“Estamos preparados para vencer o combate contra a corrupção”
Na sua entrevista em exclusivo à Euronews, o Presidente da República, João Lourenço, explicou à Euronews a sua visão para o país que tenta sair de uma grave crise económica. Uma conversa sem tabus com o Chefe de Estado que garantiu uma transição de poder
Porquê França para a sua primeira visita de Estado à Europa?
Porque a França é um país importante para Angola. Nós entendemos, com esta visita, procurar reforçar os laços de amizade que são históricos com este país. Daí a razão de nos encontrarmos aqui. E correspondeu às nossas expectativas, fomos muito bem recebidos, ao mais alto nível, pelo Presidente Emmanuel Macron, com quem tivemos um almoço de trabalho que consideramos ter sido bastante frutífero tanto para Angola como para a França. Abordámos as questões fundamentais das relações bilaterais, questões políticas, de diplomacia, obviamente questões que têm a ver, sobretudo, com a cooperação económica. Tivemos a oportunidade de interagir com empresários franceses. Inicialmente estavam previstos cerca de 80, mas acabaram por ser, e ficámos surpreendidos, cerca de 150, ávidos em saber da nova situação que Angola vive, do novo ambiente de negócios que estamos a criar no país.
Justamente, em termos económicos, que medidas tomou e que medidas tenciona tomar para incentivar o investimento em Angola?
Nós acabámos de aprovar uma nova Lei do Investimento Privado, que consideramos ser mais atractiva. O investidor privado estrangeiro já não tem a obrigação de se juntar a nenhum empresário nacional. Faz se assim o entender. Em termos de vistos para os homens de negócios irem a Angola, criámos um quadro de grande facilitação e, para alguns casos, um modelo de isenção de vistos, incluindo em passaportes ordinários. Por outro lado, havia, e ainda há, para ser sincero – porque não posso considerar que já vencemos esta batalha, continuamos a lutar – estamos muito empenhados em afastar um grande impedimento para os negócios em Angola, que é o chamado fenómeno da corrupção. Portanto, isto é uma luta que é difícil, que vai levar algum tempo, mas estamos preparados para enfrentar esse gigante problema da corrupção e temos a certeza que vamos vencer.
Recentemente, a Human Rights Watch escreveu uma carta aberta a pedir que melhorasse alguns aspectos de violação dos direitos humanos. Vai trabalhar nisso?
Estamos a trabalhar no sentido de que isso não aconteça. Nos oito meses da minha governação, não sei se existem casos. (...) Estarei atento para que isso não aconteça.
A impunidade tem os dias contados? Foi uma das frases na sua tomada de posse.
Com certeza que tem os dias contados. Portanto, a Justiça está, digamos, a adaptar-se ao novo quadro. E quem combate a corrupção não são só os políticos, eles fazem a parte deles, a própria sociedade deve e está a fazer a sua parte, com denúncias e outro tipo de reacções contra a corrupção e, obviamente, a Justiça é a ponta final desta cadeia de forças que tem a missão de combater a corrupção.
A impunidade tem os dias contados, mesmo para o ex-vicepresidente Manuel Vicente, cujo processo foi transferido para Luanda? Obviamente no quadro da presunção de inocência...
Sim, mesmo para ele, embora, digamos a verdade – existe a promessa da remissão para Angola. Efectivamente, isso ainda não aconteceu. Angola continua a aguardar que as autoridades portuguesas enviem o processo para Angola e, naturalmente, quando o recebermos daremos o devido tratamento. Portanto, eu dizia, na primeira grande entrevista, no início do corrente ano, que não pretendemos lavar a imagem do engenheiro Manuel Vicente, se é que ela está suja. Portanto, a acusação de que ele praticou um crime, tem a presunção de inocência. Mal recebamos o processo de Portugal, as entidades competentes da Justiça vão prosseguir com o processo.
No seu discurso de tomada de posse, não só ignorou Portugal como deixou o país de fora dos “importantes parceiros” a que Angola “dará primazia”. Como estão as relações entre Luanda e Lisboa?
Bom, em primeiro lugar quero dizer que não ignorei ninguém. Portanto, há países que eu não citei, não era possível citar todos. Há países com quem temos relações muito próximas de há muitos anos, foi por mero acaso. Não houve nenhuma intenção deliberada, posso citar o caso de Cuba, por exemplo, cujos filhos verteram o seu sangue em Angola, e não me recordo, nessa minha intervenção, de ter colocado Cuba entre os países com quem pretendemos ter uma parceria estratégica. Como vão as relações com Portugal? Vão bem, estamos ansiosos em receber o primeiro-ministro, António Costa, em Luanda. A nível dos ministros das Relações Exteriores, estão a acertar datas e isso vai acontecer.
Mas essa omissão aconteceu no contexto do caso Manuel Vicente e terá tido, certamente, uma interpretação de que as relações não estariam assim muito bem.
Sim, as pessoas têm essa liberdade de fazer a interpretação que entenderem. Mas eu estou a dizer que, em principio, não foi intencional e veremos daqui para a frente o que vai acontecer. Acho que só vão acontecer coisas boas.
Tem algum projecto para reforçar a cooperação entre os países lusófonos, a CPLP. Ou é a francofonia que lhe interessa?
