo com as acções de protesto
Divergências entre os diversos representantes dos caministas e a demora na retomada do abastecimento mantinham ontem o Brasil mergulhado na incerteza, no nono dia da greve do sector.
O presidente da Associação Brasileira dos Camionistas (Abcam), José da Fonseca Lopes, que havia rejeitado as primeiras concessões do Governo, disse estar satisfeito com as medidas anunciadas no domingo pelo Presidente Michel Temer e declarou que os actuais bloqueios têm uma agenda política.
“Não são mais os camionistas que estão em greve. Há um grupo muito forte (...) de pessoas que querem derrubar o Governo. Não tenho nada a ver com estas pessoas, e também não com os caministas autónomos”.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), na segunda-feira permaneciam 556 bloqueios de estradas em 24 dos 27 estados do país, sobretudo nos estados do sul e sudeste.
“Alguns caministas continuam parados por falta de comunicação, mas não há mais motivos para se continuar com a greve”, declarara o presidente da União Nacional dos Camionistas, José Araújo Silva, à comunicação social brasileira, citada pela AFP e AP.
A greve contra o aumento dos preços dos combustíveis teve um impacto em todos os sectores da economia: fornecimento de combustíveis e de alimentos, de medicamentos para os hospitais e de rações para a produção bovina e aviária, onde morreram milhões de aves nos últimos dias.
Pelo menos cinco aeroportos cancelaram voos na segunda-feira. Em São Paulo a frota de autocarros funcionou com 70 por cento da sua capacidade e no Rio, com 45 por cento.
Nos postos de gasolina reabastecidos havia filas quilométricas de automóveis.
A Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) estimou que por causa da paralisação houve um prejuízo de 1 bilhão de dólares nas exportações.
O Presidente Michel Temer anunciou no domingo uma redução de 46 centavos por litro de diesel durante 60 dias, junto a outras medidas negociadas com os sindicatos. No entanto, isso não foi suficiente para acabar com o movimento.
“A nossa vocação é do diálogo, da conciliação e do ajuste, que é o que fizemos nesta semana. E eu tenho absoluta convicção de que em um ou dois dias essa greve deve cessar”, escreveu Temer na sua conta no Twitter.
Mas em diversos bloqueios os grevistas criticavam o Governo e a corrupção na política, e defendiam uma “intervenção militar”.
“Cansamos deste país corrupto. Se mais pessoas forem para as ruas é certo que este Governo cai”, disse um vendedor de eletrodomésticos de 45 anos que foi apoiar os caministas estacionados diante da Reduc, em Duque de Caxias.
Falta de rumo
O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que a crise “expressa o malestar profundo” com a “falta de rumo” do Brasil e que a paralisação dos caministas não é uma questão só da classe.
“Ela está a expressar um mal-estar que a gente não sabe o que é. É um mal-estar profundo entre o que poderia ser e o que é. Falta rumo ao Brasil”, disse FHC, num evento comemorativo de 20 anos de OSs (Organizações Sociais), em São Paulo.
Segundo o ex-Presidente, embora no Governo actual a taxa de juros e de desemprego tenham caído, o índice de popularidade do Presidente Michel Temer (MDB) “caiu mais do que tudo”.
“Não adianta fazer. Há uma falta de crença. É preciso reinventar a crença na democracia e na capacidade que os governos terão de entregar resultados”, afirmou.
Para ele, a democracia representativa no Brasil está em crise.
“Temos várias crises simultaneamente, sobretudo a última, que é a descoberta das bases pobres sobre o financiamento das campanhas políticas que provocaram reação de repulsa na sociedade”.
Segundo Fernando Henrique Cardoso, a corrupção e a violência são hoje o “cupim da democracia”. “A violência está por toda a parte. Você está na praia [no Rio] e ao fundo está ouvindo [o som] do fuzil. Os grupos de bandidos organizados tomaram conta, penetraram no aparelho do Estado”.
Para ele, a sociedade precisa reagir contra isso. “Precisamos de autoridade sem autoritarismo, respeito. Alguém que tenha capacidade de se impor, não porque vai botar força. A força tem que estar sempre ao lado, o melhor é não precisar usála porque se tem o respeito”.
Na opinião de FHC, porém, não há razão para perder a esperança no país. “Nós fizemos muitas coisas. Vamos jogar no ar, deixar que o caos tome conta disso aqui? Não. Vamos construtivamente levar o Brasil [para frente]. Sem ter ideias malucas, sem reinventar a roda. Não podemos deixar que isso vire caos nem que vire violência”, afirmou.
A greve contra o aumento dos combustíveis teve impacto em todos os sectores da economia, como o fornecimento de combustíveis e de alimentos e medicamentos para os hospitais