O direito a ter opinião
Hoje entendi por bem partilhar com os leitores algumas noções fundamentais de Direito. A abordagem impõe-se porque, nestes tempos de maior abertura política, de maior liberdade de expressão, alguns entendem que têm mais direitos do que outros, que a uns se deve permitir tudo e a outros aplicar a lei da rolha.
E comecemos então por referir que, salvas as excepções históricas devidamente estudadas e também condenadas pela humanidade, todos os seres humanos gozam de personalidade jurídica. O artigo 66º do nosso Código Civil postula que a personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.
A personalidade jurídica é, por seu turno, a aptidão para ser titular de relações jurídicas, ou seja, de direitos e obrigações. Essa é uma exigência da natureza e da própria dignidade do Homem, reconhecida pelo direito objectivo, sendo a condição indispensável para que cada homem, nas suas relações com os outros, realize os seus fins e interesses.
Estas noções básicas constam do livro com o título “Introdução ao Estudo do Direito”, da Texto Editora, Lda., que tem como autoras Almerinda Dinis, Evangelina Henriques e Maria Isidra Contreiras, e que contou com a participação e revisão científica do Prof. Doutor Jorge Miranda.
Trata-se de uma obra de extrema utilidade para os que se iniciam nas lides do Direito.
Prosseguindo, impõe-se dizer que à personalidade jurídica estão desde logo ligados direitos fundamentais, assim designados porque estão consagrados na Constituição, embora saibamos também que pode haver direitos fundamentais fora da Constituição. Ou seja, a Constituição entendida em sentido material e não formal.
Aqui chegados temos meio caminho andado para perceber o resto. No seu título I, que versa sobre os “Princípios fundamentais”, a nossa Constituição consagra, no ponto 1 do seu artigo 2º, que “A República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão (sublinhe-se) e de organização política e a democracia representativa e participativa”.
O ponto 2 do mesmo artigo estabelece que “A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduos quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas”.
O ponto 1 do artigo 40º é taxativo ao plasmar que “Todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, pela imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”.
O ponto 2 do mesmo artigo reforça o preceito ao vincar que “o exercício dos direitos e liberdades constantes do número anterior não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.
Os únicos limites são os direitos de todos ao bom-nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, a protecção da infância e da juventude, o segredo de Estado, o segredo de justiça, o segredo profissional e demais garantias daqueles direitos, nos termos regulados pela lei, conforme estabelece o ponto 3 do artigo 40º.
Ainda nesta senda, não menos importante é trazer aqui o que reza, de forma lapidar, o ponto 2 do artigo 41º: “Ninguém pode ser privado dos seus direitos, perseguido ou isento de obrigações, por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”.
Em suma, todo o indivíduo tem direito a ter opinião e de expressá-la.
Do exercício desse direito e de outros decorre, como corolário, a existência da democracia, onde a aceitação e o respeito pela opinião diferente é uma das condições para o seu fortalecimento. Nisso consiste o pluralismo de expressão. Uma democracia forte e vibrante é indispensável ao desenvolvimento económico, social, político e cultural das instituições e do país em geral.
Ninguém pode arrogar-se o direito de querer o espaço de opinião só para si e são inadmissíveis quaisquer tentativas, abertas ou veladas, de cercear as liberdades constitucionalmente consagradas.
Mas mais do que debitar opinião, as democracias precisam sobretudo que essa opinião esteja revestida de qualidade. A qualidade de uma democracia mede-se também pela qualidade da opinião que é produzida pelos seus cidadãos. Quanto mais elevada for a formação académica do indivíduo, maiores são as suas responsabilidades para com a sociedade.