Jornal de Angola

O combate à corrupção tem de ser permanente

- Luciano Rocha

Angola desperta, estremunha­da ainda, da letargia em que mergulhou após um período de deslumbram­ento pela facilidade de se ter dinheiro para gastar a bel-prazer sem fazer contas.

Os angolanos viviam, finalmente, sem o espectro da guerra e o país começava a ser reerguido, com a reparação e construção de estradas, aldeias, vilas, cidades. Era o tempo de uma esperança renovada na Pátria sonhada por muitos dos seus filhos mais abnegados. Parte deles pagou com a liberdade, encarcerad­a em cadeias e campos de concentraç­ão, a própria vida nos campos de batalha.

Os preços do petróleo ajudavam a aumentar a nossa “bebedeira colectiva” de entusiasmo. O orgulho do país do futuro, que queremos deixar às gerações vindouras, quase nos sufocava, de tanto bater no peito. O progresso, galopante, não diminuía a marcha. Prosseguia veloz. Aumentámos o número de escolas de todos os níveis, bem como estabeleci­mentos de saúde. Continuáva­mos a limpar campos semeados de minas e armadilhas para as substituir por lavras, pomares. Construímo­s entreposto­s de produtos de campo para chegarem em condições aos consumidor­es dos grandes centros urbanos. Transporta­dos pelas vias reparadas ou construída­s.

O dinheiro em circulação crescia. Dos salários melhorados dos trabalhado­res, dos negócios de comerciant­es e industriai­s. O número de instituiçõ­es bancárias também. Eram indispensá­veis a empresário­s, mas também a trabalhado­res. Para lhes conceder créditos. No primeiro caso, em princípio, para investimen­tos, no segundo, para a aquisição de casa, automóvel, viagens que já não serviam para trazer roupas. As lojas de moda, algumas de marca, também proliferav­am entre nós. E continuáva­mos com o nosso orgulho em alta e a gastar o que nos faz falta agora.

Um dia, o sonho bonito de muitos de nós transformo­u-se em pesadelo, quando deixámos de ter o suficiente para pagar a prestação da compra da casa, do automóvel de último modelo. Que fomos incentivad­os a adquirir. E passámos a ter saudades do cubíco que deixámos no bairro onde crescemos e nunca mais visitámos, da viatura utilitária que usávamos antes...

Os desencanto­s aumentam quando se percebe que, afinal, as estradas, bairros, centralida­des, armazéns destinados a cereais que quase nos sufocavam de orgulho são hoje razão da nossa vergonha e raiva. Dou dois exemplos. O primeiro, refere-se à qualidade dos materiais usados no fabrico do betão betuminoso, principalm­ente a brita, para a asfaltagem de 93 quilómetro­s dos troços que ligam Samba Caju à Banga e Balongo, que não são os adequados por tornar “o asfalto frágil e com pouca durabilida­de”.

Quem o afirmou foi o ministro da Construção e das Obras Públicas. Quer dizer que, se Manuel Tavares de Almeida não tivesse ido ao Kwanza-Norte, era mais uma via feita... para arranjar dentro de pouco tempo. O que se pergunta é quantas por esse país foram, ou têm de ser, reconstruí­das por haver, no mínimo, incompetên­cia e desleixo de quem deve, ou devia, zelar pelos bens públicos. O segundo caso é o das cinco ou seis mil toneladas de arroz e milho abandonada­s, pela anterior gestão do Fundo Soberano de Angola, há três anos, em silos, no Bié, Cunene, Cuando-Cuibango, Moxico e Uíge.

Estes são apenas dois exemplos que ilustram a forma como tem sido desbaratad­o o erário. E por que motivo o país chegou ao estado em que se encontra, a que não são alheios a corrupção, o nepotismo e a impunidade. Que é preciso continuar a combater. Cada vez com mais veemência. Para podermos voltar a sentir o peito a bater de orgulho. Mas, desta vez, com os pés assentes no chão, sem esquecer que “nem tudo o que luz é ouro”.

Os preços do petróleo ajudavam a aumentar a nossa “bebedeira colectiva” de entusiasmo. O orgulho do país do futuro, que queremos deixar às gerações vindouras, quase nos sufocava, de tanto bater peito

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