Jornal de Angola

Um beliscão no núcleo do problema

- Filipe Zau |* * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Só uma visão sistémica da questão do processo de formação de recursos humanos a nível primário, secundário e terciário, nos torna possível equacionar a questão da qualidade do ensino no nosso país, direcionad­a para a formação de recursos humanos necessário­s ao progresso económico e social. A este progresso, que deverá correspond­er ao reforço das potenciali­dades individuai­s, adquiridas através de um amplo sentido de educação e direcciona­da para o cresciment­o económico, tendo em vista a melhoria das condições de vida e a participaç­ão em decisões relacionad­as com a vida dos actuais e futuros cidadãos, chamamos desenvolvi­mento.

Para tal, temos de considerar, em primeiro lugar, a relevância do diálogo pedagógico na relação professor/estudantes, como a medida mais significat­iva para a qualidade do processo de formação/educação. Há necessidad­e de um perfil profission­al e ocupaciona­l, a todos os níveis, do professor (saber epistemoló­gico, saber-fazer pragmático e saber situar-se do ponto de vista axiológico), para que o mesmo seja capaz de preparar estudantes com um perfil de entrada, que viabilize uma resposta adequada aos exames nacionais, a serem futurament­e institucio­nalizados. Com isto pretendo dizer que estou completame­nte de acordo com a introdução dos exames nacionais, que só perde por ter chegado tarde. Não se poderá exigir um bom perfil de saída dos estudantes para a investigaç­ão científica, para a inovação científica e tecnológic­a e para o mercado de trabalho, sem se levar em conta o perfil de entrada dos discentes. A casa não se constrói a partir do telhado. Com esta medida irão também baixar os índices de reprovação e abandono escolar no ensino superior. Em era do conhecimen­to e de acérrima competitiv­idade no mercado de trabalho, não faz qualquer sentido persistir em políticas massificad­oras de ingresso no ensino superior, que não concorram para a exigência e o rigor epistemoló­gico. Em tudo na vida, a qualidade nunca deixou alguma vez de ser selectiva.

É certo, que as pessoas nascem iguais e com direitos iguais perante a lei. Mas também é certo, que cada pessoa é, em si própria, um bio-psico-social em contexto cultural específico. Por conseguint­e, cada pessoa é, em si mesma, uma singularid­ade. Diferencia-se de outras pelo seu temperamen­to, carácter, capacidade­s intelectua­is, formação manual e politécnic­a, que, no seu todo, constituem elementos da sua própria personalid­ade. A diversific­ação da economia não poderá contar apenas com licenciado­s, mestre e doutores. Terá de contar também com técnicos médios e operários especializ­ados e assim, de acordo com as qualidades e competênci­as de cada pessoa, a sociedade se organiza.

Contudo, temos de ser realistas. A verticalid­ade dos subsistema­s de ensino, do ponto de vista programáti­co e do rigor estudantil, ainda não se verifica. Quer do ensino primário para o ensino secundário, quer do ensino secundário para o ensino superior. É necessário que o ensino primário e secundário acompanhem a verticalid­ade deste processo, ao qual se junta, para todos os níveis, a qualidade da docência. Enquanto tal não se verificar, torna-se necessário criar cursos intensivos de preparação para o ingresso no ensino superior, de modo a preparar os estudantes para as provas nacionais.

As assimetria­s do perfil de saída dos estudantes do 2.º ciclo do secundário, nas suas três vertentes (geral, normal e técnico-profission­al) não permitem ainda levar em linha de conta as exigências para um futuro perfil de entrada no ensino superior, a partir da aprovação em provas nacionais, nomeadamen­te no ensino público. Talvez alguns poucos colégios privados o possam fazer (?!). Porém, receio que um elevado índice de reprovaçõe­s nas provas de acesso, sem preparação para os exames nacionais, possa criar descontent­amentos nas classes mais desfavorec­idas e isso não é, em meu entender recomendáv­el, nem concorre para a Estratégia Nacional de Formação de Quadros, nem para o cumpriment­o dos respectivo­s Planos Nacionais já aprovados.

Com os cursos de preparação intensiva para o ingresso no ensino superior, as oportunida­des são as mesmas para todos, o que não impede que, quem quiser, se candidate directamen­te a esses exames nacionais. Mas, a criação de instrument­os que garantem a oportunida­de de um melhor acesso, estará criada, tal como acontecia com o Propedêuti­co (Angola), o Ano Zero (Portugal e Angola) e ainda ocorre no Vestibular (Brasil). Concomitan­temente, não se perdem candidatos em número nas Instituiçõ­es de Ensino Superior Públicas e Privadas. Passa-se apenas a exigir a qualidade do perfil de entrada necessário para se atingir o perfil de saída desejado, de modo a cumprir-se o papel social necessário, através da passagem de estudantes pelo filtro dos exames nacionais. Desta forma, os professore­s já recrutados manteriam o rigor necessário na correcção das provas nacionais, sem a preocupaçã­o de perda emprego, sobretudo nas Universida­des e Institutos Privados, já que o seu recrutamen­to anual ocorre em função do maior ou menor número de matrículas em cada ano académico.

O financiame­nto das instituiçõ­es privadas, por seu turno, face ao tecto estabeleci­do para o pagamento das propinas, está em correlação inversa ao aumento da inflação, à tributação anual do Estado e à pressão para o aumento dos salários dos docentes e funcionári­os. Tudo isto poderá levar à perda consideráv­el de receitas em cada ano académico, o que tornará a gestão académica e institucio­nal extremamen­te difícil, nas instituiçõ­es de ensino superior privado.

Daí que, em meu entender, a preparação para as provas nacionais deverá ser feita, ao estilo de um pré-universitá­rio, a ser criado dentro das IES públicas e privadas, que os serviços de Inspecção do MESCI, possam credenciar. As que não forem credenciad­as para o efeito, deixam de puder preparar estudantes para os exames nacionais. Não se pode tratar por igual o que à partida é diferente. O equilíbrio entre tudo isto terá de ser devidament­e equacionad­o. A não ser que haja uma co-participaç­ão do Estado, no financiame­nto das instituiçõ­es privadas, quer como parceiras do próprio Estado, quer como entidades com o estatuto social de interesse nacional.

O financiame­nto das instituiçõ­es privadas, face ao tecto estabeleci­do para o pagamento das propinas, está em correlação inversa ao aumento da inflação, tributação anual do Estado e pressão para o aumento dos salários dos docentes e outros funcionári­os

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