Jornal de Angola

Sonhos de Angola na Florida

- Sousa Jamba

Conheci o Jorge Manuel Seixas numa manhã de Maio de 1982 no campo de Refugiados de Meheba, na Zâmbia. Eu tinha ido passar férias, do internato onde estudava, à casa da família Bândua.

O Jorge tinha um primo, já falecido, chamado Nando, que foi um grande carpinteir­o. Havia vezes que nós, os miúdos, íamos para a sua oficina, onde a conversa era acerca do futuro de Angola. Eu tinha saído de Angola com dez anos. Através das conversas dos mais velhos, tínhamos uma noção instantâne­a e, naturalmen­te, vaga do que tinha sido Angola colonial. Mesmo então, os refugiados angolanos insistiam que os seus sonhos iam ser concretiza­dos quando houvesse estabilida­de no seu país natal.

Vivíamos numa Zâmbia cheia de esperança. Este país na altura tinha apenas vinte anos, tendo adquirido a sua independên­cia em 1964. Na Zâmbia de então, falava-se muito da autoconfia­nça económica: o país que produzia cobre, argumentav­a-se, tinha que passar a fabricar produtos de qualidade. Falava-se, também, da necessidad­e de regressar à terra. A Zâmbia tinha mesmo que deixar de importar uma boa parte da sua comida. Estes argumentos na Zâmbia continuam. Um desenvolvi­mento positivo é que na Zâmbia há, agora, muitos fazendeiro­s locais. O cobre e cobalto, porém, continuam a ser explorados por lá e transforma­dos em produtos fora.

Pensei nisto tudo cá, em Orlando, Florida, estes dias que cá estou a passar férias com os meus dois rapazes. Um dos membros da comunidade Angolana neste local é o Jorge Manuel Seixas. A versão Americana deste Jorge Manuel Seixas é quase irreconhec­ível; o Jorge do Meheba passava muito tempo nas “nakas” a cultivar couves, repolho, quiabo. O dos Estados Unidos vive numa belíssima casa, cheio de computador­es, e ele próprio passa a vida a participar em várias actividade­s cívicas. Ele insiste que tudo que faz é para um dia poder contribuir para a Nação Angolana. Nisto, o Jorge não difere de muitos Angolanos espalhados pelo mundo.

Fui para a casa do Jorge onde, no jantar, serviuse funje. O Jorge pediu desculpas que a fuba não era assim tão boa como a Kanine, marca de fuba que era produzida no Huambo no tempo colonial. O Jorge foi bebendo umas cervejas sul-africanas e lamentando que, infelizmen­te, não conseguia adquirir umas boas Cucas, Ekas, Nocais etc. Havia muito de Angola (sobretudo com certos políticos com quem discorda profundame­nte) que o Jorge não parava de reprovar. Mas havia, sempre, algo do nosso país que trazia na cara do Jorge um riso saudoso e melancólic­o ao mesmo tempo.

O Jorge foi falando da sua infância no Luena. No seu lado materno, o avô do Jorge, chamado Kachambale­le, tinha vindo do Bailundo e fundado uma aldeia perto de Camacupa. Este mesmo avô, disseme o Jorge, adoptou a Fé Cristã devotadame­nte e um dia desfez a máscara de um “jinganji” para mostrar que era humano e não uma alma do outro mundo. O desmascara­mento do jinganji saiu ao velho muito caro; ele teve uma morte dolorosa com aflições inexplicáv­eis. Do lado paterno, o Jorge me disse, o pai dele era filho de um branco português. O Jorge fala do seu pai, já falecido, com muito orgulho; o camião Mercedes que o seu pai tinha, o Jorge foi me dizendo, furava por toda parte do leste de Angola. O Jorge me disse que o seu pai não só desmontava e montava o motor do seu camião, mas era um verdadeiro GPS que conhecia bem o leste de Angola.

Em Orlando, Florida, o Jorge convidou-me para jantar num restaurant­e chic na Disney World, numa área onde se tinha tentado recriar a África. Na sala de espera deste restaurant­e e hotel havia, até, um escultor a produzir produtos para turistas. Havia música Africana por todo o lado. O Jorge lamentou que aquele hotel não tivesse nada a ver com o continente Africano. No restaurant­e, ele lamentou que a comida – saladas, bifes, arroz, etc – tinha pouco a ver com a África. Para ele, o que era preciso naquele restaurant­e era kizaka, lombi, kakeya, katatu, muzongué, fumbwa, e aquelas piroadas que vão bem com sumaté ou menhandung­u.

O Jorge Manuel Seixas, Angolano que vai sobreviven­do na Florida, vai sonhando com a província do Moxico. Ele gostaria um dia ver auto-estradas e grandes hotéis lá no Moxico. Podemos pôr de lado as aspirações do Jorge como sendo sonhos típicos da diáspora Africana, cada vez mais desenraiza­da. Na casa do Jorge, na parede, há um quadro que mostra o seu diploma em Direito. Todo o esforço na vida do Jorge Manuel Seixas esteve ligado a um sonho de querer contribuir para Angola. Sim, tudo deveria ser feito para facilitar que o Jorge, mesmo de longe, participe na construção de Angola. Os sonhos dele por uma Angola melhor, como de muito de nós, vêm de longe!

Vivíamos numa Zâmbia cheia de esperança. Este país na altura tinha apenas vinte anos, tendo adquirido a sua independên­cia em 1964. Na Zâmbia de então, falava-se muito da autoconfia­nça económica: o país que produzia cobre, argumentav­a-se, tinha que passar a fabricar produtos de qualidade

 ?? DR ??
DR

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola