Revolucionário, romântico e solidário
sempre foi um revolucionário: numa época em que quase tudo era “supostamente proibido” (estamos a falar sobretudo dos anos 1980) cantou e encantou o país com “Senhor Director”, música com que abriu a actuação no Palco do Semba.
Pedrito subiu ao palco depois de alguns números apresentados pela Banda Movimento, o conjunto musical que o acompanhou no espectáculo. O artista, que em Outubro de 1982 foi o mais querido para os ouvintes do programa radiofónico “Para Jovem“, garbosamente elevou a voz para cantar “com sua licença, mas naquela empresa, Senhor Director, é onde depende a fome e a nudez daquele trabalhador“, trechos que na época em que a canção foi lançada mexeram com muitos responsáveis. O cantor, destapando a sua veia de intervenção social, disse, sorrindo sorrateiramente: “Esta música fi-la em 1982 e continua actual, trabalhadores com 54 meses de salário em atraso”.E como era domingo, sugeriu à plateia para não exagerar, porque o dia seguinte estava reservado à labuta.
A letra de “Senhor Director”, para quem não sabe e para quem não se lembra, versa assim:
(...) Senhor Director/ autoridade não é prepotência/ competência não é arrogância/ mas é dinamismo, modéstia e amor/ para gerir para o bem do trabalhador/ O trabalhador é um ponto de partida e chegada/ é para isto que a sociedade lhe dá este assento/ é para isto que você se senta neste cantinho/ com sua licença/ mas naquela empresa é onde depende a fome e a nudez daquele trabalhador (...)
Um dos mais belos lamentos musicais dos últimos tempos, ”Avó Beia” é uma homenagem à finada avó, mulher que foi fundamental no passeio fluente que o cantor faz pelo kimbundu.
“Desespero” levou-oa reflectir sobre o que dizem a nosso respeito, enquanto que com “Farrapo Triste” apresentou a matriz que o
Pedrito
notabilizou, o romantismo. Ambas canções mostram a influência que bebeu da música brasileira. Teddy demonstrou que também sola Zé Keno, em “Ngalenga Kubata” , onde Pedrito reconfirma o quanto é bom quando o assunto é o chamado lamento. Por outro lado, com “Massoxi” e “Nga Kinga”, dois temas em kimbundu, deixou bem claro, como disse numa entrevista, que as suas origens do “Mato” estãosempre presentes, apesar da forte vivência urbana. “Kilumba”, homenagem à sua companheira, não foi apenas cantada; o artista a explicou:“Nela agradeço à minha esposa”.
O antigo seminarista, autor de sucessos como “Vaso quebrado”, “Canarinho”, “Nzala ya Tula” e “Realidade”, deixou de fora do alinhamento do seu show“Mazi” e “Militante”. Questionado pelo caderno Fim-de-Semanasobre a não inclusão de “Militante”, outro corajoso tema de forte crítica político-social do tempo do monopartidarismo, justificou que geralmente a reserva para um público recheado de políticos.
Para os que não se lembram e para os mais jovens, eis os versos em forma de letra desta canção:
“A revolução não se compadece/Com o conformismo/ com o triunfalismo/ com o comodismo/ Tudo isto não (...)/ Para ser um bom militante/ é preciso ser constante (...) / Neto dizia que é preciso ser coerente/ ter o pensamento de consciência nacional/ e assim serás um rico militante/ Ser honesto justo e forte/ Acabar com as ambições/ que estragam a posição de um militante (...)/ Quem quiser ser militante para orientar/ é preciso saber estudar, defender e produzir (...)”
A escolha da Banda Movimento como conjunto de acompanhamento facilitou a actuação de Pedrito, não apenas pela qualidade de execução dos seus integrantes, mas também pela coesão e a presença no grupo de várias escolas musicais. Nota de realce para Mister Kim, vocalista que tem conquistado os amantes da música angolana. Com a sua interpretação pessoalíssima trouxe a alma de “Sanzala Dya Pambala”, de Tony Caetano, o lado espiritual de Artur Nunes em “Ua we ngongo” e conseguiu fazer chorar alguns presentes que sentiam saudade da mamã com “Gienda Gia Mama”, de Kipuca.
Teddy movimentou e dedilhou vários solistas, mas em “Ngongo Monami”conseguiu trazer a malha de Marito. Kintino, no ritmo da escola dos Jovens do Prenda, conseguiu vezes sem conta trazer o espírito dos contrasolos e quando soltou a voz também não decepcionou, como ficou bem demonstrado em temas como “Tá Stalar” e “Amarrado em Nome do Senhor”.
