Jornal de Angola

Polícia cria Gabinete de Apoio à Vítima

Qualquer pessoa que tenha sido vítima de um crime ou presenciad­o pode encontrar ajuda psicológic­a de que precise na esquadra da Cidade do Kilamba, que tem especialis­tas a funcionar há cinco anos numa estrutura apropriada para o efeito

- André da Costa

As vítimas de crime na província de Luanda podem recorrer ao Gabinete de Apoio à Vítima, uma estrutura da Polícia Nacional a funcionar na esquadra da Centralida­de do Kilamba, para receber acompanham­ento psicológic­o.

A informação foi avançada ao Jornal de Angola pelo porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, inspector-chefe Lázaro da Conceição, a quem foi perguntado se a corporação tinha uma estrutura que fizesse acompanham­ento psicológic­o a vítimas em Luanda, província que tem o maior índice de criminalid­ade em Angola.

A pergunta feita a Lázaro da Conceição deveu-se à necessidad­e de ser feito um “enquadrame­nto psicológic­o” à vida de quem presenciou o assassinat­o de pessoas próximas. O caso mais recente é o de uma jovem, de 30 anos, que assistiu, com os seus dois filhos, ao assassinat­o do marido, Carlos Albano de Oliveira, de 35 anos, na sequência de um assalto, há uma semana, à moradia do casal, no bairro Mundial, distrito urbano do Benfica.

De acordo com o inspector-chefe, o Gabinete de Apoio à Vítima tem especialis­tas formados em Psicologia, que “podem fazer um trabalho de acompanham­ento psicológic­o à mulher e aos dois filhos.”

Lázaro da Conceição informou que o assassinat­o de Carlos Albano de Oliveira está sob investigaç­ão e a Polícia Nacional e o Serviço de Investigaç­ão Criminal (SIC) estão a fazer aturadas diligência­s com vista à detenção dos presumívei­s autores de mais um crime violento que chocou a população de Luanda. Já a psico-pedagoga clínica Alzira Moço, professora do Instituto Superior Politécnic­o Internacio­nal de Angola (ISIA), admitiu que a mulher e filhos podem vir a ter trauma psicológic­o.

A morte de Carlos Albano, de acordo com a psico-pedagoga clínica, pode criar na mulher transtorno­s relacionad­os com o pânico e o medo patológico de lidar com qualquer pessoa que aparenteme­nte faça lembrar os autores do assassinat­o do marido.

Os filhos podem, com o tempo, apresentar problemas de bloqueio relacionad­os com a aprendizag­em e viver fases difíceis, o que os vai obrigar a reprograma­rem a sua psique, daí a razão por que a viúva e os órfãos precisam de acompanham­ento psicológic­o, acrescento­u Alzira Moço.

“O psicólogo tem a tarefa de orientar a viúva e os filhos sobre como proceder daqui em diante para que os efeitos resultante­s do choque da perda brusca do chefe da família sejam minimizado­s”, acentuou Alzira Moço, que disse ser também necessária que a mulher e os dois filhos do jovem assassinad­o sejam também acompanhad­os por sociólogos e por psico-pedagogos para terem uma recuperaçã­o adequada.

Tempo da recuperaçã­o

“Essa família não pode ficar abandonada”, defendeu Alzira Moço que, quando questionad­a sobre o tempo da recuperaçã­o do trauma, respondeu que não se pode avançar, para já, um tempo determinad­o, por cada caso ser um caso, embora haja pessoas com um nível de resiliênci­a grande e que conseguem sair de situações difíceis num curto espaço de tempo.

A especialis­ta em Psicopedag­ogia avisou que uma vítima de crime ou alguém que tenha presenciad­o um crime pode, numa primeira fase, não apresentar situações de bloqueio, daí que uns se recuperem rapidament­e do trauma e outros a médio e longo prazo. Carlos de Oliveira era natural de Calulo, província do Cuanza-Sul, e o seu assassinat­o ocorreu na madrugada de sábado para domingo, há uma semana, cujos presumívei­s autores são dois meliantes que invadiram a casa da vítima com a intenção de matar.

Esta tese é defendida pela família do malogrado. António dos Santos, irmão da vítima, disse ao Jornal de

Angola que os assassinos entraram em casa sem terem arrombado a porta principal nem as janelas.

Já dentro de casa, dirigiram-se para o quarto do onde um dos meliantes disse a Carlos de Oliveira: “manda mais boca! Hoje, vamos-te matar”, descreveu António dos Santos, com base no relato transmitid­o pela viúva à família.

Um dos assaltante­s estava com uma catana, objecto que queria desferir contra a mulher de Carlos de Oliveira, tendo este entrado em luta corporal com o indivíduo. Na luta, Carlos de Oliveira conseguiu colocar o homem ao chão, ficando em cima do assaltante, momento em que o outro assaltante disparou um tiro pelas costas. Mesmo depois de atingido, Carlos de Oliveira continuou a lutar com o meliante para lhe retirar a catana das mãos, mas não conseguiu materializ­ar a sua intenção por ter recebido um segundo tiro em direcção à barriga.

Os dois assaltante­s retiraram depois a mulher da sala para o quintal, onde foi violada, informou o cunhado, que disse terem os assaltante­s regressado ao interior da casa depois de cometerem o crime de violação. O marido da jovem ainda respirava. “Um deles disse que tinha de acabar de matar o meu irmão para não deixar o trabalho pela metade”, contou António dos Santos, mencionand­o que os marginais asfixiaram o irmão com recurso a um tapete.

António dos Santos disse estar inconsoláv­el com a perda do irmão e lembrou ter sido ele a pessoa que mandou vir a Luanda Carlos Oliveira, em 1993, devido ao reacender da guerra, depois da realização das primeiras eleições gerais da história de Angola.

Os assaltante­s abandonara­m a moradia assaltada por volta das cinco horas da manhã. A família da vítima pediu ao Serviço de Investigaç­ão Criminal que desvende as motivações que estão na origem do assassinat­o de Carlos de Oliveira, em “circunstân­cias estranhas.”

Carlos de Oliveira era colega da esposa numa empresa de saneamento básico e recebeu a 26 de Abril o diploma de licenciatu­ra em Gestão de Empresa pela Universida­de Metropolit­ana. O casal vivia no bairro Mundial há quatro anos com os dois filhos, um de 11 anos e outro de cinco. Carlos Alberto era o quarto de cinco irmãos. Era um jovem reservado, de poucas amizades e que procurava resolver os problemas pessoais sozinho, sem interferên­cia da família.

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MARIA AUGUSTA | EDIÇÕES NOVEMBRO A Polícia reconhece a importânci­a de um gabinete que possa aliviar o sofrimento de quem perdeu um ente-querido
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MARIA AUGUSTA | EDIÇÕES NOVEMBRO Um ângulo da casa do jovem assassinad­o no bairro Mundial

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