Um beliscão no núcleo do problema
Só uma visão sistémica da questão do processo de formação de recursos humanos a nível primário, secundário e terciário, nos torna possível equacionar a questão da qualidade do ensino no nosso país, direcionada para a formação de recursos humanos necessários ao progresso económico e social. A este progresso, que deverá corresponder ao reforço das potencialidades individuais, adquiridas através de um amplo sentido de educação e direccionada para o crescimento económico, tendo em vista a melhoria das condições de vida e a participação em decisões relacionadas com a vida dos actuais e futuros cidadãos, chamamos desenvolvimento.
Para tal, temos de considerar, em primeiro lugar, a relevância do diálogo pedagógico na relação professor/estudantes, como a medida mais significativa para a qualidade do processo de formação/educação. Há necessidade de um perfil profissional e ocupacional, a todos os níveis, do professor (saber epistemológico, saber-fazer pragmático e saber situar-se do ponto de vista axiológico), para que o mesmo seja capaz de preparar estudantes com um perfil de entrada, que viabilize uma resposta adequada aos exames nacionais, a serem futuramente institucionalizados. Com isto pretendo dizer que estou completamente de acordo com a introdução dos exames nacionais, que só perde por ter chegado tarde. Não se poderá exigir um bom perfil de saída dos estudantes para a investigação científica, para a inovação científica e tecnológica e para o mercado de trabalho, sem se levar em conta o perfil de entrada dos discentes. A casa não se constrói a partir do telhado. Com esta medida irão também baixar os índices de reprovação e abandono escolar no ensino superior. Em era do conhecimento e de acérrima competitividade no mercado de trabalho, não faz qualquer sentido persistir em políticas massificadoras de ingresso no ensino superior, que não concorram para a exigência e o rigor epistemológico. Em tudo na vida, a qualidade nunca deixou alguma vez de ser selectiva.
É certo, que as pessoas nascem iguais e com direitos iguais perante a lei. Mas também é certo, que cada pessoa é, em si própria, um bio-psico-social em contexto cultural específico. Por conseguinte, cada pessoa é, em si mesma, uma singularidade. Diferencia-se de outras pelo seu temperamento, carácter, capacidades intelectuais, formação manual e politécnica, que, no seu todo, constituem elementos da sua própria personalidade. A diversificação da economia não poderá contar apenas com licenciados, mestre e doutores. Terá de contar também com técnicos médios e operários especializados e assim, de acordo com as qualidades e competências de cada pessoa, a sociedade se organiza.
Contudo, temos de ser realistas. A verticalidade dos subsistemas de ensino, do ponto de vista programático e do rigor estudantil, ainda não se verifica. Quer do ensino primário para o ensino secundário, quer do ensino secundário para o ensino superior. É necessário que o ensino primário e secundário acompanhem a verticalidade deste processo, ao qual se junta, para todos os níveis, a qualidade da docência. Enquanto tal não se verificar, torna-se necessário criar cursos intensivos de preparação para o ingresso no ensino superior, de modo a preparar os estudantes para as provas nacionais.
As assimetrias do perfil de saída dos estudantes do 2.º ciclo do secundário, nas suas três vertentes (geral, normal e técnico-profissional) não permitem ainda levar em linha de conta as exigências para um futuro perfil de entrada no ensino superior, a partir da aprovação em provas nacionais, nomeadamente no ensino público. Talvez alguns poucos colégios privados o possam fazer (?!). Porém, receio que um elevado índice de reprovações nas provas de acesso, sem preparação para os exames nacionais, possa criar descontentamentos nas classes mais desfavorecidas e isso não é, em meu entender recomendável, nem concorre para a Estratégia Nacional de Formação de Quadros, nem para o cumprimento dos respectivos Planos Nacionais já aprovados.
Com os cursos de preparação intensiva para o ingresso no ensino superior, as oportunidades são as mesmas para todos, o que não impede que, quem quiser, se candidate directamente a esses exames nacionais. Mas, a criação de instrumentos que garantem a oportunidade de um melhor acesso, estará criada, tal como acontecia com o Propedêutico (Angola), o Ano Zero (Portugal e Angola) e ainda ocorre no Vestibular (Brasil). Concomitantemente, não se perdem candidatos em número nas Instituições de Ensino Superior Públicas e Privadas. Passa-se apenas a exigir a qualidade do perfil de entrada necessário para se atingir o perfil de saída desejado, de modo a cumprir-se o papel social necessário, através da passagem de estudantes pelo filtro dos exames nacionais. Desta forma, os professores já recrutados manteriam o rigor necessário na correcção das provas nacionais, sem a preocupação de perda emprego, sobretudo nas Universidades e Institutos Privados, já que o seu recrutamento anual ocorre em função do maior ou menor número de matrículas em cada ano académico.
O financiamento das instituições privadas, por seu turno, face ao tecto estabelecido para o pagamento das propinas, está em correlação inversa ao aumento da inflação, à tributação anual do Estado e à pressão para o aumento dos salários dos docentes e funcionários. Tudo isto poderá levar à perda considerável de receitas em cada ano académico, o que tornará a gestão académica e institucional extremamente difícil, nas instituições de ensino superior privado.
Daí que, em meu entender, a preparação para as provas nacionais deverá ser feita, ao estilo de um pré-universitário, a ser criado dentro das IES públicas e privadas, que os serviços de Inspecção do MESCI, possam credenciar. As que não forem credenciadas para o efeito, deixam de puder preparar estudantes para os exames nacionais. Não se pode tratar por igual o que à partida é diferente. O equilíbrio entre tudo isto terá de ser devidamente equacionado. A não ser que haja uma co-participação do Estado, no financiamento das instituições privadas, quer como parceiras do próprio Estado, quer como entidades com o estatuto social de interesse nacional.
O financiamento das instituições privadas, face ao tecto estabelecido para o pagamento das propinas, está em correlação inversa ao aumento da inflação, tributação anual do Estado e pressão para o aumento dos salários dos docentes e outros funcionários