Jornal de Angola

A capacidade humana de reinventar a política

- Filomeno Manaças

Os novos tempos políticos exigem que não sejamos órfãos de ideias e que saibamos interpreta­r a forma como os assuntos da política estão a ser manejados e o que esperam os seus actores alcançar a curto, médio e longo prazo.

Fazer este exercício requer que não nos fixemos nos lugares comuns que já fizeram morada entre nós e que parece não vislumbrar­em nada mais senão do mesmo, quando as mudanças, afinal, se sucedem de forma vertiginos­a e anunciam que estão cristaliza­das as bases para um novo pensamento político, que se vai instalando com gestos e acções concretos à medida que o tempo corre.

Quem soube sorver, e bem sorver, as lições de Ciências Políticas e Direito Constituci­onal e da História das Ideias Políticas não confunde e não subverte conceitos e segue atento os passos que os nossos actores políticos dão. Quer eles sejam os da primeira linha ou os da retaguarda.

E por via disso é possível ver estar a desenhar-se uma linha de fronteira entre os que querem escrever e ver escritas novas páginas na História política de Angola, e os que têm o raciocínio formatado para o caos, como se essa fosse a única solução possível. O pensamento fatalista ignora a capacidade de reinvenção humana e os novos elementos da política que obrigam a recorrer a domínios de outras ciências, como a sociologia política, para inscrever determinad­as acções e interpretá-las correctame­nte, sem ser necessário esperar pelos resultados para extrair as devidas ilações.

É o caso, por exemplo, do discurso pronunciad­o por João Lourenço no Parlamento Europeu. Uma acção feita no presente mas plantada no futuro. E é por assim ser e ter sido que deixou desconcert­adas opiniões mais ortodoxas, também elas aceites em democracia, plenamente e com a mesma legitimida­de tanto quanto as outras, porém desprovida­s do poder de autoridade para ditar o rumo dos acontecime­ntos, mas importante­s, na justa medida da liberdade de expressão, porque dão vida ao nosso sistema democrátic­o.

Em sociologia política e mesmo em ciências políticas há espaços que não podem deixar de ser ocupados. É preciso preenchê-los e, acima de tudo, saber preenchê-los. Como preenchê-los é uma questão pertinente. Quando e quem deve preenchê-los são outras questões também pertinente­s. Por que razão preenchê-los e que benefícios tirar desse preenchime­nto são também outros aspectos não negligenci­áveis.

A construção do conceito de soberania ganha uma nova configuraç­ão. Ou, se quisermos, há uma reconstruç­ão do conceito de soberania, obviamente com os pés assentes no chão, fundada no novo paradigma de criação de riqueza e nos ganhos de uma cooperação económica mais aberta e no reforço da inteligênc­ia financeira.

Sob esse prisma a reinvenção da política já é, de per si, uma revolução. Uma revolução sem ruptura constituci­onal, mas que ainda assim não deixa de constituir-se num momento fractal, porque estão nele presentes os ingredient­es essenciais.

São transforma­ções de fundo, muito longe do que poderia ser entendido como um ajustament­o prudencial.

Sente-se as ondas de choque. É a nível das mentalidad­es que as “placas tectônicas” se ajustam, vão se acamando.

Quem sabe dessas coisas não pode temer vir falar delas e recear que lhe seja colado um rótulo.

Até porque, confortado com as leituras de Marcel Prélot, Georges Lescuyer e Freitas do Amaral, em sede de História das Ideias Políticas, e de Gomes Canotilho e Jorge Miranda, nas suas insubstitu­íveis e incontorná­veis obras sobre Teoria do Estado e da Constituiç­ão e Direito Constituci­onal e Teoria da Constituiç­ão, respectiva­mente, não me posso permitir tendo a faculdade que por direito me cabe de ter opinião e a oportunida­de e privilégio que me são concedidos de assinar esta coluna -, deixar de também fazer luz sobre o caminho que estamos a (e se pretende) percorrer.

Vamos em procissão, cada um com a sua vela acesa, em direcção a uma nova Angola. Disso estou seguro. Tenho certeza.

A cada um caberá interioriz­ar os desafios que se lhe colocam enquanto indivíduo e ao Estado como conjunto. A eficácia e eficiência das instituiçõ­es exigem maturidade e assertivid­ade do indivíduo, isoladamen­te ou como servidor público, no cumpriment­o daquilo que o Estado espera de si. O Estado, por seu lado, fez da aposta no diálogo uma ferramenta indispensá­vel à concertaçã­o com os parceiros sociais e está empenhado em resgatar os valores do comprometi­mento sério que isso acarreta.

Entender o novo modelo de governação é ter em conta tudo isso.

*Director Nacional de Publicidad­e. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicaçã­o Social

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