Jornal de Angola

Odisseia ao universo disforme do futebol

- Caetano Júnior

O Campeonato do Mundo da Rússia, que hoje termina, tem sido pródigo em dar mostras dos esforços da FIFA, o órgão que tutela a modalidade, em guarnecer o futebol de medidas que garantam justiça no resultado. A implementa­ção do VídeoÁrbit­ro (VAR) é, pois, o mais recente acto ilustrativ­o do empenho dessa instituiçã­o em levar credibilid­ade ao desporto-rei, embora, na prática, decisões tomadas por árbitros, depois de revistos os lances polémicos, nem sempre sejam consensuai­s. Mas este talvez seja um parêntesis a fechar num outro exercício escrito.

Por ora, a odisseia de um leigo no universo disforme do futebol vale mais e limita a abordagem às práticas da FIFA tendentes a reconhecer e valorizar a selecção que, de facto, mereça sair do campo com a cabeça erguida pela justiça do jogo. O VAR, se lhe for melhorada a intervençã­o e, por outro lado, se potenciada a análise do árbitro aos lances que obrigam o recurso à visualizaç­ão das imagens, poderá, de facto, ser a solução. Pelo menos para pôr termo à confusão em que se transforma­m as discussões sobre situações nebulosas do terreno.

Portanto, o VAR precisa apenas de ser afinado, o que, na verdade, equivale a ajustar a consciênci­a e a integridad­e do árbitro à realidade mostrada na tela. Por outro lado, o juiz deve vestir-se não apenas das cores que o identifica­m, como também da humildade capaz de o reduzir a alguém que aceite a sugestão para consultar o VAR, paire a mínima incerteza. Consumadas essas possibilid­ades, o futebol será, com certeza, um lugar mais harmonioso.

À FIFA falta, contudo, fazer um pouco mais, nesse seu exercício de procurar rodear de justiça os resultados dos jogos: pensar, por exemplo, numa estratégia que permita reduzir o “jogo passivo”, arma usada por conjuntos que se reconhecem incapazes. É verdade que este particular território é de intervençã­o exclusiva dos contendore­s. Mas a FIFA, enquanto órgão reitor, tem competênci­a para interferir, legislando para que a justiça no resultado não se consiga apenas com o recurso ao VAR, mas que se encontre também na obrigação de se jogar activament­e.

No Mundial que hoje termina, por exemplo, o Japão beneficiou do “fair-play”. Os nipónicos avançaram para os oitavosde-final à custa de juntarem menos cartões amarelos que o Senegal, ao lado do qual ocuparam o segundo lugar do grupo preliminar. Uma novidade no sistema de desempate (embora ainda em discussão, portanto, nada definitivo) que incentiva a disciplina, o respeito, enfim, uma exaltação do “jogo limpo”. Contudo, os mesmos asiáticos, que deram alguma mostra de comportame­nto exemplar, fecharam-se no seu meio campo, onde fizeram trocas de bola sem progressão, à espera que o jogo terminasse. Até apupos saíram da assistênci­a. No outro estádio, o Senegal perdia para a Colômbia, o que bastava para que o Japão continuass­e em prova.

A Espanha, embora abaixo do nível que o mundo a conhece, dominou o adversário, mas saiu da prova, à custa das penalidade­s. Os russos, por seu lado, fizeram os 90 minutos e o prolongame­nto à defesa, a jogar na contenção, povoando de homens a grande área. Mas seguiu na prova. É o jogo passivo premiado ao mais alto nível. Claro que cada selecção pratica o futebol que lhe convier, sobretudo quando faltam medidas que a “convença” a trocar a postura, do sensaborão para o edificante; do amarrado lá atrás ao ameaçador no ataque. A busca por justiça no resultado também deve ser analisada nesta perspectiv­a.

No andebol, por exemplo, existe a punição que se conhece como “Recusa de Jogo”. O árbitro adverte a equipa em anti-jogo, que, depois do aviso, deve fazer um máximo de seis passes e o remate obrigatóri­o. De outra forma, perde a bola. Portanto, é a desmoraliz­ação do "jogo passivo", apanágio de conjuntos aos quais o adversário não oferece a mínima brecha. Ainda aqui, atleta que fique três segundos com a bola passa ao árbitro a mensagem de que se nega a atacar. O castigo é a perda da posse.

O basquetebo­l, o hóquei-em-patins ou o boxe também têm regras que inibem a postura de resguardo. É algo assim de que padece o futebol: que acorde os passivos e os impila ao jogo. As grandes penalidade­s representa­m, para muitas selecções, a redenção. Por isso mesmo, com elas sonham durante os 120 minutos, demitindo-se, ao longo deste período, da missão ofensiva, ao mesmo tempo que urdem manobras, despidas de desportivi­smo, para deter o ritmo da equipa que realmente quer jogar e que mais faz para ganhar.

A menos que a FIFA repense a situação, a tendência ameaça alastrar-se, devendo atingir o clímax quando se consumar a perspectiv­a de aumento do número de países em Mundiais. Mesmo agora, ainda antes da desgraça que se anuncia, quem gosta de futebol, quem aplaude estratégia­s ofensivas assiste impotente ao arrastar, em relvados internacio­nais, de formações sem competênci­a desportiva para os novos contextos em que, voluntária e dolorosame­nte, se aventuram.

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