As eleições autárquicas e os direitos de antena em Angola
O recente debate sobre os tempos de antena para as eleições autárquicas sinaliza para a necessidade de adaptação da sociedade às mudanças na estrutura administrativa após quarenta e dois anos de administração centralizada.
Trazido à debate como um dos temas fulcrais, a par da polémica à volta do gradualismo, a questão que se coloca em relação aos tempos de antena é a seguinte: a emissão será feita na cadeia nacional ou restrita àcircunscrição de cada autarquia?
A resposta parece óbvia, mas toda mudança impõe adaptações e isso nem sempre é tão confortável para todos. Para facilitar a compreensão, façamos uma breve comparação a uma situação hipotética de uma disputa para o comando de clubes de futebol em diferentes províncias. O que seria interessante para um adepto de uma agremiação do Cunene ao ponto de abandonar o debate do seu clube de futebol para acompanhar as propostas sobre uma equipa de Cabinda?
De volta às eleições autárquicas, devemos destacar não apenas que os tempos de antena devem aprofundar o debate sobre questões locais, mas sobretudo que esta perspectiva legal (CRA), e outras disposições legais em debate, formam, no seu conjunto, uma necessária regulamentação para tornar possível que todos os concorrentes possam falar aos seus eleitores específicos, através de tempos e horários devidamente estabelecidos sobre as questões locais.
Cada autarquia deve ser vista como um pequeno Estado, onde em cada debate o candidato deverá estar concentrado em apresentar propostas com a temática específica do seu público-alvo. A tão reclamada independência administrativa desafia políticos e cidadãos à construção de uma nova democracia participativa e adaptada ao debate e gestão dos temas locais.
Um outro exemplo hipotético: seria tecnicamente impossível, até mesmo pela escassez de tempo, dar a cada candidato, de cinquenta municípios diferentes, cinco minutos na cadeia nacional de rádio e televisão. Para encerrar este devaneio, basta lembrar que serão - pelo menos - cinco candidaturas em cada município. Com um pouco de conhecimento de matemática é possível concluir o óbvio: é inviável nacionalizar o debate local através dos tempos de antena.
Mas, se estes argumentos por si só não chegam para desfazer a ideia descabida de tempos de antena em cadeia nacional para as eleições autárquicas, bastaria olhar atentamente para a Constituição e interpretar correctamente o que diz o artigo 45º, de modo muito claro, sobre o assunto.
O ponto nº 1 do preceito, que tem por epígrafe “Direito de antena, de resposta e de réplica política”, dispõe que “Nos períodos de eleições gerais e autárquicas e de referendo, os concorrentes têm direito a tempos de antena nas estações de radiodifusão e de televisão públicas, de acordo com o âmbito da eleição ou do referendo, nos termos da Constituição e da lei”. Ou seja, o âmbito da eleição determina, também, o âmbito dos tempos de antena. Por conseguinte, em eleições autárquicas, o âmbito dos tempos de antena será o da amplitude da corresponde autarquia local.
Outro não pode, pois, ser o entendimento, tendo em conta que é assim que as coisas se passam também noutras realidades, até porque nós não estamos a inventar a roda. O Executivo, mais uma vez acerta ao apresentar a regionalização do debate como alternativa ao desnecessário e inviável espectro nacional, inexplicavelmente defendido pelos partidos da oposição. Aqui, mais uma vez temos um clássico exemplo de tentativa de confundir a opinião pública através de ideias esdrúxulas e completamente incompatíveis com aquilo que costumamos chamar de racionalidade.
Que os cidadãos fiquem atentos aos passos dos falsos democratas, pois o único elemento “nacional” no debate das eleições autárquicasé a certeza de que Angola é formada por um só povo e uma só Nação. O respeito aos aspectos locais deve ser entendido como uma oportunidade de nos fortalecermos na riqueza da diversidade que possuímos. Debater temas locais é a grande oportunidade que temos para o aperfeiçoamento da nossa democracia. Que o povo saiba fazer as melhores escolhas e que todos sejam vencedores neste novo desafio.