A mentira desportiva
Em tempo de Mundial, sobretudo de futebol, tudo é diferente. São diferentes os horários dos adeptos, que se ajustam aos dos principais desafios e são diferentes, também, as escolhas que se fazem para preencher os diferentes espaços de opinião.
Mesmo eu, adepto incondicional do rugby, modalidade que pratiquei e que por ser nobre não aceita portuguesismos na escrita – rabiscar râguebi não é a, decididamente, a mesma coisa que escrever rugby – não consigui escapar à tentação de me deixar seduzir pelo fascínio mediático de um Mundial de futebol.
Independentemente dos malabarismos que Messi teimou até ao fim da fase de grupos em reservar para só exibir ao serviço do Barcelona, do devorador apetite que Cristiano Ronaldo teima em mostrar pelos golos, ao apagão exibicional de Neymar que teima em confundir futebol com mergulhos para a piscina e à hecatombe que se abateu sobre a Alemanha, campeã em título depois de uns esmagadores 7-1 sobre o Brasil, obtidos há quatro anos no próprio país do Samba, o que mais tem chamado a atenção é a inqualificável falta de verdade desportiva que tem manchado a competição.
Apesar do Mundial estar a decorrer na Rússia, convém desde já dizer que Vladimir Putin – por muito que não se queira – está completamente ilibado de responsabilidades da pouca vergonha a que se assistiu, sobretudo nos jogos em que intervieram equipas africanas e que ajudam a exemplificar a referida falta de verdade desportiva.
Como se não bastassem as habituais e já mesmo crónicas incapacidades das selecções africanas em se adaptarem às pressões que envolvem as grandes competições internacionais, que no caso de um Mundial são fatais quando se traduzem em desconcentrações nos momentos das grandes decisões, para este ano a FIFA arranjou mais dois instrumentos, o VAR e figura do Fair Play, que ajudaram a mandar mais cedo de volta dois dos mais ilustres representantes do continente africano na prova.
Se no caso do VAR, a sua decisiva contribuição para a quantificação dos casos de falta de verdade desportiva é maior, já na aplicação do critério de Fair Play para punir as equipas mais amareladas pelos árbitros, a sua introdução na prova pareceu muito mais selectiva servindo, apenas, para vergastar uma selecção: o Senegal.
O VAR, criado para ajudar os árbitros a ajuizarem com maior rigor a legalidade dos lances de principais dúvidas, tem sido um instrumento que tem ajudado a FIFA a “seleccionar” as equipas que melhor servem os seus “interesses”.
Só assim e em rigor se pode explicar que dois lances idênticos, depois de repassados pelo VAR, tenham tido decisões diferentes. Ou seja, uma bola que vai da cabeça de um avançado do Irão para a mão de um defesa português é grande penalidade, mas quando uma outra bola vai da cabeça de um avançado da Nigéria para a mão de um defesa argentino, é lance é meramente casual, pouco importando que tenha custado a eliminação de uma equipa africana.
Para lá da inquestionável parcialidade do VAR, este Mundial introduziu uma outra novidade que dá pelo nome de Fair Play, um outro instrumento que apenas serviu para eliminar uma selecção africana, neste caso o Senegal que no desempate com o Japão ficou a perder por ter sido a mais amarelada, um critério que deixa ao livre arbítrio dos juízes de campo e do VAR a atribuição de cartões.
Como se essas novas tecnologias não fossem razão suficiente para driblar a representação africana na Rússia, temos ainda que lamentar o crónico azar de Marrocos que nos três jogos que disputou não foi inferior ao Irão, Espanha e Portugal, e a arreliadora lesão mal curada do “faraó” Salah, que deixou os seus méritos nos pés dos adversários.
Tudo isto conjugado, mais a atrapalhação evidenciada pelas equipas na hora da verdade, dá como resultado a mais fraca participação africana num Mundial ao longo dos últimos 36 anos.
Resta-nos agora assistir na poltrona aos restantes desafios, que não tendo já o calor de uma participação africana, mantêm o colorido e a emoção da grande festa do futebol.
Como nota e rodapé e apesar de progósticos certos só se deveriam fazer no final dos jogos, a série televisiva “Simpson’s” aposta numa final entre Portugal e o México, enquanto a circunspecta “Goldman Sachs” aposta num duelo entre o Brasil e a Inglaterra para a atribuição do título.