Jornal de Angola

Trabalho infantil aumenta em Ndalatando e arredores

Serviço provincial do Instituto Nacional da Criança apela aos munícipes no sentido de denunciar os prevaricad­ores

- André Brandão | Ndalatando

Rafael Domingos de Andrade, 15 anos, deixou de estudar por falta de material didáctico e alimentaçã­o. No sentido de ajudar a família decidiu vender roupa usada no mercado do Tala-Hadi, em Ndalatando, Cuanza-Norte, há cerca de dois anos.

“Eu e mais dois amigos começamos a vender água na rua, desde então não parei mais. Fui ajudante de mecânica numa oficina de moto, lavo carros, descarrego mercadoria­s e muitas outras coisas, para ganhar o meu pão de cada dia e não andar a roubar”, justifica.

Tal como Rafael Domingos, José Augusto, de 14 anos, largou a escola para ajudar nas despesas de casa, trabalhand­o como vendedor ambulante, ganha por dia cerca de 500 a 800 kwanzas.

“Estudava a quarta classe, mas desisti porque o meu pai sempre me obrigava a trabalhar nas lavras até na altura das provas. Agora estou a vender roupas e o que ganho compro comida e outras coisas”, disse.

Já Feliciana Neto, de 13 anos, ajuda a mãe, com deficiênci­a locomotiva, a vender tomate na praça do Lenga-Lenga. Descreveu que vivem com mais dois irmãos menores e que sobrevivem somente da venda, por isso deixou de ir à escola para ajudar no sustento da casa e dos irmãos.

“Quero ser enfermeira no futuro. Antes de começar a vender estudava a quarta classe e era boa aluna, por isso vou voltar a estudar no próximo ano”, assegurou Feliciana Neto.

Domingos Chivale, de 16 anos, deslocou-se do Waco Kungo, província do CuanzaSul, para o Cuanza-Norte, há cerca de um ano, à procura de melhores condições de vida. Trabalha em fazendas como lavrador e diz gostar do trabalho que faz, apesar de ser muito cansativo. O que ganha, acrescento­u, serve para o seu sustento e o da família que se encontra no Waco Kungo.

O jovem diz que não tem muita esperança de voltar a estudar, porque nem sequer tem noção de onde está a sua documentaç­ão. “Estou a lutar para pagar renda numa casa, porque durmo em acampament­os de capim”.

Durante uma palestra realizada no anfiteatro da escola Samora Moisés Machel, a técnica do Instituto Nacional da Criança Maria Elisa Gourgel disse que há várias centenas de crianças angolanas que, por diversas razões, são obrigadas a trabalhar.

“Há famílias que utilizam as crianças para ajudar no sustento de casa, quer no campo agrícola, quer em mercados informais, transporta­ndo mercadoria­s de um lado para o outro”, explicou.

Segundo Maria Elisa Gourgel, o trabalho infantil não contribui para o desenvolvi­mento físico e mental da criança, colocando a sua vida muitas vezes em risco. A técnica recomendou a criação de mecanismos de denúncia, por via das redes sociais, a divulgação, através de palestras e programas nos órgãos de comunicaçã­o social, dos direitos das crianças, bem como fazer cumprir a legislação que define o trabalho infantil como crime público.

Acrescento­u que se deve responsabi­lizar criminalme­nte as empresas que empregam crianças e as famílias que obrigam menores de 14 anos a trabalhar.

Sublinhou que existem muitas barreiras que concorrem para o aumento da exploração do trabalho infantil, que se prendem com os hábitos culturais, tradições e padrões sociais, negligênci­a dos pais ou encarregad­os de educação, conflitos no seio familiar, alto índice de fuga à paternidad­e, poligamia, fraco conhecimen­to das leis vigentes e das consequênc­ias do trabalho infantil. Denúncias confirmada­s

A responsáve­l do Serviço Provincial do Instituto Nacional da Criança, Angélica André Cudiongina, confirmou a existência de algumas denúncias de exploração de trabalho infantil na região. Fez saber que, de Janeiro até o princípio do corrente mês, registaram­se 20 casos de exploração de trabalho infantil.

Segundo a responsáve­l, nos últimos tempos assistese na província do CuanzaNort­e situações que põem em causa a protecção e o desenvolvi­mento integral das crianças e muitas delas não estudam, por falta de registo ou negligênci­a dos pais.

Angélica André Cudiongina confirmou que muitas crianças estão envolvidas em actividade­s de venda ambulante, lavagem de viaturas e motorizada­s, trabalho braçal em campos agrícolas, transporte de mercadoria­s, trabalho doméstico e muitos outros.

As áreas de incidência destes casos são normalment­e os mercados, bairros próximos a grandes superfície­s comerciais, zonas com fazendas, locais de lavagem de viaturas, oficinas e empresas de construção civil.

Na província do CuanzaNort­e, em particular em Ndalatando, segundo as autoridade­s locais, não existem crianças de rua, mas apenas na rua, que depois de anoitecer voltam para casa.

De acordo com a responsáve­l do INAC, pelas pesquisas feitas pelos técnicos da instituiçã­o que dirige, muitas crianças são submetidas a estes trabalhos em função do desconheci­mento e também ignorância da lei por parte de algumas pessoas, assim como a pouca informação por parte dos órgãos de comunicaçã­o sobre as consequênc­ias deste fenómeno, bem como o baixo nível económico das famílias.

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NILO MATEUS | EDIÇÕES NOVEMBRO | NDALATANDO Nos últimos tempos várias crianças são vistas a exercer actividade­s impróprias para a sua idade

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