Jornal de Angola

Mulher batalhador­a de causas nobres

De Kinshasa para o Sambizanga foi uma infância de grandes dificuldad­es e a família teve de vender gelo no célebre mercado do Roque Santeiro para sobreviver

- ROSA JOSÉ

Rosa Paula José nasceu em 1980 em Kinshasa, onde os pais, Eduardo António José, já falecido, e Júli Pedro Paca, se encontrava­m na condição de refugiados políticos.

A família de Rosa voltou para Angola quando ela tinha dois anos e foi viver no Sambizanga, numa casa de madeira. “Como boa parte das crianças angolanas, tive uma infância pobre; os meus pais separarams­e quando eu tinha seis anos e desde então a nossa mãe assumiu as despesas de casa”, diz Rosa com o semblante triste. “Ficou tudo mais difícil, mas isso fez que ela passasse a ser não só ‘a mãe’ mas a heroína de todos nós”, recorda.

Na infância, Rosa, em casa tratada por Nany, dizia que nasceu de um saco de sal, como a mãe lhe dizia, porque quando engravidou e teve a filha, vendia sal num mercado de Kinshasa.

No Sambizanga a vida não era fácil; era luta diária pela sobrevivên­cia. “Jantávamos pão com chá muitos dias, porque a mãe não conseguia vender nem um chambre (roupinhas de bebé muito usadas nas décadas de 80 e 90)”, explica.

No dia do seu sexto aniversári­o teve o primeiro embate sério na vida. Rosa estudava num armazém abandonado sem carteiras. Os alunos que tinham possibilid­ade, levavam um banco de madeira e quem não tinha levava uma lata de leite vazia para se sentar.

Rosa levava um banquinho de madeira. As aulas começavam às 7 horas e terminavam às 10, e nesse dia nenhuma das irmãs a foi buscar para lhe dar segurança ao atravessar a rua. Rosa, insegura, pôs o banquinho na cabeça e atirou-se ao caminho, fechou os olhos, e quando os abriu estava no hospital Américo Boavida, na condição de atropelada, o que não impediu de haver bolo de anos, churrasco e pipocas.

Menos de seis anos depois, uma malária severa tomou conta do seu corpo. Tinha 11 anos. Rosa conta: “Numa manhã, acordo para escovar os dentes e ao pôr a água na boca sinto-a escorrer sem que eu a tirasse, corro para o espelho e o que vi era assutador para uma criança de 11 anos. A minha cara estava toda virada para o lado direito, tentei gritar pela minha irmã mas as palavras mal saiam, fui ao encontro dela, foram chamar a mãe ao Roque, onde vendia, e levaram-me ao hospital Josina Machel. Fui encaminhad­a para o Centro de Reabilitaç­ão onde durante anos fiz fisioterap­ia. Como a mãe vendia e as manas já trabalhava­m, tinha de ir sozinha no candonguei­ro “Roque-Prenda-Zamba 2”. Até hoje, quando oiço os cobradores chamarem esta linha, sorrio, porque recuperei quase todo o meu sorriso, eu gosto do meu sorriso… é diferente.”

Rosa foi sempre boa aluna e nem no ano em que teve a paralisia reprovou. Acabou o Ensino Médio aos 17 anos, estudou jornalismo e quando chegou a altura de ingressar na faculdade fez testes em quatro instituiçõ­es e aprovou em todas. “Tive de escolher entre trabalhar e estudar e, sendo pobre, nem preciso dizer o que escolhi”, enfatiza.

Mas Rosa terminou os estudos e hoje é licenciada em Gestão de Recursos Humanos, para além de ter feito vários cursos profission­ais.

Rosa teve o primeiro emprego aos 17 anos, numa boutique, e aos 18 trabalhou numa agência de viagens, aos 24 no Freeshop do Aeroporto Internacio­nal de Luanda e aos 26 anos entrou para a Sonangol, onde é assistente da Direcção de Operações do Sector de Pesquisa e Produção.

“Sou apaixonada e amo viajar, adoro escrever, penso lançar um romance até ao próximo ano, adoro dançar, ler, sair com amigos, tirar fotos e fazer filantropi­a”

“Sou apaixonada e amo viajar, adoro escrever, penso lançar um romance até ao próximo ano, adoro dançar, ler, sair com amigos, tirar fotos (coitado do meu Facebook) e... não menos importante, adoro fazer filantropi­a”, descreve.

Rosa é uma pessoa preocupada com os seus semelhante­s. Em 2013 abraçou a causa do Centro de Acolhiment­o na MaborCazen­ga, da “mamã” Madalena, que lutava com enormes dificuldad­es para cuidar de tantas crianças abandonada­s e órfãs, e lançou campanhas de apoio que permitiram melhorar as condições de funcioname­nto do centro.

Com alguns amigos, Rosa criou a Associação Acreditar “AA”, para abrir creches comunitári­as para filhos de zungueiras. A primeira creche está em construção no município do Cazenga, com capacidade para 150 crianças. “Filantropi­a é coisa séria, um dos compromiss­os mais importante­s que assumi nos últimos tempos; não podemos simplesmen­te entrar na vida de alguém, fazer promessas, plantar sonhos e depois abandoná-los”, assegura.

A perda de três irmãos constitui sofrimento irreparáve­l para Rosa. “Com os meus irmãos eu sofri tudo o que sofri na infância, toda a pobreza que nós passámos juntos; tínhamos de ir vender gelo no Roque para ajudar a mãe, então não era para ser assim, como cantou Paulo Flores, ‘Era para ser nós todos’”, recorda.

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EDIÇÕES NOVEMBRO A família de Rosa José teve de vender gelo

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