Nova reforma agrária divide a África do Sul
A sociedade sul-africana está em efervescente expectativa pela aplicação efectiva de uma nova reforma agrária para corrigir os erros cometidos no período do apartheid. O Presidente Cyril Ramaphosa tem tentado gerir a situação, mas a verdade é que nos últimos dias se têm multiplicado as ocupações ilegais de propriedades nas zonas rurais do país
Tem aumentado nos últimos dias, no seio da sociedade sul-africana, o debate e a polémica em torno da aplicação da reforma agrária prometida pelo Governo ainda antes de Cyril Ramaphosa ter assumido a Presidência da República.
Trata-se de um tema fracturante entre os sul-africanos e para a abordagem do qual a prudência aconselha as cautelas suficientes para que não se transforme num factor de divisão promotor de uma perigosa instabilidade social.
Nos últimos dias tem-se assistido a um multiplicar de pressões junto do Presidente Cyril Ramaphosa para que este, sem mais demoras, dê luz verde para a aplicação do programa que prevê a redistribuição de terras aos fazendeiros negros.
Com o exemplo do Zimbabwe a ser esgrimido como argumento por aqueles que receiam o efeito perverso dessa redistribuição de terras, a verdade é que a população que defende a aplicação da reforma agrária começa a temer que Ramaphosa volte atrás e recue na intenção de levar por diante a sua promessa. Face a isso, surgiram recentemente no país manifestações de rua que servem para ilustrar a necessidade que a população negra sente de fazer ouvir a sua voz para exigir a Cyril Ramaphosa e ao ANC que apliquem, sem mais demoras, o projecto de reforma agrária de modo a terem acesso às terras com as quais querem melhorar as suas condições de vida.
Nalgumas localidades rurais do país tem-se assistido, quase diariamente, a manifestações de impaciência por parte da população que se sente com direito de ser contemplada por essa reforma agrária e, dessa forma, receber terras para que as possa cultivar e assim melhorar as suas condições de vida.
Profunda divisão
Algumas dessas manifestações têm motivado a intervenção das forças da ordem e cavado fundo a divisão entre os Governos locais e o central, uma vez que os primeiros se sentem impulsionados a apoiar as reivindicações das suas populações.
Tudo isto, como é fácil de ver, contribui para aumentar as hesitações do Presidente Ramaphosa e que resultam da leitura que ele faz da actual situação social e económica do país e que desaconselha a tomada de medidas que possam causar qualquer tipo de convulsão que afecte o quotidiano do país.
Desde logo, o facto de na reforma agrária estar prevista a retirada de terras a um sector da sociedade para o entregar a outro, por si só, já é um tema fracturante capaz de provocar graves e profundas convulsões sociais.
Por detrás das principais manifestações de protesto contra o constante adiamento da aplicação do projecto de reforma agrária, onde se contam também algumas ocupações ilegais de fazendas, está a ala mais radical do ANC e o partido dos Combatentes pela Liberdade Económica do truculento Julius Malema, cuja palavra de ordem tem sido “África é para a população negra”.
Malema, que já foi líder da juventude do ANC, em discursos inflamados, tem desafiado a população que o ouve a usar a força para recuperar as terras que durante o regime do apartheid lhes foram retiradas para serem entregues a fazendeiros brancos.
Trata-se de um discurso racista mas que começa a ter uma crescente e perigosa aceitação no seio de uma população desesperada por nada ter e descrente por ver que as promessas do Presidente Cyril Ramaphosa tardam em ser cumpridas.
Nalgumas áreas mais remotas, a Polícia foi já obrigada a intervir para impedir a ocupação anárquica de terras por parte de grupos de pessoas munidas de catanas. Trata-se de um problema que não se resolve com o adiamento constante de uma decisão sobre como e quando a reforma agrária será efectivamente aplicada.
A um ano de eleições, este é um problema que o ANC terá que encarar de frente se não quiser assistir a um aumento da espiral de instabilidade social e de violência no país.