Entre os negócios e a política
Quando se viaja para as Europas desta vida, quando se está nos States ou no Dubai e agora que as nossas relações andam estreitas, quando se está também na China, Singapura, Malásia ou Hong Kong, etc. quando se está na Ásia fica-se completamente deslumbrado com tudo o que os nossos olhos vêem. Da infra-estrutura à qualidade de vida e o modo de estar das pessoas.
Ora, o desenvolvimento tem um preço, seja qual for o modelo. E é aqui que reside o nosso problema. Queremos usufruir dos benefícios, mas não queremos aceitar as condicionantes. Queremos o Estado providência, mas não queremos pagar impostos. Queremos melhores escolas, melhores hospitais, mais segurança pública, mais acesso ao crédito, mais urbanismo. Queremos tudo isso, mas não queremos trabalhar, ou melhor, trabalhamos ainda muito pouco para alcançarmos o que estabelecemos como metas. Queremos ser conhecidos como grandes empresários, mas vivemos das “tetas do Estado” e ignoramos todo o mercado interno – independentemente dos estrangulamentos, e regional.
E foi esta a sensação com que ficamos com a recente intervenção de um conhecido empresário local. Ele tomou a dianteira e numa entrevista visivelmente encomendada permitiu-se dizer alguns dislates e críticas muito duras ao Presidente João Lourenço, por este ter cometido dois pecados: em primeiro lugar desmanchou o “nó górdio” de um negócio ruinoso e lesivo aos interesses do Estado, em última análise ao interesse dos contribuintes. Em segundo lugar, pelo facto do anúncio ter sido feito numa deslocação ao exterior.
Não que o empresário não possa fazê-lo. Está no seu campo de liberdade e é muito bom para a nossa democracia que as pessoas possam exprimir a sua opinião, mesmo e se forem contra o Presidente da República, as suas políticas e opções. É salutar que se façam ouvir outras vozes, ainda que discordantes. É bom que cada um exprima as suas ideias e convicções. Até porque o empresário não está isolado nessa sua cruzada. Outras vozes, agoirentas, já se tinham manifestado contra o repatriamento de capitais e contra a atractividade do país para captar investimento estrangeiro. Mas espera-se que tenham mente aberta o suficiente para também ouvir os demais. Que lhe chegam certamente em mensagens nas redes sociais e em iguais espaços de comunicação social, que controlam.
Mas esses ditos empresários empreendedores aparecedores acham mesmo bem um negócio onde o Estado entra com capital, mercado e tecnologia, e os eles com pouco ou quase nada? Para os menos avisados é bom recordar-lhes que o tempo da acumulação primitiva de capital terminou! Não se pode perpetuar esse modelo injusto e que promove uma sociedade sem mérito com empresários sem competitividade. E este discurso racial e populista de nada vale se não para confirmar a pequenez cultural e intelectual, típica do novo riquismo.
Quanto ao facto do Presidente ter anunciado a sua decisão numa entrevista lá fora, existem várias leituras políticas. Fazse até mesmo entre os grandes com que gostamos muito de nos comparar e deixemo-nos de panos quentes. Espera-se que o Presidente da República mantenha essa sua postura de frontalidade e faça disso uma imagem coerente…
Não são coerentes aqueles e aquelas que se beneficiaram de todas as formas e feitios com as facilidades que o nepotismo instalado foi propiciando, mas que se vêem agora insuflados de razão para criticar o trabalho que é feito no sentido de recuperar-se a credibilidade junto dos investidores. São os mesmos que esvaziaram os cofres do Estado e minaram a concorrência em áreas chaves como os diamantes, as telecomunicações e outras. Os que, sem qualquer sentido patriótico, exportaram milhões e milhões de divisas para o exterior, deixando os investidores estrangeiros à mingua, sem meios para repatriar os lucros legalmente obtidos. Portanto, não se lhes pede silêncio. Afinal somos apologistas das liberdades. Pedese apenas que sejam coerentes e tenham bom-senso.
Outro dos nossos equívocos continuam a ser os actores políticos. Há muita incoerência, inconsistência e até jogos baixos. Como dizem alguns, em política nem tudo vale. E portanto, o discurso de certos líderes da oposição já cansam. Parecem pior do que os músicos de uma só nota.
A oposição merecia melhor do que o discurso deslavado com a retórica já sem sal nem pimenta da fraude eleitoral e do entendimento discursivo sobre o gradualismo da implementação do poder local, da composição da Comissão Nacional Eleitoral ou da revisão da Constituição.
Se regional ou funcional é assunto em cima da mesa e que até está na fase de auscultação de toda a sociedade, sem exclusões, portanto, com os partidos políticos incluídos. Mesmo antes do assunto ser levado à Assembleia Nacional para debate e aprovação.
Mas mesmo na política tem de haver limites, como em tudo na vida. Pedir que se faça um novo registo eleitoral por causa das autarquias e que isso se pague com o diferencial do petróleo, não lembra nada, nem ninguém. Não pode ser de gente séria.
O país está a entrar numa nova fase e aparece-nos um líder iluminado a pedir que o Governo gaste o dinheiro das reservas internacionais líquidas com um novo registo eleitoral? Mas assim é para levar à sério?
Às vezes fica-se com a sensação que merecíamos melhor sorte. Com melhores políticos (na oposição e na situação) e endinheirados mais patriotas.