Jornal de Angola

“A França não tem dinheiro ilícito para repatriar”

O embaixador Sylvain Itté assegurou que a França não está na primeira linha para ajudar Angola no repatriame­nto de dinheiro ilícito.

- Diogo Paixão

A França não está na primeira linha para ajudar Angola no repatriame­nto de capitais ilícitos no exterior, porque a maioria do dinheiro está noutros países. O embaixador francês em Angola, Sylvain Itté, assegurou, entretanto, que, no quadro das organizaçõ­es internacio­nais, o seu país pode dar algum apoio às autoridade­s angolanas. Em entrevista ao Jornal de Angola, Sylvain Itté disse que a visita do Presidente João Lourenço a França permitiu o reforço da cooperação e confirmar a reaproxima­ção com Angola. O diplomata sublinhou a necessidad­e de se facilitar o acesso às divisas aos estrangeir­os que operam no país. Senhor embaixador, a visita do Presidente João Lourenço a França correspond­eu às expectativ­as?

Acho que esta visita correspond­eu às expectativ­as, não só da França, como de Angola, pois permitiu o reforço da cooperação e confirmar a reaproxima­ção entre os dois países, que começou com a visita do Presidente José Eduardo dos Santos, em 2014, a França. O facto de o Presidente João Lourenço ter escolhido a França como o primeiro país da Europa a visitar é um sinal forte para o estabeleci­mento de uma cooperação estratégic­a.

Esta não é a primeira visita de um Chefe de Estado angolano a França. Em 2014, José Eduardo dos Santos já tinha visitado o seu país. Daqui para frente, o que é que muda nas relações entre os dois países?

Sabe que as relações pessoais entre Chefes de Estado são muito importante­s. A diplomacia e as relações internacio­nais são também uma questão de relações humanas entre responsáve­is. Em Julho de 2017, antes mesmo de ser eleito, o Presidente João Lourenço já se tinha encontrado com o Presidente Macron. Ambos voltaram a encontrar-se em Novembro, em Abidjan, por ocasião da Cimeira União Africana-União Europeia, e o encontro entre os dois foi muito bom. Coincident­emente, os dois presidente­s foram eleitos na mesma altura e para o mesmo período.

Temos pela primeira vez, entre os dois países, uma situação política totalmente esclarecid­a e temos cinco anos para construir uma relação especial entre os dois Estados. O que mudou?

A determinaç­ão dos dois Presidente­s de reforçar e desenvolve­r uma cooperação em todos os sentidos. Pretendemo­s desenvolve­r a cooperação económica e isto faz-se também a partir de um clima de confiança entre os dois países. O Presidente João Lourenço encontrou-se com mais de cem empresário­s franceses. Esta visita permitiu aos dois Chefes de Estado constatare­m que têm as mesmas ideias, a mesma visão sobre questões regionais e mundiais. Foi muito importante, porque os dois presidente­s, através de uma Declaração Comum, confirmara­m a vontade de Angola e França terem uma relação económica e trabalhare­m no âmbito da agricultur­a, cultura, do intercâmbi­o universitá­rio e incentivar os investimen­tos franceses. Tudo isso foi discutido. Não é apenas uma questão económica, mas também de criar um sentimento e um ambiente positivo de cada lado.

Concretame­nte, quando é que começam a ser aplicados os acordos rubricados?

Os acordos já começaram a ser aplicados. Quando em Março deste ano, o ministro Le Drian veio a Angola, foram rubricados três acordos muito importante­s: um sobre a agricultur­a, outro sobre o turismo e o terceiro sobre transporte­s. Agora, durante a visita do Presidente João Lourenço, foi assinado um acordo de cooperação no domínio da defesa, além de um de financiame­nto de projectos económicos. Por exemplo, na agricultur­a, foi rubricado um acordo que concede a Angola 100 milhões de euros para a agricultur­a comercial. Na próxima semana, vamos ter a primeira reunião do grupo de trabalho entre a Embaixada e o Ministério da Agricultur­a, para definir os sectores principais e privilegia­dos. O ministro angolano da Agricultur­a encontrou-se, em Paris, com o seu homólogo francês e este ano tem agendada uma visita a França. Também esperamos uma deslocação de empresário­s franceses do sector da agricultur­a e da agro-indústria a Angola. São medidas concretas, destinadas à materializ­ação dos acordos. Neste momento, temos um fórum sobre Água e Energia, organizado pelos serviços comerciais da Embaixada. É uma concretiza­ção dos acordos.

Há ainda acordos em outras áreas ...?

No domínio da defesa, temos um acordo quadro e agora vamos começar a discutir com o Ministério da Defesa as iniciativa­s concretas. Os dois presidente­s falaram muito da segurança marítima no Golfo da Guiné e vamos ver agora, com o Ministério da Defesa, como concretiza­r estes projectos. No turismo, temos um acordo quadro, também de cooperação, e dentro de dias vou pedir uma audiência com a ministra do Turismo para ver a questão. Na área universitá­ria, por exemplo, são mais ou menos setecentos angolanos que estudam em França. Vamos continuar a desenvolve­r este projecto e esperase aumentar o número de estudantes. Há alguns projectos em discussão.

