Jornal de Angola

Jornalismo versus segurança pública

- * Director de Comunicaçã­o Institucio­nal. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicaçã­o Social Eduardo Magalhães |*

Os verbos informar e violar rimam, mas não são compatívei­s. Quando a comunicaçã­o social abandona a ética e a deontologi­a, a primeira vítima é o cidadão. É preciso repudiar a prática jornalísti­ca que fere os direitos de personalid­ade e que, sob argumentos completame­nte incoerente­s, viola princípios constituci­onais como o da presunção da inocência. Entrevista­s e reportagen­s não são peças jurídicas, e a televisão não é um tribunal para julgar e condenar pessoas. O acto de acusar alguém de ter cometido crime, quando alguém está a ser investigad­o, por exemplo, jamais poderá ser visto como uma prática jornalísti­ca. Isto é, antes de tudo, um crime. O bom jornalismo não pode – de acordo com o princípio da presunção da inocência – sequer expor uma pessoa até que ela seja julgada. A imprensa exerce um papel importante para evitar a exposição de inocentes. Assim como nos casos de países como os EUA, por exemplo, em que há casos de pessoas inocentes que são condenadas à pena de morte, a exposição de um cidadão, antes de comprovada a prática de um crime, pode representa­r o assassinat­o de uma reputação. A cobertura jornalísti­ca das ocorrência­s criminosas deve evitar na totalidade o apelo à exposição de acusados de crime ainda sob investigaç­ão, sem uma condenação formal, e das vítimas da violência nas suas mais variadas formas. É preciso olhar também para os riscos da irresponsa­bilidade na apuração e divulgação dos factos e personagen­s, pois a apologia da violência ou idolatria de falsos heróis também constituem sérios transtorno­s para os cidadãos que assistem ou consomem este tipo de conteúdo. Alguns exemplos de violação de Direitos fundamenta­is na televisão, por exemplo, devem ser destacados. Entre eles estão os seguintes: 1. Desrespeit­o ao princípio da presunção de inocência; 2. Incitação ao crime, à violência e à desobediên­cia às leis ou às decisões judiciais; 3. Exposição indevida de pessoas e famílias; 4. Discurso de ódio e preconceit­o; 5. Identifica­ção de menores nos casos de violação do direito ao silêncio, tortura psicológic­a e tratamento degradante. Para evitar isso, precisamos apenas de respeitar as leis já em vigor no nosso país. É preciso reinventar o modelo angolano do jornalismo policial. Com o advento da Internet, por exemplo, e o acesso mais fácil aos elementos da comunicaçã­o, devemos pensar menos na violência (efeito) e trabalhar mais a segurança pública (causa). Há países onde a imprensa e os poderes públicos fazem pactos para o tratamento informativ­o das matérias ligadas à criminalid­ade, dispensand­o o recurso ao sensaciona­lismo e primando por algum critério para a apresentaç­ão de um bom conteúdo sobre as ocorrência­s criminais do dia-a-dia. É um grande equívoco optar por dar visibilida­de mediática apenas à criminalid­ade violenta. Nos países subdesenvo­lvidos, com sociedades problemáti­cas do ponto de vista do seu desempenho socioeconó­mico e moral, essa questão deve ser tratada com responsabi­lidade, rigor e elevados padrões de profission­alismo. Nós, angolanos, somos capazes de criar a nossa própriaesc­oladejorna­lismocomba­senosnosso­svalores sócio-culturais, tradições e hábitos e não ir a reboque de modelos ou maus exemplos externos, planeados para outras realidades muito distantes da nossa. Por tudo isso, é necessário que a prática jornalísti­ca aplicada à cobertura das ocorrência­s criminosas melhore o trabalho oferecido e beneficie o púbico-alvo: a sociedade. É preciso, antes de tudo, respeitar os direitos e deveres de todos e abandonar o sensaciona­lismo, pois julgar e condenar são papéis da Justiça, não da Imprensa.

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FRANCISCO BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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