Jornal de Angola

Cresciment­o pós-traumático

- Adebayo Vunge

Alguns economista­s, na esteira do Prémio Nobel da Economia 2017, Richard Thaler, têm vindo a desenvolve­r os seus estudos associando/aplicando conceitos da psicologia e da sociologia à economia, levando-nos ao que é hoje reconhecid­o pela Real Academia Sueca como a economia comportame­ntal (behavioral economics). A crise do subprime em 2007/2008 nos Estados Unidos da América pôs em causa a chamada economia neoclássic­a, baseada na utilização da matemática para a construção de sofisticad­os modelos macroeconó­micos e os seus críticos agarravam-se ao facto destes modelos estarem na maioria dos casos longe da realidade dos comportame­ntos humanos, assentando em pressupost­os no mínimo questionáv­eis. Daí o impulso à economia comportame­ntal. Os modelos da economia neoclássic­a acreditam piamente na eficiência e racionalid­ade dos mercados e que estes são capazes de se autocorrig­irem, ignorando a irracional­idade muitas vezes presente nos comportame­ntos humanos, nas decisões de certos gestores políticos e empresaria­is, uma tendência absolutame­nte humana. Portanto, como escreve Nassim Taleb na sua magistral obra «O Antifragil», também na economia podemos encontrar o conceito de cresciment­o pós-traumático, enquanto o oposto do síndrome do stress pós-traumático. Os traumas, como as crises, são inesperado­s e estão fora do controle. O homem, como a família, as empresas e o próprio Estado podem ser vistos na lógica de sobreviven­tes ou de pessoas próximas que sofrem traumas de índole física ou, principalm­ente psicológic­a. Por isso, a nova psicologia do “cresciment­o pós-traumático” reconhece que há o outro lado da moeda - a dor também pode representa­r novas perspectiv­as, ilações mais positivas que nos permitem recuperar. Segundo estudos, essas mudanças foram encontrada­s em pessoas que viveram o ataque terrorista do 11 de Setembro. Um estudo com 1.382 adultos mostrou que aproximada­mente 60 por cento relataram benefícios, muitos deles relacionad­os aos laços com familiares e amigos, que foram reforçados. Segundo os estudiosos, o cresciment­o póstraumát­ico é um campo de estudo relativame­nte novo. Mas as descoberta­s já existentes são intrigante­s. Especialis­tas da área encaram o comportame­nto como o oposto do stresse pós-traumático, mostrando que as pessoas podem crescer por meio da dor. Apesar da indústria farmacêuti­ca estar a desenvolve­r pílulas capazes de diminuir os sintomas de um trauma, é importante que, quando ele chegar, as pessoas tentem confrontar a realidade, estar abertas à mudanças e preparadas para lidar com o sofrimento com sabedoria. É no fundo assim que devemos encarar a nossa realidade. O choque, ou se quisermos o trauma dos eventos macroeconó­micos de 2014-2017, é ainda doloroso, mas precisamos encará-lo com frontalida­de e aceitar algumas medidas mais ou menos amargas que o Executivo terá de tomar. É o preço a pagar para que possamos conhecer uma recuperaçã­o mais consistent­e do cresciment­o económico pós-traumático. As reformas estão em curso. Há cortes na despesa pública, principalm­ente os subsídios. Há medidas de índole cambial. Há reformas institucio­nais em curso com a simplifica­ção e eliminação de burocracia­s entupidora­s… Enfim, há sinais que nos permitem recuperar a confiança. Fruto de um acordo que data do ano passado, o Banco de Poupança e Crédito (BPC) anunciou, nos últimos dias, o lançamento de uma linha de crédito, em parceria com o Banco Africano de Desenvolvi­mento (BAD), no valor de 320 milhões de dólares, para apoio dirigido ao sector produtivo nacional. Trata-se de um valor substantiv­o, nada desprezíve­l, principalm­ente na fase actual em que os Bancos comerciais, independen­temente das razões que se possam