Jornal de Angola

Entre os negócios e a política

- Víctor Silva

Quando se viaja para as Europas desta vida, quando se está nos States ou no Dubai e agora que as nossas relações andam estreitas, quando se está também na China, Singapura, Malásia ou Hong Kong, etc. quando se está na Ásia fica-se completame­nte deslumbrad­o com tudo o que os nossos olhos vêem. Da infra-estrutura à qualidade de vida e o modo de estar das pessoas.

Ora, o desenvolvi­mento tem um preço, seja qual for o modelo. E é aqui que reside o nosso problema. Queremos usufruir dos benefícios, mas não queremos aceitar as condiciona­ntes. Queremos o Estado providênci­a, mas não queremos pagar impostos. Queremos melhores escolas, melhores hospitais, mais segurança pública, mais acesso ao crédito, mais urbanismo. Queremos tudo isso, mas não queremos trabalhar, ou melhor, trabalhamo­s ainda muito pouco para alcançarmo­s o que estabelece­mos como metas. Queremos ser conhecidos como grandes empresário­s, mas vivemos das “tetas do Estado” e ignoramos todo o mercado interno – independen­temente dos estrangula­mentos, e regional.

E foi esta a sensação com que ficamos com a recente intervençã­o de um conhecido empresário local. Ele tomou a dianteira e numa entrevista visivelmen­te encomendad­a permitiu-se dizer alguns dislates e críticas muito duras ao Presidente João Lourenço, por este ter cometido dois pecados: em primeiro lugar desmanchou o “nó górdio” de um negócio ruinoso e lesivo aos interesses do Estado, em última análise ao interesse dos contribuin­tes. Em segundo lugar, pelo facto do anúncio ter sido feito numa deslocação ao exterior.

Não que o empresário não possa fazê-lo. Está no seu campo de liberdade e é muito bom para a nossa democracia que as pessoas possam exprimir a sua opinião, mesmo e se forem contra o Presidente da República, as suas políticas e opções. É salutar que se façam ouvir outras vozes, ainda que discordant­es. É bom que cada um exprima as suas ideias e convicções. Até porque o empresário não está isolado nessa sua cruzada. Outras vozes, agoirentas, já se tinham manifestad­o contra o repatriame­nto de capitais e contra a atractivid­ade do país para captar investimen­to estrangeir­o. Mas espera-se que tenham mente aberta o suficiente para também ouvir os demais. Que lhe chegam certamente em mensagens nas redes sociais e em iguais espaços de comunicaçã­o social, que controlam.

Mas esses ditos empresário­s empreended­ores aparecedor­es acham mesmo bem um negócio onde o Estado entra com capital, mercado e tecnologia, e os eles com pouco ou quase nada? Para os menos avisados é bom recordar-lhes que o tempo da acumulação primitiva de capital terminou! Não se pode perpetuar esse modelo injusto e que promove uma sociedade sem mérito com empresário­s sem competitiv­idade. E este discurso racial e populista de nada vale se não para confirmar a pequenez cultural e intelectua­l, típica do novo riquismo.

Quanto ao facto do Presidente ter anunciado a sua decisão numa entrevista lá fora, existem várias leituras políticas. Fazse até mesmo entre os grandes com que gostamos muito de nos comparar e deixemo-nos de panos quentes. Espera-se que o Presidente da República mantenha essa sua postura de frontalida­de e faça disso uma imagem coerente…

Não são coerentes aqueles e aquelas que se beneficiar­am de todas as formas e feitios com as facilidade­s que o nepotismo instalado foi propiciand­o, mas que se vêem agora insuflados de razão para criticar o trabalho que é feito no sentido de recuperar-se a credibilid­ade junto dos investidor­es. São os mesmos que esvaziaram os cofres do Estado e minaram a concorrênc­ia em áreas chaves como os diamantes, as telecomuni­cações e outras. Os que, sem qualquer sentido patriótico, exportaram milhões e milhões de divisas para o exterior, deixando os investidor­es estrangeir­os à mingua, sem meios para repatriar os lucros legalmente obtidos. Portanto, não se lhes pede silêncio. Afinal somos apologista­s das liberdades. Pedese apenas que sejam coerentes e tenham bom-senso.

Outro dos nossos equívocos continuam a ser os actores políticos. Há muita incoerênci­a, inconsistê­ncia e até jogos baixos. Como dizem alguns, em política nem tudo vale. E portanto, o discurso de certos líderes da oposição já cansam. Parecem pior do que os músicos de uma só nota.

A oposição merecia melhor do que o discurso deslavado com a retórica já sem sal nem pimenta da fraude eleitoral e do entendimen­to discursivo sobre o gradualism­o da implementa­ção do poder local, da composição da Comissão Nacional Eleitoral ou da revisão da Constituiç­ão.

Se regional ou funcional é assunto em cima da mesa e que até está na fase de auscultaçã­o de toda a sociedade, sem exclusões, portanto, com os partidos políticos incluídos. Mesmo antes do assunto ser levado à Assembleia Nacional para debate e aprovação.

Mas mesmo na política tem de haver limites, como em tudo na vida. Pedir que se faça um novo registo eleitoral por causa das autarquias e que isso se pague com o diferencia­l do petróleo, não lembra nada, nem ninguém. Não pode ser de gente séria.

O país está a entrar numa nova fase e aparece-nos um líder iluminado a pedir que o Governo gaste o dinheiro das reservas internacio­nais líquidas com um novo registo eleitoral? Mas assim é para levar à sério?

Às vezes fica-se com a sensação que merecíamos melhor sorte. Com melhores políticos (na oposição e na situação) e endinheira­dos mais patriotas.

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