Interessam todas. Interessa, em primeiro lugar, a CPLP, da qual somos membros naturais, genuínos, se me permite a expressão. E começa a interessar-nos também a francofonia que, por enquanto, é apenas uma mera intenção. Falámos no Palácio do Eliseu sobre esta possibilidade – quer eu, quer o Presidente Emmanuel Macron. Diria que as duas são importantes, uma mais importante do que outra, neste caso a CPLP. Mas no que diz respeito à francofonia é preciso que se entenda que, a exemplo do que se passa com Moçambique, que está ali encravado em países anglófonos, tem o Malawi, a Tanzânia, a própria África do Sul, e acabou por aderir à própria Commonwealth, também Angola está cercada, não por países lusófonos, mas por países francófonos e anglófonos. Portanto, não se admirem que estejamos a pensar em pedir agora a adesão à francofonia e daqui a uns dias estejamos também a pedir adesão à Commonwealth.
E porque não Portugal ser a porta de entrada na União Europeia e ser França?
Bom, não sei quem disse que será França. O simples facto de eu estar a fazer uma visita a França, não quer dizer que será França a porta de entrada.
Foi falado na comunicação social que gostaria que a França fosse a porta de entrada na União Europeia.
Por mim? Não, de certeza. Falei no interesse em estabelecer uma parceria estratégica com a França, mas a parceria estratégica, ninguém tem exclusividade disso, não se estabelece apenas com um país. Temos
“Não pretendemos lavar a imagem do engenheiro Manuel Vicente, se é que ela está suja. Portanto, a acusação de que ele praticou um crime, tem a presunção de inocência”
a liberdade de estabelecer com tantos países quantos nós quisermos. Portanto, eu não disse em momento nenhum, nem em público, nem em privado, que pretendia que fosse a França a porta de entrada para a União Europeia.
Muitos angolanos anseiam por reformas, existem graves problemas especialmente nos sectores da saúde, a pobreza, entre 20 e 30 por cento dos angolanos vivenapobrezaextremaháanos. Quando é que os angolanos vão começar a sentir mudanças?
Ninguém está em condições de estabelecer uma data. Isso já está a acontecer, no fundo. Pouco a pouco vem acontecendo. Nós pretendemos diversificar a nossa economia, precisamente, para que o país
tenha mais recursos para investir em outros sectores, sobretudo na área social, educação, saúde e noutras áreas, na habitação e que se consiga uma maior oferta de emprego e, muito em particular, para os jovens. A agricultura é uma das suas grandes apostas. Porquê? João Lourenço, Presidente de Angola: Em África, não apostar na agricultura é um erro crasso. África tem condições óptimas para o desenvolvimento da agricultura. A agricultura é um ramo da economia que dá bastante emprego. Portanto, temos a necessidade da agricultura para matar a fome, por um lado, e reduzir os índices de miséria, que infelizmente ainda existem. Temos que ser francos. E também para que seja uma fonte de produtos de exportação, como forma de diversificar a economia. Portanto, não se produzem divisas apenas com a venda de petróleo, é também com a venda de outros produtos, incluindo os do campo. Os países mais desenvolvidos do mundo investem muito em agricultura e nós, por maioria de razão, deveríamos investir mais na agricultura, mais do que eles. O senhor é muito popular em Angola, mas existe também muito cepticismo. O senhor Presidente surpreendeu em mexer em certos interesses instalados. Por exemplo, afastou de sectores-chave membros da família do anterior Presidente, José Eduardo dos Santos. É apenas uma mudança de cadeiras ou vamos ter reformas profundas e uma mudança de atitude? Não é uma mera dança de cadeiras, nós mexemos nos quadros sempre na esperança de alcançar melhores resultados. Eu não mexi nos filhos de um ex-Presidente, mexi em cidadãos angolanos. São cidadãos angolanos, que estão sujeitos, tanto como os outros, às mesmas regras. Nesses oito meses não foram exoneradas apenas duas pessoas. Foram exoneradas um conjunto de pessoas e seria injusto nós nos preocuparmos apenas com duas pessoas. Portanto, essas duas não estão acima da lei, perante outro tipo de valores, acima dos outros cidadãos, que também tiveram a mesma sorte, que também foram exonerados. Na Sonangol, nós acabamos por assinar alguns contratos com a Total, em Paris – apenas para citar este exemplo, os contratos que foram assinados com a Total, mas não só – e dizer que na indústria petrolífera em Angola, de Novembro para cá, o clima melhorou bastante e fez com que a Total e outras petrolíferas se disponibilizassem a fazer grandes investimentos em Angola, coisa que não acontecia no passado recente. Portanto, creio que vamos dar tempo ao tempo e veremos que as mudanças foram feitas no momento devido e não estou arrependido, porque as coisas vão melhorar. Qual é a sua visão para África, oportunidades e desafios? Eu ainda estou recordado do tempo em que, quando nós falávamos da China, e de uma forma geral, de uma boa parte dos países asiáticos - com excepção do Japão - a figura que nos vinha à cabeça era a figura de um homem num arrozal com uma charrua puxada a búfalos, a trabalhar. Hoje, o que é a República Popular da China? Eles conseguiram sair, em poucas décadas, da condição de não terem um tractor pequenito - o tractor era o búfalo - e hoje são, digamos, o tractor do mundo. Portanto, se a República Popular da China não fosse a grande República Popular da China que é hoje, com certeza que o desfecho não teria sido esse. Isso para dizer que o “afropessimismo” não tem razão de existir. Por muito em baixo que nós africanos estejamos, temos sempre o direito e a obrigação de sonhar alto enquanto africanos.