Jornal de Angola

Lina é fonte de saber no bairro Kawelele

Desde jovem Lina juntou os estudos ao trabalho de apoio à mãe e construiu um complexo escolar de qualidade

- Rui Ramos

Lina Menakuluse Dompetelo Nsalambi irradia uma imagem de simpatia, um rosto afável e um sorriso de confiança. Recebeu-nos no Bairro Kawelele, na fronteira entre Cazenga e Kikolo, nas terras que os “vaidosos da cidade” chamam de “mato”.

Lina Nsalambi nasceu em Cacuaco há 38 anos, no Bairro da Nova Cimangola, onde era o Complexo Residencia­l nos idos, mas é de origem Bakongo. Os seus avós, de Maquela do Zombo, tiveram de se refugiar no tempo colonial no Congo, onde o seu pai, Mbuta Dompetelo, conseguind­o uma bolsa de estudos, se licenciou em engenharia mecânica industrial.

Mbuta Dompetelo regressa a Angola em 1978 e vai residir com a família para a Nova Cimangola, onde Lina nasceu.

As primeiras recordaçõe­s familiares de Lina Nsalambi vão para o seu pai, sempre presente, e a sua mãe, Kisivica Maria Dompetelo, a correr de manhã muito cedo para o Kikolo, para vender gelados de leite e de múkua, para ajudar a suportar as despesas da casa.

Lina Nsalambi lembra-se de que quem chegava do Congo ou do Norte era insultado e discrimina­do por muitos residentes que lhes chamavam “zairenses” de forma pejorativa. “Uma agressão psicológic­a permanente”, diz Lina.

Manda a cultura africana que quem pode mais ou é mais velho recebe em casa quem pode menos ou é mais novo. Lina lembra-se de que em sua casa viviam permanente­mente cerca de 20 pessoas em comunhão de espaço e de mesa, com muita gente a dormir no chão.

Lina Nsalambi desde muito cedo conciliou os estudos com a ajuda ao negócio da mãe. A sua tarefa diária era lavar e coar as múkuas preparando-as para os gelados que a mãe vendia, mas não só, havia também que fazer bolinhos para Dona Maria vender.

Não era fácil a vida e para remediar o orçamento de casa, a mãe de Lina comprava fardos de roupa usada, escolhia peças de roupa para a família e o restante vendia em baixo de um imbondeiro.

A mãe de Lina ia directa às metas, dinheiro era para poupar e investir, e com o dinheiro dos gelados, dos bolinhos e da venda de roupa usada, comprou o seu primeiro terreno no Kawelele, zona de cabo-verdianos, e começou a construir um armazém para os seus produtos.

Aos cinco anos, Lina Nsalambi iniciou os seus estudos, não na zona da Nova Cimangola, onde sempre recebia o epíteto de “zairense vinda do mato”. O seu pai, com a ajuda de um colega, consegue entregá-la aos cuidados da professora Fernanda do Colégio São José de Cluny e quando este fecha, é transferid­a para a Escola Alda Lara onde, diz, havia muita violência e muitos colegas fumavam e bebiam álcool.

Na Escola Alda Lara a jovem Lina era destratada por ter nome kikongo e a sua mãe trajar panos. O pai de Lina, que conseguiu um lugar de professor na Universida­de Agostinho Neto, solicitou de novo a ajuda de um colega e aí vai Lina Nsalambi para o Colégio Elizângela, uma instituiçã­o de referência na altura.

Enquanto estudava, Lina ajudava a mãe na venda. Ela sempre teve grande admiração pela coragem empreended­ora de Dona Kisivica Maria. O dinheiro era poupado até à última moeda e isso permitiu que Dona Maria comprasse um novo terreno no Kikolo, onde constrói um edifício para armazenar o que vendia. No final do ensino médio, Lina estuda para a admissão à Universida­de Católica, a família mais uma vez utiliza o aforro para proporcion­ar educação superior de qualidade a Lina Nsalambi, que consegue 19 valores em Matemática.

Lina recorda que ia todos os dias para a faculdade de táxi pelo Hoji ya Henda, um percurso longo e dispendios­o, que não a impedia de levar produtos para vender às colegas, sobretudo cabelos.

Lina Nsalambi informava os colegas de que a mãe vendia no Roque Santeiro, mas as colegas não acreditava­m e faziam chacota, não conseguiam compreende­r que uma colega tivesse uma mãe a vender no mercado do Sambizanga.

O quarto ano de Gestão Financeira foi feito e já nessa altura Dona Maria fazia viagens para a África do Sul para trazer produtos de beleza para vender no Roque Santeiro, onde Lina passava as férias, ajudando a mãe no negócio.

Em 2007, Lina Nsalambi entra para a consultora Deloitte, na qual trabalha até 2010, mas nunca deixa de ajudar os pais nas vendas. A mãe compra novo terreno no Kikolo e aí instala uma loja de cosméticos e de venda de refrigeran­tes.

No ano passado, Lina Nsalambi olhou para o prédio que tinham construído para armazém e projectou uma instituiçã­o de ensino. Falou com o professor João e cria o projecto “Complexo Escolar Privado Fonte de Saber”, com dinheiro poupado pela família. “Investimos um total de dez milhões de kwanzas neste colégio”, diz, com um brilho no olhar sereno, para termos a certeza de que não houve valores alheios no projecto. “Só damos o que temos”, atira.

A obra, ali no meio de Kawelele, é imponente, de uma casa quase abandonada Lina Nsalambi construiu uma unidade escolar de três pisos, leccionand­o da iniciação à décima classe. Os primeiros alunos são 110, os professore­s são 21, e Lina Nsalambi ambiciona chegar aos 700 alunos e ter professore­s a tempo inteiro para assegurare­m todas as aulas, incluindo Língua Inglesa, Caligrafia e Informátic­a, ensinadas desde a primeira classe, e Língua Francesa, a partir da quinta classe.

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EDIÇÕES NOVEMBRO Uma mulher querida na área em que vive

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