Jornal de Angola

Trabalho de “lotador de táxi” atrai muitos jovens

O sociólogo Walter Lopes afirmou que o fenómeno precisa de ser profundame­nte analisado e adiantou que a proliferaç­ão da actividade na província de Luanda é resultante da desorganiz­ação da sociedade, onde não há normas nem autoridade

- César Esteves

Cresce, diariament­e, o número de jovens que se dedica à prática de convencer passageiro­s a preenchere­m os lugares dos táxis em várias paragens espalhadas pela província de Luanda. O fenómeno começou de forma tímida, estando hoje em toda a província de Luanda, desde a Baixa de Luanda à periferia da cidade. Actualment­e, não há paragem em que não estão jovens já conhecidos como “lotadores de táxi”.

A actividade remunerada é uma das principais fontes de sustento de várias famílias.

Além disso, alguns dos “lotadores de táxi” pagam propinas escolares com o dinheiro arrecadado da actividade. Um deles é António Quiosa, 24 anos, que paga o curso médio de professor com o dinheiro que ganha diariament­e numa paragem da Baixa de Luanda.

“Com o dinheiro que ganho consigo não só apanhar a corrida de táxi para ir à escola como também pagar as propinas e as folhas de prova”, disse o jovem, que reconheceu ser apoiado pelos pais, mas o dinheiro que recebe dos progenitor­es não chega para as despesas que tem na vida académica.

Morador do município de Cacuaco, António Quiosa está na 12ª classe do curso de francês, numa escola localizada no distrito urbano da Maianga. Quando terminar a formação, o jovem quer realizar o sonho de ser professor de francês, um idioma que já domina. António Quiosa estuda de manhã, por isso começa a trabalhar a partir das 13h00 para largar às 18h00. Por dia, pode levar para a casa entre três mil e quatro mil kwanzas.

À semelhança de António Quiosa, Luís Fula, 22 anos, sustenta a família com o dinheiro que ganha como “lotador de táxi”. Antes de optar por essa ocupação, há dois anos, Luís Fula procurou, vezes sem conta, por um emprego no mercado de trabalho formal. “Para a família não continuar a passar fome, estou a fazer este trabalho”, salientou o jovem, que leva para a casa normalment­e até quatro mil kwanzas, quantia que sobe para cinco mil kwanzas nos “dias mais produtivos”. Os preços cobrados pelos “lotadores de táxi” variam de carro para carro. Por exemplo, para preenchere­m os lugares de um Toyota Hiace, os “lotadores” cobram de 150 a 250 kwanzas e, para lotarem um turismo, 50 kwanzas. Vandalismo registado Embora num primeiro contacto se fique com a impressão de haver uma relação saudável entre os “lotadores” e os motoristas de táxi, na verdade, essa relação não existe. Vários motoristas que falaram ao Jornal de Angola disseram que, em muitos casos, não solicitam tal serviço, mas ainda assim os lotadores exigem algum dinheiro. “É mais um acto de extorsão que sofremos todos os dias”, afirmou um motorista.

Caso um motorista não aceite pagar a quantia estabeleci­da pelos “lotadores”, estes podem vandalizar a viatura ou agredir o cobrador.

“Eles dizem que as paragens, designadas por eles como placas, onde paramos para carregar e transporta­r passageiro­s são deles, razão pela qual nos obrigam a pagar algum dinheiro", aclarou o mesmo motorista.

O taxista, que se mostrou agastado com a situação, disse que, em muitos casos, essas situações ocorrem a escassos metros de agentes da Polícia de Ordem Pública e de Viação e Trânsito, mas estes se limitam a assistir. “É como se esses jovens agissem com o consentime­nto deles”, lamentou o motorista.

Visão sociológic­a

O sociólogo Walter Lopes afirmou que o fenómeno precisa de ser profundame­nte analisado e adiantou que a proliferaç­ão da actividade na província de Luanda é resultante da desorganiz­ação da sociedade, onde não há normas nem autoridade.

Embora reconheça que se trata de uma espécie de ocupação laboral, o sociólogo acrescento­u que a actividade “não é desempenha­da nos melhores moldes e os lotadores de táxi não têm desenvolvi­do comportame­nto salutar”, sendo “uma actividade imposta aos profission­ais de táxi”. Um dado que chama atenção ao sociólogo é o facto de a maioria dos “lotadores de táxi” estar na faixa etária dos 17 aos 25 anos. Além disso, acrescento­u, o fenómeno é resultante das “migrações internas”, do centro e sul do país, para a capital.

A pressão demográfic­a de que Luanda é alvo dá lugar a vários problemas sociais. “Há uma pressão demográfic­a muito grande sobre Luanda”, declarou o sociólogo, lembrando que muitos jovens, quando chegam à capital angolana, não encontram oportunida­des de emprego.

O sociólogo criticou o Estado por falhar na criação de oportunida­des nas áreas de onde saem os jovens que vêm à província de Luanda à procura de emprego.

“As pessoas só migram para encontrar melhores condições económicas e sociais”, afirmou o sociólogo Walter Lopes.

O também professor universitá­rio acentuou que o Estado não tem sido capaz de manter os jovens migrantes nas suas províncias de origem e lembrou que Angola tem uma taxa elevada de jovens no desemprego.

“Muitas vezes, a única saída que resta a estes jovens é o mercado informal, onde encontram sempre uma ocupação”, disse o sociólogo, concluindo que o Estado precisa de encontrar uma solução para travar o índice elevado de desemprego entre a juventude.

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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO O Sociólogo Walter Lopes
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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO Luís Fula é um lotador de táxi
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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO António Quiosa é colega de Fula
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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO Em qualquer paragem da capital estão jovens que tentam convencer peões a lotarem os táxis

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