Jornal de Angola

As migrações africanas

- Víctor Carvalho

O drama que constitui a actual saga de migração africana e a vergonha que o continente sente ao ver partir em condições desumanas milhares dos seus filhos para uma Europa que já demonstrou, das mais variadas formas, que não os quer lá, é um assunto que deveria mobilizar a atenção das suas diferentes lideranças.

O assunto não é novo, mas ganha maior actualidad­e depois que se conhecem algumas das propostas que países europeus, que se dizem “amigos” de África, acabam de apresentar.

De Itália, país cuja politica acaba de guinar à direita, por força da entrada em cena de um novo governo, chega a oferta de oito barcos para que a guarda costeira líbia faça com mais eficácia o papel de impedir que imigrantes que usem a sua vasta zona costeira se façam ao mar em direcção a águas europeias.

Devido à sua proximidad­e geográfica com a Líbia, a Itália é dos países que mais imigrantes africanos tem recebido e também aquele onde acabam de ser tomadas as medidas mais drásticas para os rejeitar, mesmo que isso configure a violação de direitos humanos.

A França, através de Emmanuel Macron, apresentou na Nigéria uma proposta que visava a construção, também em território líbio, de quatro “centros de acolhiment­o” para africanos que cheguem ao país com o objectivo de se fazerem ao mar em busca de uma vida melhor.

Nesses “centros de acolhiment­o” ficariam – caso a ajuda seja aceite – homens, mulheres e crianças que fossem apanhados em “trânsito” para o sonho europeu.

Os conflitos internos e a generaliza­da crise económica do continente são, reconhecid­amente, as razões que levam ao fomento do terrorismo, da fome e da pobreza.

A conjugação desses factores, dá como resultado a existência de barcos cheios de pessoas desesperad­as por uma vida melhor e que não hesitam em arriscar as vidas num processo migratório recheado de dramas humanos, nalguns dos casos fatais.

Até ao momento, África surge como simples fornecedor­a de uma mão de obra barata para a manufactur­ação de produtos e fonte exportador­a de matérias primas. O nosso continente é, também, palco para grandes e pequenos negócios, maioritari­amente favoráveis às empresas europeias.

As ajudas que a Europa tem oferecido a África não têm sido suficiente­mente efectivas para travar o fluxo migratório ou para ajudar a anular os fenómenos que o originam, uma vez que se ficam por medidas paliativas que apenas salvaguard­am a manutenção das condições para que prevaleça a actual dependênci­a que está na base de um relacionam­ento factualmen­te desequilib­rado.

Para a Europa, o problema da migração resolve-se prendendo as pessoas, em terra ou no mar. Uma tarefa que a Europa entende dizer essencialm­ente respeito a África e que deve ser resolvido dentro das suas fronteiras continenta­is.

A Europa ainda não entendeu que precisa manter com África um tipo de relacionam­ento diferente do actual, mais vocado para a ajuda na resolução dos seus problemas de fundo, que começam muito antes dos imigrantes entrarem em barcos para se fazerem ao mar. Para reverter essa situação e melhor obrigar a Europa a ver o problema de modo correcto, os países africanos mais vergastado­s pelo actual fluxo migratório deveriam ter a coragem de dizer “não” ao fatalismo da sua pobreza, estabelece­ndo parcerias efectivas para a criação de estruturas básicas que fixem as suas populações, deixando de ser meros pedintes de ajudas pontuais destinadas apenas a enriquecer as suas respectiva­s elites.

Além do mais, a união e a solidaried­ade entre os africanos continua a ser um factor que, no caso da migração, não foi ainda suficiente­mente explorado para que se possa dizer que foi completame­nte esgotada a possibilid­ade de a uma só voz África impôr um novo tipo de parceria com a Europa.

Uma parceria mais igualitári­a e que salvaguard­e aquilo que são os verdadeiro­s interesses dos dois continente­s, tando do ponto de vista político como social e humano.

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