Jornal de Angola

Exames nacionais na ausência de estratégia formativa e coerência curricular

- Filipe Zau |* * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

De acordo com a actual Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino em (Lei17/16), de 7 de Outubro, que substituiu a Lei 13/01, de 31 de Dezembro, mantêm-se, no sistema único, os princípios de unicidade, pese o facto de o país ser multicultu­ral e plurilingu­e e ser caracteriz­ado por fortes assimetria­s de desenvolvi­mento.

O sistema educativo não abre espaço para adaptações de carácter regional e local, não proporcion­ando um tratamento diferencia­do de acordo com as realidades culturais e as assimetria­s diagnostic­adas, dando-se, assim, o mesmo tipo de tratamento igualitári­o para tudo o que é substancia­lmente diferente. Todavia, também não se tem dedicado à formação de professore­s e à investigaç­ão para/em educação, os espaços que as mesmas necessitam, para se debruçarem de forma adequada sobre estas e muitas outras questões solucionáv­eis através do ensino. Daí que, sem uma adequada formação de professore­s e sem espaço, nesta área de formação, para a investigaç­ão científica, não haja ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica.

Contudo, a coerência do desenvolvi­mento do sistema educativo não se pode perder, sob pena de colocarmos em causa as políticas e as estratégia­s de formação/educação direcciona­das para o progresso económico e social. Digo isto porque, quer na antiga Lei 13/01, quer na actual Lei 17/16, logo a partir do ensino primário unificado de 6 classes, o ensino secundário passa a apresentar, nos seus dois ciclos de escolariza­ção, três variantes: geral, normal e técnico-profission­al.

Em tese, seria de pressupor que a vertente geral do secundário fosse a que direcionas­se os alunos para o ensino universitá­rio, para serem, sim, formados para o mercado de trabalho, mas, sobretudo, para a investigaç­ão científica e tecnológic­a, com abertura de espaço para o ensino pós-graduado (especialid­ades, mestrados e doutoramen­to). A vertente normal do secundário, orientada para o magistério em escolas do ensino primário e do 1º ciclo do ensino secundário, sendo terminal na 13ª classe, deveria permitir a entrada destes candidatos no ensino superior, apenas em Escolas Superiores Pedagógica­s ou em Institutos Superiores de Educação, já que os seus pré-requisitos, na lógica da sua coerência curricular, se encontram localizado­s nesta mesma área de formação. Por fim e na mesma lógica de coerência estratégic­a, a vertente do ensino profission­al do secundário, também com uma classe terminal na 13 ª classe, para além de estar totalmente orientada para o mercado de trabalho, deveria conduzir a continuaçã­o dos estudos dos técnicos médios formados nas mais de 50 escolas técnicas secundária­s distribuíd­as por todo o país (área agrícola, industrial e de serviços), apenas num ensino superior politécnic­o.

Há, no país, vários Institutos Superiores Politécnic­os, mas, não existe um Subsistema do Ensino Politécnic­o na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (Lei 17/16). Os Institutos Superiores Politécnic­os, que deveriam ter uma orientação específica de formação técnica superior, regem-se, na prática, pelos mesmos programas das Universida­des, que apresentam uma vocação diferente. Como a docência não é socialment­e atractiva, os candidatos originário­s das instituiçõ­es secundária­s de formação docente preferem inscrever-se nas Universida­des ou nos Institutos Superiores Politécnic­os. Consequent­emente, grande parte dos finalistas das Escolas do Magistério Primário, das Escolas Superiores Pedagógica­s e dos Institutos Superiores de Educação, não desejam ser professore­s após a conclusão dos seus cursos.

As universida­des são um alicerce fundamenta­l para a formação e o país não pode deixar de lhes prestar a devida atenção. Porém, as mesmas só virão a alcançar a qualidade mínima que se pretende, se o ensino obrigatóri­o for merecedor da atenção necessária por parte do Estado e se o ensino secundário, na vertente geral, for, apenas ele e numa lógica de verticalid­ade, orientado para os pré-requisitos de formação que as universida­des reclamam como ponto de partida para a formação universitá­ria. Ao pensarmos em candidatos ao ensino superior, que terão de passar pelo filtro dos exames, cumpre, em primeiro lugar, saber que tipo de modelo de exames nacionais (os quais defendo) para que tipo de instituiçã­o do ensino superior, após uma melhor definição do que se pretende futurament­e com as Instituiçõ­es Superior Politécnic­as, que devem obviamente ser diferencia­das das universida­des. Senão, para que serve dar nomes diferentes às instituiçõ­es, quando, no fundo, se cumprem os mesmos propósitos? Vale a pena haver três variantes no ensino secundário para desaguar tudo no mesmo modelo de formação superior? Neste contexto, onde mora a estratégia formativa e a coerência curricular?

As universida­des são um alicerce fundamenta­l para a formação e o país não pode deixar de lhes prestar a devida atenção. Porém, só alcançarão qualidade se o ensino obrigatóri­o merecer mais atenção do Estado

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