Os chefes e nós
Se os melhores dentre eles fossem objectos seriam copos de vidro ou bibelôs: os bons chefes que tivemos ajudaram-nos a descobrir os segredos, as coisas “não ditas” e as técnicas para tratar, com a maior celeridade e eficiência, os dossiers e, à toda hora e em todas as circunstâncias, aspirarmos a ser úteis à instituição em que trabalhamos e, fora delas, sermos autónomos, criativos e livres pensadores.
Uma vez que, no geral, não são avaliados pela sua eficiência, nem trabalham com afinados critérios de produtividade e tendem a posicionar-se e a comportar-se como se fosse os “sobas da aldeia”, os chefes não costumam gozar de boa fama. Muitos deles têm de chefe apenas a soberba, a elegância como vestem e a arrogância na fala: falta-lhes conhecimento, liderança e a capacidade de escutar. Cada um no seu posto, repartição, empresa ou instituição, ao longo dos anos, já teve vários chefes e, de algum modo, todos eles, para o bem e para o mal, contribuíram para que sejamos os profissionais que somos hoje. Adquirimos as virtudes de uns e os defeitos de outros: preferível será sempre ter critério e não embarcar em posturas básicas e improdutivas de muitos deles. Ainda assim, no fundo, muitos gostaríamos de ser um deles, porque ser chefe, no nosso país, é ainda uma das vias para singrar na vida. Ser chefe é como se martelássemos pregos na madeira: é a via definitiva, quando entram custam a sair, o mais que pode acontecer é que deixem de ser chefes num sítio para irem ser no outro. Não deveria ser assim, mas acontece amiúde e tem a sua dose de lógica e do contrário: faz sentido aproveitar alguém experiente, mas muito mais sentido faz dar oportunidades para que outros sejam experientes, um dia.
Coincidir com bons chefes é como pôr os pés numa passarela: podes encontrar alguns obstáculos ou até mesmo tropeçar, mas, desfilas sem problemas e, às vezes, até pode acontecer eles deixarem que te elogiem, ainda que seja um pouco menos do que eles gostam que lhes aplaudam. No essencial, progressas dependendo do teu desempenho e aos olhos de uma sociedade onde, muitas vezes, a progressão depende de quão largas as costas tens há dificuldades em enxergar que é, sobretudo, com disciplina e muito trabalho que chegamos a abrir caminho e a sermos úteis.
Eu tive sempre bons chefes e recordo-me do primeiro deles, - o único sobre quem falarei - o Chefe Songa, com imenso prazer: não teve receio de incorporar um jovem licenciado à sua equipa, deu liberdade para trabalhar e exigiu resultados. Sei que para as pessoas que tiveram uma experiência diferente da minha, de tão inconvenientes que são, alguns dos chefes mais parecem pratos de alumínio: andam aos berros com os subordinados, congelam as carreiras deles, decidem ignorar ou abandalhar todo aquele que trabalha realmente bem, como se não soubessem que com a má gestão dos recursos humanos lesam os interesses de todos. Os chefes que não são nem uma loiça fina, nem uma escultura cerâmica fazem mais barulho que trabalham, as “48 leis do poder” de Robert Greene é um livro de cabeceira deles e, por conseguinte, querem o poder pelo poder em si mesmo, sem saber bem o que fazer com ele: nunca tive por perto chefes que só se dedicassem a fazer charme, e lhes agradeço por me evitarem o transe, por me ajudarem a crescer.
Há demasiados chefes ou, o quando não há chefes, há “chefias” que é quase a mesma coisa, uma forma minúscula de poder que pode ser só o de ser responsável pela limpeza, pela vigilância ou, até mesmo, pelo carimbo de uma instituição. Não admira, pois, que nem sempre sejam o suficientemente valorizados e, em tempos em que a dinâmica da gestão das organizações e instituições obedeceu a uma lógica partidária, era muito difícil distinguir os bons dos maus chefes. De relatórios a textos para catálogos, passando por ofícios, missivas, notas verbais e ou simples informações, aprendi com os meus chefes como mover-me dentro numa repartição: sempre tive mais admiração pelos chefes que sabiam escutar, sabiam fazer e corrigir com a atenta dedicação de quem quer saber o que vai acontecer, ao pormenor.
Pouco dado à bajulação e advogando por estabelecer com eles relações sóbrias, cúmplices e eficientes, sem deixar de ser cordiais, tive a sorte de ter sempre bons chefes, do primeiro ao último. No dia em que, pela primeira vez, chamei de “Pai” a um dos meus chefes fiquei muito surpreendido: não era particularmente protegido por ele, nem tinha uma relação pessoal de familiaridade, mas havia uma lealdade muito parecida à que um progenitor tem com a sua prole. Há uma lógica de família que quando é correctamente gerida pode ser útil às instituições. A economia do conhecimento e a economia colaborativa obrigam-nos a redefinir as hierarquias: o trabalho em equipa e as decisões colectivas e consensuais tendem a permitir melhores resultados do que a autoridade vertical de um chefe supremo, por mais brilhante que ele for.