A imprevisibilidade de Trump e o contrapeso da União Europeia
A imprevisibilidade do Presidente Trump, um gesto a boa maneira maquiavélica, mas eventualmente desfasada hoje em dia quando inclusive o "check-up" médico do inquilino da Casa Branca acaba por ser do domínio público, põe em causa o Direito Internacional, afecta a credibilidade dos Estados Unidos e a aliena os seus aliados.
A União Europeia encontra-se hoje de mãos atadas para fazer sobreviver o Acordo Nuclear com o Irão, assinado em 2015, por via do qual aquele país se comprometeu a renunciar às armas nucleares em troca do levantamento das sanções e incentivos económicos.
Conhecido em inglês pela designação “Joint Comprehensive Plan of Action” (plano integral de acção), o acordo nuclear do grupo 5+1 (os membros do Conselho de Segurança mais Alemanha) e o Irão, supervisionado até agora sem queixas pela Agência Internacional de Energia Atómica, foi abandonado intempestivamente pela Administração Trump, na primeira quinzena de Maio.
Sob pressão do poderoso lobby judeu e curiosamente dias antes do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyhau, ter feito aquela encenação no Ministério da Defesa, em Tel Aviv, em que apresentava avanços secretos do programa nuclear iraniano, Donald Trump acabou por “fazer as vontades” de sectores interessados no Estado de guerra entre a América e o Irão.
Para muitos, tudo quanto Trump fez consiste numa estratégia previsível e recorrente na vida política americana, que se traduz no jogo político de anular parte significativa do legado de Obama. Mas para outros, o presente estado de coisas que vai passar a opor os Estados Unidos ao Irão, que se não for devidamente gerido com o duvidoso contrapeso da União Europeia, Rússia e China, pode resvalar para um ambiente semelhante ao ocorrido com o Iraque.
Há dias, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, tinha apresentado um conjunto de exigências ao Irão, já rejeitadas por aquele país e considerado como irrealistas pela União Europeia, que vê nas imposições da administração Trump, o equivalente ao pedido de mudança de regime em Teerão. Com um gabinete constituído por falcões, com excepção do secretário de Defesa, James Mattis, a administração Trump sente-se galvanizada com o que diz serem os efeitos da pressão à Coreia do Norte e pretende seguir o mesmo modelo ao lidar com o Irão.
Na tentativa de recorrer à política do “Grande Cacete”, revivendo a Doutrina do Presidente Theodore Roosevelt, com acções unilaterais, ameaça de uso da força, os Estados Unidos sob a presidência de Trump pode estar contribuir para o seu próprio isolamento. É verdade que os Estados Unidos possuem ainda uma larga influência diplomática, política, económica e militar no mundo, mas as estratégias adoptadas começam a fazer despertar nos seus aliados a necessidade de contarem mais consigo mesmos. É o que actualmente sucede com a União Europeia, dividida que se encontra, nesta altura, entre a defesa do acordo nuclear com o Irão e procurar bloquear o impacto das sanções americanas ao Irão para salvar as companhias, grande parte delas europeias, que interagem com aquele país do Médio Oriente.
O grande dilema com que se debate os parceiros iranianos da União Europeia, cuja independência e soberania está a ser posta em causa pelas sanções americanas, tem a ver com a possibilidade ou não dos mesmos inviabilizarem o efeito das sanções. O Irão já avisou, tendo mesmo avançado inclusive com um ultimato, que espera ver actos concretos da parte da União Europeia, para salvar os incentivos económicos resultantes do acordo e que são parte fundamental dos compromissos assumidos. De outra maneira, volta ao processo normal de enriquecimento de urânio, a um nível que o pode levar a produzir material susceptível de servir para o fabrico de armas nucleares, ante advertência de Trump para não atravessar essa linha vermelha.
O que é facto, passível de aliviar os iranianos, tem a ver com o anúncio, feito na sexta-feira pela União Europeia, de um pacote de medidas para combater as sanções dos Estados Unidos contra o Irão, realidade que poderá levar Bruxelas em rota de colisão com Washington. Resta saber em que medida é que a União Europeia, ao lado de esforços paralelos da China e Rússia, vai ser bem sucedida com a activação do bloqueio das sanções americanas, numa altura em que é monumental a conexão entre empresas e bancos europeus e americanos. Isto além do peso americano no sistema financeiro internacional, por via do domínio do dólar como moeda global.
Emmanuel Macron já disse que a Europa precisa de fortalecer a sua soberania económica, mas atendendo à imprevisibilidade da administração Trump esperemos para ver se a União Europeia consiga salvar o acordo nuclear ou os iranianos não encontrem alternativa senão abandonar igualmente o barco. Uma coisa parece óbvia, a tensão vai aumentar, a imprevisibilidade de Trump vai acentuar-se e o contrapeso da União Europeia pode não servir para salvar o acordo nuclear.