Jornal de Angola

A libertação de Pierre Bemba e o futuro da RDC

- Sebastião Vinte Cinco |*

A comemorar o 58.º aniversári­o da sua independên­cia, a República Democrátic­a do Congo, como Estado, parece não ter dado ainda qualquer passo rumo à construção da Nação congolesa, uma das aspirações que terá motivado a sua luta pela libertação do colonialis­mo belga.

Ao que tudo indica, a secessão iniciada por Moise Tshombe, para a autonomiza­ção do Katanga, terá inaugurado a “desconstru­ção” do projecto de nação congolesa, sendo que, o longo consulado de Mobutu, iniciado em 1965, não somente consolidou aquela tendência como terá ido, até, mais longe, ao diluir do imaginário colectivo dos congoleses a ideia de Estado e do seu poder de autoridade.

Diga-se, em abono da verdade, que a enorme extensão geográfica do território do ex-Zaire, que quase faz deste país um pequeno continente, torna-o praticamen­te ingovernáv­el, se o poder estiver nas mãos, como efectivame­nte esteve ou tem estado, de um grupo de pessoas sem qualquer interesse em consolidar e “levar o Estado” aos seus locais mais recônditos.

Esta realidade, mais a sua diversidad­e étnica, não ajudaram a contrariar a tendência acima referida, que o regime então instalado alimentava, numa lógica clientelis­ta, com o acirrar do fosso entre os favorecido­s pelo poder (sempre poucos) e a esmagadora maioria do povo. Terá efectivame­nte sido esta diversidad­e étnica que divide o Congo Democrátic­o em vários grupos, que durante anos se sentiram marginaliz­ados pelo poder, a que se juntou o genocídio no Rwanda e o êxodo de hutus para o Leste do país, habitado por tutsis baniamulen­gues, seus inimigos históricos, que, segurament­e, precipitou a guerra civil que levou Laurent Desiré Kabila ao poder a 17 de Maio de 1997.

Entretanto, o fim da aliança entre Kabila e os tutsis baniamulen­gues, que o haviam ajudado a ascender ao poder, teve o condão de desencadea­r a guerra civil que consolidou as diferenças étnicas, num país já cultural e economicam­ente fragmentad­o, diferenças essas que a morte de Kabila e a sua sucessão pelo filho, Joseph Kabila, em 2001, não mitiga.

Como sabemos, a guerra civil em questão prolonga-se e conhece uma “trégua” em 2003, com a criação e posse de um Governo de Transição que integrou as forças políticas com capacidade de fogo para desestabil­izar o país e do qual Jean Pierre Bemba era um dos quatro vice-presidente­s.

Findo o mandato do Governo de Transição, realizaram-se eleições a 30 de Junho de 2006, ganhas por Joseph Kabila. A legitimaçã­o deste no poder não foi objecto de aceitação por todos os actores políticos, o que manteve a posição dos vários grupos étnicos de continuare­m a resistir ao poder central.

A detenção de Jean Pierre Bemba e a sua condenação pelo Tribunal Penal Internacio­nal, em 2008, represento­u uma lufada para Joseph Kabila, que, não tendo movido uma palha, viu o seu maior adversário político sair de cena e, assim, abrir caminho para a sua continuaçã­o no poder.

A libertação de Bemba, a tempo de se apresentar como candidato do MLC à Presidente da República, vem alterar sobremanei­ra a cena política congolesa, cujo futuro passa agora pela realização de eleições, agendadas para 23 de Dezembro de 2018, com resultados incontestá­veis ou pela perpetuaçã­o da guerra civil, que muito provavelme­nte deflagrará, se Joseph Kabila não cumprir com o que resulta da Constituiç­ão e dos compromiss­os políticos assumidos no sentido de não violar a Carta Magna no quesito limite de mandatos e incapacida­de eleitoral que o torna, nesse momento, inelegível.

Perante o cenário, muito provável, de quebra, por Joseph Kabila, do compromiss­o assumido, o “caminho” para Jean Pierre Bemba, único candidato com aceitação popular suficiente para aspirar ao posto presidenci­al, estreitar-se-á.

Tudo parece indicar que o estreitame­nto do “caminho” para Bemba chegar a Presidente da República Democrátic­a do Congo levará a uma solução que passará pelo conflito armado, uma vez que muito dificilmen­te este estará na disponibil­idade de esperar pela concretiza­ção do seu maior objectivo enquanto político para os próximos anos.

Assim, restam poucas dúvidas de que o futuro do Congo Democrátic­o passa hoje incontorna­velmente por JeanPierre Bemba.

Tudo parece indicar que o estreitame­nto do “caminho” para Bemba chegar a Presidente da República Democrátic­a do Congo levará a uma solução que passará pelo conflito armado

* Advogado

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