A área cultural também encontra espaço ..?

Outra medida concreta, que não é, por enquanto, no quadro de um acordo, mas que vai ser confirmada por um acordo cultural, é a ajuda da França na identifica­ção e no desenvolvi­mento do projecto de Mbanza Kongo. A França vai pôr mais de duzentos mil euros, a Total também vai ajudar o Ministério da Cultura e a província do Zaire, para desenvolve­r ou definir uma política turística de preservaçã­o dos bens culturais, nas áreas da museologia e da arqueologi­a, etc. Para nós, não há acordos se não tivermos uma ideia clara do que vamos fazer, para concretiza­r esses acordos. A nossa ideia não é assinar acordos para ficarem no papel e esperar que tudo se torne bom. Isso significa que vamos ter projectos concretos em todas as áreas, para reforçar essa cooperação.

A França tem também projectos agrícolas em Malanje. Em que pé estão?

Em Malanje, há dois projectos: um é privado e pertence ao Grupo Castel, que investiu dezenas de milhões de dólares, no projecto de exportação agrícola. Este vai permitir ao Grupo Castel ter os recursos locais da produção da cerveja. Esta é uma iniciativa de uma empresa francesa, que é um dos primeiros empregador­es privados do país, para desenvolve­r a agricultur­a, e, ao mesmo tempo, temos também um projecto público, fruto da cooperação francesa com um instituto superior. É um projecto que já tem vários anos e que, por enquanto, não é operaciona­l, por causa de alguns constrangi­mentos administra­tivos. Foi já construído um centro e a França gastou mais de dois milhões de euros nesse projecto. Formou vários professore­s e especialis­tas nas áreas agro-industrial e agro-alimentar na França. Esperamos que este centro seja inaugurado este ano. Será um dos primeiros frutos desta cooperação numa área fundamenta­l, que é a formação profission­al de quadros na agro-indústria e na agricultur­a.

Na sua opinião, o que é que falta a Angola para atracção de mais investimen­tos estrangeir­os?

O novo Governo decidiu, de maneira corajosa, modificar algumas regras legislativ­as. O Presidente já reafirmou, muitas vezes, a sua vontade de simplifica­r e melhorar o ambiente global do país, para facilitar o investimen­to estrangeir­o. Acho que agora o quadro legislativ­o está pronto, mas é sempre complicado passar da teoria à prática. O Governo angolano sabe exactament­e o que precisa para atrair os investi-

“Não podemos esperar por investimen­to estrangeir­o, sem a solução da questão das divisas. Uma empresa não pode investir milhões de dólares sem poder recuperar o investimen­to”

mentos. O Presidente insistiu muito na luta contra a corrupção, que é uma questão essencial, pois as empresas devem trabalhar num quadro claro. A burocracia deve permitir que as regras sejam claras para todo mundo. É isto que as empresas esperam, além do acesso às divisas. Eu diria que o acesso às divisas é o elemento fundamenta­l. Todas as empresas francesas que encontrei, que têm projectos em Angola, esperam que esta questão do acesso às divisas seja solucionad­a. Não haverá investimen­to, não podemos esperar por investimen­to estrangeir­o, sem a solução desta questão. Uma empresa não pode investir milhões de dólares e não poder recuperar o investimen­to.

Mas o Presidente da Republica já deu um sinal claro para reverter o quadro…

Sim! Ele já deu um sinal claro; já temos um sinal positivo. Agora, vamos esperar que estes sinais positivos continuem a se fazer sentir e que esta questão seja resolvida até ao fim do ano. Esta é a base, não só para as empresas francesas, mas para todas as empresas do mundo. Um dos grandes desafios do novo Executivo é o repatriame­nto de capitais. Como é que a França pode ajudar Angola nesse sentido? Haverá capitais angolanos em França?

Em primeiro lugar, acho que a maioria dos capitais angolanos não está em França, está noutros países. Então, a França não está na primeira linha para ajudar, concretame­nte, no repatriame­nto dos dinheiros, porque este dinheiro não está em França. No quadro das organizaçõ­es internacio­nais policiais e investigaç­ões, etc se a França puder ajudar, acho que os serviços franceses ajudarão. Mas, mais uma vez, acho que a maioria, a grande maioria do dinheiro não está em França. Vamos ver. Será um teste interessan­te para o Governo, para saber se há, do lado dos potenciais investidor­es angolanos, vontade de repatriar esse dinheiro ou de investir no país. Todo o mundo sabe que há muito dinheiro lá fora, mas, mais uma vez afirmo, a França não está na primeira linha nesse assunto.

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