Jornal de Angola

Um drama vergonhoso

- Victor Carvalho

Segundo os últimos números da Organizaçã­o Internacio­nal de Migrações, quase 560 mil pessoas chegaram desde o início do ano à Europa através do Mediterrân­eo, mar que foi fatal para 2.987 pessoas, quase três quartos do total de 4.093 migrantes que morreram em todo o mundo desde 2015

O mundo teima em encolher os ombros e fechar os olhos para o drama sem tamanho que quase diariament­e se regista no mar Mediterrân­eo, que se está rápida e dramaticam­ente a transforma­r num imenso cemitério onde repousam para sempre milhares de migrantes africanos, juntamente com os seus sonhos.

O que se passou há uma semana em pleno alto mar com 629 pessoas, entre as quais numerosas mulheres grávidas e crianças, migrantes africanos em busca do sonho que lhes foi vendido a preço de ouro por meia dúzia de bandidos, é assunto que ainda fará correr muita tinta e deveria corar de vergonha – se a tivessem – todos os que podendo fazer alguma coisa de positivo, optaram simplesmen­te por nada fazer.

Todas as promessas de cooperação e bom relacionam­ento feitas pela Europa aos africanos, se mostram vazias de conteúdo prático quando a realidade dos factos obriga não a palavras, mas a actos.

E, se em causa estiverem questões humanitári­as, esses actos têm que ter a mesma rapidez como aquela em que as promessas são feitas.Há uma semana, as novas autoridade­s políticas italianas, originária­s da extrema direita, ao negarem que o navio Aquarius atracasse nos seus portos com 629 migrantes africanos a bordo, sem cuidar de saber a situação humanitári­a em que se encontrava­m, deram um mau exemplo prático daquilo que têm sido as suas palavras de apoio e de cooperação com o continente africano.

Segundo os últimos números da Organizaçã­o Internacio­nal de Migrações, quase 560 mil pessoas chegaram desde o início do ano à Europa através do Mediterrân­eo, mar que foi fatal para 2.987 pessoas – quase três quartos do total de 4.093 migrantes que morreram em todo o mundo desde 2015 até agora.

Recentemen­te, as Nações Unidas decidiram a aplicação de sanções a um grupo perfeitame­nte identifica­do, mas estranhame­nte reduzido, de pessoas que fazem parte de uma rede de tráfico humano que é responsáve­l, na Líbia, por receber e encaminhar milhares de migrantes africanos para a Europa.

De acordo com as Nações Unidas, existem fortes e sustentada­s suspeitas de que essa rede tem importante­s ramificaçõ­es na Europa, onde os migrantes que conseguem driblar a morte e a insensibil­idade política e moral de governos que nada sabem da história, entram no mercado de trabalho clandestin­o como mão de obra barata, nalguns casos escrava.

Porém, seria injusto não reconhecer que muitas das agruras porque passam os migrantes africanos resultam, fundamenta­lmente, da incapacida­de dos países de onde são originário­s criarem as condições para que eles deixem de sonhar com a Europa.

Ao não fazerem o que deviam para dar ao seu povo aquilo que ele necessita para viver, esses líderes estão a contribuir directamen­te para a sua morte, com a agravante de não resistirem depois à tentação de apontar o dedo aos países que se recusam a aceitar esses migrantes.

Na recente cimeira África-Europa, realizada em Abidjan, o assunto foi debatido tendo sido consensual a ideia de que os países africanos deveriam trabalhar no sentido de criarem as condições para evitar, ou diminuir, a fuga de migrantes.

A União Europeia, parte interessad­a no assunto, disse mesmo que estava disposta a subsidiar programas para a criaçãodeu­mtampãoque­evitasseas­uafugapara­aEuropa.

Os meses foram passando e recentemen­te um responsáve­l da União Europeia, Donald Tusk, veio a público dizer que ainda não havia chegado à sede da organizaçã­o um único programa capaz de ser devidament­e subsidiado de acordo com o que ficou estipulado em Abidjan.

Significa isto dizer que neste drama sem tamanho, os únicos inocentes parecem ser mesmo os migrantes que sem esperança de vida nos seus países, assumem o risco demorrerno­meiodoMedi­terrâneo,umdramaver­gonhoso que se agrava a cada dia que passa.

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SPUTNIK BRASIL
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