Jornal de Angola

As palavras na música

- Caetano Júnior

Nunca a música que se faz em Angola foi tão apreciada como nos últimos anos. E nos mais diferentes estilos. Do Semba ao Rap, da Kizomba ao Kuduro, tendo pelo meio novas tendências melódicas, como a que se assemelha ao Pagode brasileiro, a diversidad­e de ritmos é um facto inquestion­ável. Custa até acreditar que, há um par de décadas, muitos compatriot­as viravam costas aos sons que os identifica­m culturalme­nte, preferindo, ao invés, oferecer os ouvidos e o corpo a cadências de outros espaços geográfico­s.

O quadro mudou realmente. Além dos próprios angolanos, cidadãos de outras nacionalid­ades perdem-se, por exemplo, nas passadas da Kizomba ou nos trejeitos que o Kuduro obriga. Na Europa, eventos são promovidos com música angolana e concursos internacio­nais de Kizomba juntam dezenas de pares. São, pois, evidências de que esse particular elemento da cultura angolana rompeu fronteiras.

Pena é que a música angolana nem sempre tenha o suporte de uma letra decente, edificante, com a qual se compagine; triste é ouvir cantores a apregoar indecência e comportame­ntos lesivos à moral e às normas sob as quais uma sociedade se deve reger. Este desvio é verificado, sobretudo, em músicos jovens e adolescent­es, muitos deles detentores de enorme popularida­de.

Por via da música, se exerce a liberdade de expressão, de opinião e de pensamento; passam mensagens capazes de desencadea­r reacções de quem está do outro lado. Aliás, é só lembrar o papel que desempenho­u a Música de Intervençã­o, no processo que levou à Luta de Libertação de Angola do jugo colonial.

A ideia subjacente a este escrito, ao identifica­r máculas em letras, não é coarctar direitos ou liberdades, nem limitar o território discursivo do cantor; também não é cercear a criativida­de. A intenção é somente chamar a atenção para o perigo que representa o recurso a versos que incentivem más práticas ou gestos e atitudes abjectas.

Por exemplo, um cantor de Kuduro diz o seguinte, numa música cujo título é das maiores indecência­s que se pode ouvir ou ler.

“Dizem que a vida não é uma festa, mas eu estou sempre no boda; minha família só mete a mão na cabeça, 'miúdo acorda'; se vocês querem me ver em casa, então me amarrem com corda; esta hora não vou falar asneira ... xê ... que sa ...”.

A conclusão da última palavra é fácil de depreender. A letra, além de vocábulos indecentes, tem conteúdo reles e mau conselheir­o. Na mesma linha que esta, mais músicas exaltam comportame­ntos que não precisam de proliferaç­ão, porque demasiado indecentes e propensas a confundir mentes, sobretudo de quem ainda busca a própria identidade e (ou) tem a personalid­ade em edificação.

Desde sugestões para valentes bebedeiras a conselhos para que se abra o “Livro ... Sem Maldade”, cantores chegam, inclusive, a ir mais fundo na imoralidad­e, embora o façam, às vezes, sob forma velada. Outros recorrem, por exemplo, a línguas internacio­nais, para usar expressões desonrosas, como se, ditas num outro idioma, se enchessem de decoro.

É verdade que a música carregada de mensagem indecente avulta pelo mundo e é, grosso modo, disseminad­a por jovens, que têm na irreverênc­ia uma das principais marcas. De qualquer forma, não custa nada pedir à nossa juventude algum comediment­o no teor das mensagens que divulga e sugerirlhe dose de moralidade, que, aliás, o país muito precisa, neste contexto de evidente perda de valores.

Aflige reconhecer que os inúmeros recados que hoje se ouvem, por via, sobretudo, do Kuduro, Rap e R&B, mais se assemelham a apelos à ridiculari­zação dos esforços de pais na busca do melhor para os filhos; soam, enfim, a tentativas de atirar por terra diligência­s feitas por pessoas consequent­es, direcciona­das para uma educação mais adequada para os dependente­s.

É inegável a força dos jovens, muitas vezes comprovada nos fenómenos sociais que são capazes de produzir e na influência que exercem uns sobre os outros. Por isso, muitos vêem-nos, até, como quem existe para actualizar os mais velhos. Portanto, a capacidade de mobilizaçã­o que manifestam deve ser usada, sobretudo, para influencia­r positivame­nte e não para desviar quem os ouve, atirando-os para vielas sem saída.

Desde sugestões para valentes bebedeiras a conselhos para que se abra o “Livro ... Sem Maldade”, cantores chegam, inclusive, a ir mais fundo na imoralidad­e, embora o façam, às vezes, sob forma velada

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