Miguel Correia nas tumbas e Romão Teixeira na bateria, garantiram com mestria a secção percussiva, transportando para os tempos actuais o que beberam no passado e no convívio com os antigos mestres dos tambores.
Mias Galheta é o senhor do baixo, daí a sua presença em vários projectos musicais e Nino Grobga vai assumindo nos teclados cada vez mais um papel fundamental na Banda Maravilha, injectando harmonias novas e joviais. Beth Tavira e Dorgan Nogueira, as coristas, bem poderiam autonomizar-se um pouco mais, aventurandose a cantar alguns temas.
A organização do Palco do Semba presenteou Pedrito
Pedrinho (Pedrito), filho de Sebastião Manuel e de Beatriz Adão, nasceu em Icolo e Bengo no dia 1 de Outubro de 1954, na sanzala de Kingongo. Fez a sua primeira actuação musical no Ngola Cine no dia 24 de Dezembro de 1969, numa das sessões do “Dia do Trabalhador”, espectáculo acompanhado pelo agrupamento Ngoma Jazz. Fez parte do coro da Igreja de São Domingos, em 1973, do célebre trio “Gambuzinos”, em substituição da guitarra de Filipe Vieira Lopes, com Dualy Jair (guitarra) e Freitas Sebastião (pandeireta). com um diploma pelos feitos em prol da música angolana. Coube ao jornalista José Pedro Benge fazer a entrega. Curiosamente, a próxima edição do evento, que acontece em Agosto, será com o conjunto Os Kiezos, formação que teve o pai do jornalista como empresário e grande impulsionador.
Palco do Semba é uma iniciativa da Tios Produção e já levou a actuar músicos como Calabeto, Lulas da Paixão, Maya Cool, Eduardo
Estreia em estúdio com os singles “Mãe Kuebi” (1971) e um ano depois surgiu o sucesso “Farrapo Triste”. O single “Comandante Jika”, 1976, fá-lo deixar a sua impressão digital na história da canção revolucionaria, com uma carga partidária.
Venceu a primeira edição do “Top dos Mais Queridos” no dia 5 de Outubro de 1982, realizado pela Rádio Nacional de Angola. Em 1984 e 1986 repete a proeza. Nesta última, com “Realidade”, um poema de Branca Campos, protagonizou uma das mais renhidas e polémicas eleições, deixando em segundo lugar Carlos Baptista. Também tem no Paim, Conjunto Angola 70, dentre outros. Palco do Semba surgiu da vontade de jovens empreendedores culturais reviverem o cenário musical do passado, conquistando um público essencialmente jovem, como ficou provado com as passagens de Eduardo Paim e Maya Cool.
O Palco do Semba, que arrancou no Espaço Rebita da Ilha de Luanda e agora está albergado no recinto da primeira associação cultural de seu palmarés dois segundos lugares no Top dos Mais Queridos. No dia 5 de Outubro de 2012, nos 30 anos do “Top dos Mais Queridos”, recebeu três diplomas de mérito, num acto em homenagem aos vencedores.
Em Janeiro de 1983 deslocou-se ao Brasil com o grupo “Semba Tropical”, integrado no projecto “Canto Livre de Angola”. Vai a Londres e participa na gravação do LP “Semba Tropical in London”. Em 1989 efectua uma digressão artística internacional em países do Leste Europeu, França, Inglaterra, Escócia e Portugal, acompanhado pelo conjunto “Os Jovens do Prenda”. Angola independente, a UEA, carrega o simbolismo do “Havemos de Voltar”, poema de Agostinho Neto, que apela ao regresso aos nossos ritmos e costumes ancestrais.
Uma nota interessante é a aposta em DJ’s após a música ao vivo, fazendo uma viagem aos sucessos que marcaram o passado, proporcionando um autêntico flashback musical. Os DJ’s Rangers e Simões são os homens que encabeçam o projecto Palco do Semba. Na Escócia participou no espectáculo de solidariedade a favor da libertação de Nelson Mandela. Foi um dos integrantes mais activos do projecto filantrópico Criança Futuro, cujo mentor foi o general Fernando Garcia Miala e que reuniu a nata dos músicos que emergiam para o sucesso e alguns nomes de renome da comunicação social. Uma nota que deve ser realçada é a atitudecoerente, solidária, e de pedra e cal, como Pedrito permaneceu no projecto, diante da debandada geral, quando Fernando Miala passou pelas vicissitudes que entretanto para aqui não são chamadas.