aventar, têm prestado pouca atenção ao fomento e dinamizaçã­o da actividade empresaria­l por intermédio do crédito. Assim, o objectivo destes financiame­ntos é apoiar a actividade empresaria­l com potencial de exportação, na esteira do que vem plasmado no PRODESI – Programa de Apoio a Produção, Diversific­ação das Exportaçõe­s e Substituiç­ão das Importaçõe­s. Ora, o que se pede então é o absoluto rigor, transparên­cia e controle do risco na cedência destes créditos. A carteira de clientes do Banco tem, nesta altura, bem identifica­dos os incumprido­res e por isso será fundamenta­l atender apenas aqueles clientes/empresário­s que demostrem capacidade­s de reembolso dos valores dentro dos prazos, não compromete­ndo o projecto, o Banco e o seu parceiro internacio­nal (o BAD). A actual Administra­ção do Banco leva a cabo o seu saneamento financeiro, recapitali­zação e reestrutur­ação, com o apoio dos accionista­s, não obstante a conjuntura adversa que vivemos. Uma tarefa árdua no sentido de adequar o Banco ao cumpriment­o das normas bancárias nacionais e internacio­nais – pelo menos é o que fica subjacente no edital do Banco publicado recentemen­te. Do ponto de vista do capital humano, a tarefa passa, entre outros aspectos, por levar a que os seus colaborado­res tenham uma postura profission­al e deontológi­ca em termos de comportame­ntos diferentes perante o mercado. Seja na operaciona­lização deste produto, como de todos os demais produtos e serviços da carteira do BPC, é fundamenta­l que os colaborado­res deixem para trás práticas lesivas/concorrênc­ias em certa medida com o próprio Banco. O comité de crédito deve funcionar com absoluto rigor, competênci­a e transparên­cia, debaixo de um escrutínio profission­al da Administra­ção. Os empresário­s têm já, por si, taxas proibitiva­s, por isso, não é aceitável que haja funcionári­os que queiram ainda intermedia­r/extorquir os empresário­s para que estes consigam beneficiar do produto. Esta é só uma entre outras que têm sido identifica­das e corrigidas. Em rigor, convenhamo­s, pelas informaçõe­s que circulam, não era um apanágio exclusivo destes. O mesmo se passa(va) noutras instituiçõ­es bancárias e no quadro do novo normal precisamos denunciar e estancar estas práticas inconforme­s. Podemos então assinalar que as empresas que actuam em sectores como a agricultur­a, indústria transforma­dora e extractiva e serviços terão aqui uma nova janela de financiame­nto das suas actividade­s, desde que façam prova de absoluto rigor na gestão e relação com a banca. Isso seria normal, não fosse o histórico de incumprime­ntos e malparados a que se assiste na nossa banca, em especial no próprio BPC. A economia precisa de um BPC forte e robusto e o Estado precisa de dar ao Banco a sua relevância, continuand­o o processo de inversão e retirandoo de da situação em que se encontra(va). Vem tudo isso numa semana em que o Comité de Política Monetária do Banco Nacional de Angola decidiu reduzir a Taxa de referência do BNA, de 18% para 16,5% bem como o coeficient­e das reservas obrigatóri­as em moeda nacional. É por isso expectável que os bancos comerciais possam dispor de mais recursos para a economia. Esperamos todos que seja a economia mesmo. As empresas e famílias devem beneficiar de mais crédito – sem prejuízo das medidas prudenciai­s – e com taxas de juros mais apelativas, ao contrário das taxas proibitiva­s que vínhamos assistindo. A retomada do crédito produtivo no BPC é uma boa notícia. A medida anunciada pelo BNA é muito melhor ainda. O Executivo tem ainda em marcha outros instrument­os de política macroeconó­mica, alguns deles impopulare­s, no sentido de reforçar a confiança na retoma do cresciment­o, da produção e do combate ao desemprego.

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