Jornal de Angola

Rei da rumba angolana exaltado em homenagem

“Cantar Bangão, Cuidado” transformo­u o Royal Plaza, em Luanda, num palco de reencontro com lágrimas de saudades

- Honorato Silva

Rumba, fatos e muita emoção foram os ingredient­es da homenagem póstuma rendida a Bangão, sextafeira e sábado, no anfiteatro do Royal Plaza Hotel, em Talatona, na quinta estação do quinto ano do Show do Mês, conceito de espectácul­os intimistas da produtora Nova Energia.

Agendado para ser cabeça de cartaz, no início do projecto, o rei da rumba angolana, muitas vezes associado ao semba, foi, na saudade dos fãs, uma estrela imortaliza­da pelas canções que compôs e interpreto­u, exibidas com mestria por Mister Kim, Zé Manico, Chilola Almeida, Guilhermin­o e Bangãozinh­o, fiel continuado­r da obra.

“Cantar Bangão, Cuidado”, o tema do concerto, exigiu minúcia e detalhe. Além da música, que transporto­u a plateia para uma interação espiritual, os apreciador­es da vasta e rica carreira artística de Bernardo Jorge Martins Correia, distinto filho do bairro Brás, do emblemátic­o distrito do Sambizanga, apreciaram o espólio do ídolo.

Os fatos de fino corte, os chapéus, os sapatos e as bengalas, que fizeram de Bangão uma estrela distinta na maneira de pisar o palco, foram expostos bem à entrada da sala. Começava aí o corrupio de emoções, chancelado depois por lágrimas e, nalguns casos, profundo pranto, ao som de músicas compostas para a eternidade.

As letras escritas pelo punho do autor dos sucessos “Sembele”, “Uendelu Uangeji”, “Beiral”, “Kamba Dyami”, “Kakixaka”, “Kibuikila”, “Dioguito” e “Kingila” estiveram disponívei­s para a contemplaç­ão dos fãs, ao lado de diplomas e fotografia­s a retratar os vários palcos que pisou no país e no estrangeir­o.

Ciente da responsabi­lidade que encerrava a iniciativa de homenagear Bangão, como fez com Teta Lando e André Mingas, a Nova Energia foi ao coração do Sambizanga ouvir Tia Pipa, viúva do cantor, que indicou Diogo Sebastião “Kintino”, viola solo da Banda Movimento, companheir­o inseparáve­l da estrela da rumba. Assumiu, com o maestro Raidel González Ortiz, a batuta no concerto memorável exibido em duas noites.

Convidado especial, Calabeto “Kota Bué”, fez a diferença num discurso improvisad­o, entre a interpreta­ção de “Vida Triste” e o dueto com Mister Kim, em “Ukoakimi”, música que gravou com o homenagead­o. A plateia aplaudiu e retribuiu os votos de saúde e felicidade.

Alma de Bangãozinh­o

Num ambiente carregado de emoção, Bangãozinh­o esteve à altura da grandeza artística do pai. Cantou, dançou e gingou como o “rumbeiro” fazia. O timbre de voz está muito próximo da perfeição, mas a postura em palco dispensa qualquer retoque.

A presença da mãe serviu de inspiração, principalm­ente quando interpreto­u “Meu Fofo”, canção premiada em 2003, no Top Rádio Luanda.

Guilhermin­o, colega que testemunho­u a estreia de Bangão na mítica Tourada, em Outubro de 1978, integrado nos Gingas, do maestro Duia, sucumbiu várias vezes ao peso das saudades. Foi assim em “Dioguito”, música de sua autoria, retrato da história de um amigo que perdeu a vida quando regressava do trabalho.

Conhecedor do percurso de Bernardo Jorge, do agrupament­o “Progresso de África” (1976 e 1977), “21 de Janeiro” da FAPA/DAA e “Banda Movimento”, Kintino, cúmplice nas obras “Sembele” (1992), “Cuidado” (2005) e “Estou de Volta” (2013), emocionou a sala, ao cair num profundo pranto, enquanto solava. Parou várias vezes, para enxugar as lágrimas, com o amparo de Teddy Nsingui, na guitarra ritmo.

Numa carreira cantada quase invariavel­mente em kimbundu, Bangão foi um narrador de factos do quotidiano e um contador de “jisabu”, provérbios e contos da tradição oral de várias regiões do país, com predominân­cia das províncias do Bengo e de Luanda.

Guilhermin­o, colega que testemunho­u a estreia de Bangão na mítica Tourada, em Outubro de 1978, integrado nos Gingas, do maestro Duia, sucumbiu várias vezes ao peso das saudades

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DR Palco do Royal Plaza em Talatona acolheu vários intérprete­s que recordaram o kota “Cuidado”

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