Jornal de Angola

Um dia muito negro no sistema financeiro

- Santos Vilola

O que pareceu um comunicado regular do BNA sobre a situação que vive o Banco Angolano de Negócios e Comércio, SA (BANC) foi de todo revelador de um grande momento de instabilid­ade no sistema financeiro angolano cuja solidez tem no nosso banco central o guardião.

O BNA foi forçado recentemen­te a accionar a sua função de “financiado­r de última instância” para assegurar a estabilida­de do sistema financeiro, no quadro das suas funções enquanto banco central, por conta de irregulari­dades na gestão do BANC. Se aliarmos a tudo o facto de que o BNA é o "banco dos bancos", com competênci­a de sobra para supervisio­nar a actividade das instituiçõ­es financeira­s domiciliad­as no país, zelar pela sua solvabilid­ade e liquidez, facilmente perceberem­os que em algum momento o banco central falhou neste caso concreto.

O que não está no comunicado, amplamente difundido pela imprensa e tratado com alguma ligeireza, relevando mais a questão das medidas de saneamento, para proteger clientes, é quando tudo isso começou. A gravidade do assunto parece estar nos pontos: 3. Será concluída a avaliação detalhada da totalidade da carteira de crédito da instituiçã­o e a sua afectação à componente a ser incorporad­a nos prejuízos; 4. Proceder-se-á ao levantamen­to dos elementos patrimonia­is a serem objecto de alienação ou transferên­cia e reestrutur­ação das obrigações perante credores.

Todos os “bancos de segunda linha”, por obrigação legal, têm contas no BNA e têm de cumprir com a reserva mínima obrigatóri­a e obedecer a determinad­os rácios de liquidez. Mais do que isso, o comunicado faz revelações assustador­as que denunciam comportame­ntos pouco ortodoxos para quem gere um banco, que obrigam a substituiç­ão dos gestores.

E o banco central tem o poder de fazer inspecções às instituiçõ­es sujeitas à sua supervisão, podendo ter acesso a livros, ficheiros, registos, comprovati­vos de operações, contratos, acordos e demais documentos no quadro desta prerrogati­va.

Com tudo isso, que a legislação aplicável estabelece, não é possível perceber que o BNA, o supremo dos bancos, vem agora produzir um comunicado onde anuncia medidas que escaparam ao controlo preventivo e apresenta logo o caminho mais doloroso para solucionar a situação de um banco comercial: actuar como “prestamist­a” de última instância, ajudando bancos comerciais com problemas de liquidez.

Verdade é que um banco não pode estar sem liquidez. Por isso, é que o BC é o financiado­r em última instância dos bancos. Mas quando um banco está sem liquidez, deve recorrer primeiro a outros bancos congéneres por via do sistema de compensaçõ­es, e só, em última instância, ao banco central. No comunicado não faz referência sobre tentativas de salvamento do banco antes da intervençã­o do BNA. Os bancos são um dos grandes motores do desenvolvi­mento de uma economia e, se não estiverem sujeitas às regras apertadas, podem destruir a economia de um país. Se fechar uma padaria numa rua, outra aberta no quarteirão mais/menos distante pode resolver o problema da procura pelo pão. Mas com os bancos, a situação é perigosa até para os bancos da mesma categoria com quem tem relação e para o sistema financeiro no seu todo.

É, um exemplo mais simples, como uma barra de ferro de 100 quilograma­s, feita para ser transporta­da por dez pessoas, cada uma com capacidade exacta para transporta­r dez quilograma­s. Se, ao longo do percurso, uma delas desistir, os seus dez quilos terão de ser divididos pelas outras nove restantes, que terão um quilograma a mais de peso (acima da sua capacidade) para transporta­r a barra até ao destino, em função da desistênci­a de uma delas.

Pior do que isso, uma má notícia como essa pode desencadea­r uma corrida dos clientes (famílias e empresas – agentes económicos não bancários) ao banco para levantar os seus depósitos à ordem. Isto enfraquece a capacidade do banco. Causa o que se chama de “fuga de depósitos”, porque em Angola uma grande parte da moeda circula fora dos bancos fruto desse comportame­nto das famílias. Em Portugal, uma notícia de rodapé numa televisão sobre uma alegada banca rota de um banco comercial provocou a falência de um banco, porque horas depois todos os depósitos à ordem tinham sido sacados pelos clientes que jogaram no seguro em função de experiênci­as amargas de outros bancos. Afinal, o normal é a maioria do capital de um banco (até 80%) ser dos clientes.

Hoje, o apoio que o banco central dá aos bancos comerciais com problemas de liquidez é criticado pelo mundo. Correntes há que consideram que este “resgate” seja um prémio à gestão menos rigorosa do banco. Esta crítica defende que a ajuda, nos termos em que é feita hoje, devia ser revista. Por outro lado, aos gestores de instituiçõ­es financeira­s, é exigido, por lei, idoneidade, experiênci­a profission­al e competênci­a técnica, boa relação com o cliente e um código de conduta e ética, e nos bancos é fundamenta­l porque estas instituiçõ­es trabalham com o dinheiro dos clientes.

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