Um drama vergonhoso
Segundo os últimos números da Organização Internacional de Migrações, quase 560 mil pessoas chegaram desde o início do ano à Europa através do Mediterrâneo, mar que foi fatal para 2.987 pessoas, quase três quartos do total de 4.093 migrantes que morreram em todo o mundo desde 2015
O mundo teima em encolher os ombros e fechar os olhos para o drama sem tamanho que quase diariamente se regista no mar Mediterrâneo, que se está rápida e dramaticamente a transformar num imenso cemitério onde repousam para sempre milhares de migrantes africanos, juntamente com os seus sonhos.
O que se passou há uma semana em pleno alto mar com 629 pessoas, entre as quais numerosas mulheres grávidas e crianças, migrantes africanos em busca do sonho que lhes foi vendido a preço de ouro por meia dúzia de bandidos, é assunto que ainda fará correr muita tinta e deveria corar de vergonha – se a tivessem – todos os que podendo fazer alguma coisa de positivo, optaram simplesmente por nada fazer.
Todas as promessas de cooperação e bom relacionamento feitas pela Europa aos africanos, se mostram vazias de conteúdo prático quando a realidade dos factos obriga não a palavras, mas a actos.
E, se em causa estiverem questões humanitárias, esses actos têm que ter a mesma rapidez como aquela em que as promessas são feitas.Há uma semana, as novas autoridades políticas italianas, originárias da extrema direita, ao negarem que o navio Aquarius atracasse nos seus portos com 629 migrantes africanos a bordo, sem cuidar de saber a situação humanitária em que se encontravam, deram um mau exemplo prático daquilo que têm sido as suas palavras de apoio e de cooperação com o continente africano.
Segundo os últimos números da Organização Internacional de Migrações, quase 560 mil pessoas chegaram desde o início do ano à Europa através do Mediterrâneo, mar que foi fatal para 2.987 pessoas – quase três quartos do total de 4.093 migrantes que morreram em todo o mundo desde 2015 até agora.
Recentemente, as Nações Unidas decidiram a aplicação de sanções a um grupo perfeitamente identificado, mas estranhamente reduzido, de pessoas que fazem parte de uma rede de tráfico humano que é responsável, na Líbia, por receber e encaminhar milhares de migrantes africanos para a Europa.
De acordo com as Nações Unidas, existem fortes e sustentadas suspeitas de que essa rede tem importantes ramificações na Europa, onde os migrantes que conseguem driblar a morte e a insensibilidade política e moral de governos que nada sabem da história, entram no mercado de trabalho clandestino como mão de obra barata, nalguns casos escrava.
Porém, seria injusto não reconhecer que muitas das agruras porque passam os migrantes africanos resultam, fundamentalmente, da incapacidade dos países de onde são originários criarem as condições para que eles deixem de sonhar com a Europa.
Ao não fazerem o que deviam para dar ao seu povo aquilo que ele necessita para viver, esses líderes estão a contribuir directamente para a sua morte, com a agravante de não resistirem depois à tentação de apontar o dedo aos países que se recusam a aceitar esses migrantes.
Na recente cimeira África-Europa, realizada em Abidjan, o assunto foi debatido tendo sido consensual a ideia de que os países africanos deveriam trabalhar no sentido de criarem as condições para evitar, ou diminuir, a fuga de migrantes.
A União Europeia, parte interessada no assunto, disse mesmo que estava disposta a subsidiar programas para a criaçãodeumtampãoqueevitasseasuafugaparaaEuropa.
Os meses foram passando e recentemente um responsável da União Europeia, Donald Tusk, veio a público dizer que ainda não havia chegado à sede da organização um único programa capaz de ser devidamente subsidiado de acordo com o que ficou estipulado em Abidjan.
Significa isto dizer que neste drama sem tamanho, os únicos inocentes parecem ser mesmo os migrantes que sem esperança de vida nos seus países, assumem o risco demorrernomeiodoMediterrâneo,umdramavergonhoso que se agrava a cada dia que passa.