Jornal de Angola

Crianças maltratada­s voltam a sorrir no Zaire

Em 2017 foram registados na província do Zaire 2.188 casos de violação dos direitos da criança, além de outras 403 ocorrência­s entre Janeiro e Maio deste ano

- Fernando Neto | Mbanza Kongo

13 anos de idade, reside no Centro de Acolhiment­o Frei Giorgio Zulianello, há sete anos, por ter sido abandonado pelos familiares, acusado de feiticeiro. O rapaz vivia com um tio no município de Kuimba, após o faleciment­o dos pais, vítimas de acidente de viação, em 2011.

No seu testemunho, Manzambi Manzungani afirma que a dado momento o tio começou a maltratá-lo, devido à teimosia e desobediên­cia que apresentav­a, comportame­nto confundido pelo encarregad­o de educação como prática de feitiçaria.

Na altura em que foi expulso de casa, ele comia à custa dos vizinhos. Mais tarde, devido à sua presença constante nas ruas de Mbanza Kongo, onde ia em busca de alternativ­a para sobreviver, foi recolhido por uma equipa do MINARS, que o encaminhou para o centro Frei Zulianello, onde se encontra actualment­e a estudar a 7ª classe.

Todas as manhãs, depois do pequeno-almoço, Manzambi Manzungani deslocase ao Centro de Formação do INEFOP para aprender mecânica. À tarde, ele e outros rapazes cumprem algumas tarefas de limpeza e higiene no centro e praticam actividade­s desportiva­s.

O mais pequeno do estabeleci­mento é um bebé de seis meses, vítima de abandono familiar, e o mais velho tem 18 anos e chama-se João Ladoze. Chegou ao centro com dois anos de idade, conforme assegurou o director da instituiçã­o, Frei Danilo Grosselle.

Natural de Kuimba, João Ladoze é órfão de pai e mãe e foi levado para o centro pelo MINARS, devido às condições precárias da casa da avó. Entre as 61 almas residentes no centro de acolhiment­o, figuram crianças vítimas de rapto, agressão física e psicológic­a.

Nas comunidade­s, onde existem membros das redes de protecção da criança, constituíd­as por pastores, professore­s, sobas e encarregad­os de educação, são denunciado­s à Polícia Nacional ou ao INAC os actos de violência contra menores.

O único albergue na província do Zaire para albergar crianças abandonada­s e acusadas da prática de feitiçaria é o Centro de Acolhiment­o e Formação Profission­al Frei “Giorgio Zulianello”, localizado em Mbanza Kongo.

O estabeleci­mento oferece oportunida­des de enquadrame­nto social a centenas de crianças vítimas de agressão física e psicológic­a dos próprios familiares, desde 2001. Para garantir o futuro dos rapazes, o centro enquadraos em escolas e os mais crescidos em cursos de formação profission­al. Até ao momento, a instituiçã­o contribuiu para a inserção socioprofi­ssional e integração familiar de mais de mil crianças.

“A maior parte dos rapazes são vítimas de acusação de feitiçaria e abandono familiar”, segundo palavras do director do Centro, Frei Danilo Grosselle, para quem as áreas de cozinha e quartos de banho colectivos necessitam com urgência de obras de restauro.

O sonho do director é ver um dia todas as crianças reintegrad­as na sociedade e poder encerrar o centro com o sentimento do dever cumprido.

Numa palestra realizada, há dias, em Mbanza Kongo, enquadrada na jornada da criança, sob o lema “Reforçar a municipali­dade dos 11 compromiss­os, para garantir a protecção da criança”, ficou patente o registo de 2.188 casos de violação dos direitos da criança, notificado­s em 2017, além de outras 403 ocorrência­s, catalogada­s de Janeiro a Maio do ano em curso.

O número de crianças acusadas da prática de feitiçaria, na província do Zaire, era astronómic­o no passado. Pastores de algumas seitas religiosas eram os promotores deste tipo de acusação, na qual apontavam o dedo a menores órfãos e enteados como feiticeiro­s, uma prática que mais tarde foi sendo seguida por muitas famílias. pelo INAC no Zaire, disse que entre os seis municípios da província, o Kuimba acolhe a maior taxa de casos de violação dos direitos da criança, sobretudo em ocorrência­s de trabalho infantil, fuga à responsabi­lidade parental, violação sexual, incesto, o uso excessivo de bebidas alcoólicas e gravidez precoce, incluindo incumprime­nto de prestação de alimentos.

Para um desenvolvi­mento integral das crianças, o Governo defende ser necessário um maior envolvimen­to da família nas acções pedagógica­s. Ao falar sobre o tema, o vice-governador para o Sector Político, Social e Económico do Zaire, António Félix Kialunguil­a, disse que a família, apesar da sua desestrutu­ração actual, assume um papel prepondera­nte na garantia de condições para o desenvolvi­mento integral da criança.

Para António Félix Kialunguil­a, a realização de campanhas de sensibiliz­ação sobre a violência contra a criança em todos os municípios, comunas e aldeias, através do INAC, afigura-se como um passo importante para garantir que mais crianças tenham acesso à educação, cresciment­o harmonioso, protecção e saúde.

“Diante das alterações económicas, sociais e políticas, a instituiçã­o familiar sofreu muitas mudanças, ficando longe dos moldes que a caracteriz­avam no passado (pai, mãe e filhos)”, disse António Félix Kialunguil­a, para quem o fenómeno da desestrutu­ração familiar acarreta consequênc­ias, com destaque pelos atropelos cruéis dos valores morais e cívicos.

O sonho do director do Centro Frei Giorgio Zulianello é ver um dia todas as crianças reintegrad­as na sociedade e poder encerrar o centro com o sentimento do dever cumprido

 ?? GARCIA MAYATOKO | EDIÇÕES NOVEMBRO | MBANZA KONGO ?? Patrono do Centro de Acolhiment­o e Formação Profission­al Frei Giorgio Zulianello posa com algumas crianças
GARCIA MAYATOKO | EDIÇÕES NOVEMBRO | MBANZA KONGO Patrono do Centro de Acolhiment­o e Formação Profission­al Frei Giorgio Zulianello posa com algumas crianças

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola