A capacidade humana de reinventar a política
Os novos tempos políticos exigem que não sejamos órfãos de ideias e que saibamos interpretar a forma como os assuntos da política estão a ser manejados e o que esperam os seus actores alcançar a curto, médio e longo prazo.
Fazer este exercício requer que não nos fixemos nos lugares comuns que já fizeram morada entre nós e que parece não vislumbrarem nada mais senão do mesmo, quando as mudanças, afinal, se sucedem de forma vertiginosa e anunciam que estão cristalizadas as bases para um novo pensamento político, que se vai instalando com gestos e acções concretos à medida que o tempo corre.
Quem soube sorver, e bem sorver, as lições de Ciências Políticas e Direito Constitucional e da História das Ideias Políticas não confunde e não subverte conceitos e segue atento os passos que os nossos actores políticos dão. Quer eles sejam os da primeira linha ou os da retaguarda.
E por via disso é possível ver estar a desenhar-se uma linha de fronteira entre os que querem escrever e ver escritas novas páginas na História política de Angola, e os que têm o raciocínio formatado para o caos, como se essa fosse a única solução possível. O pensamento fatalista ignora a capacidade de reinvenção humana e os novos elementos da política que obrigam a recorrer a domínios de outras ciências, como a sociologia política, para inscrever determinadas acções e interpretá-las correctamente, sem ser necessário esperar pelos resultados para extrair as devidas ilações.
É o caso, por exemplo, do discurso pronunciado por João Lourenço no Parlamento Europeu. Uma acção feita no presente mas plantada no futuro. E é por assim ser e ter sido que deixou desconcertadas opiniões mais ortodoxas, também elas aceites em democracia, plenamente e com a mesma legitimidade tanto quanto as outras, porém desprovidas do poder de autoridade para ditar o rumo dos acontecimentos, mas importantes, na justa medida da liberdade de expressão, porque dão vida ao nosso sistema democrático.
Em sociologia política e mesmo em ciências políticas há espaços que não podem deixar de ser ocupados. É preciso preenchê-los e, acima de tudo, saber preenchê-los. Como preenchê-los é uma questão pertinente. Quando e quem deve preenchê-los são outras questões também pertinentes. Por que razão preenchê-los e que benefícios tirar desse preenchimento são também outros aspectos não negligenciáveis.
A construção do conceito de soberania ganha uma nova configuração. Ou, se quisermos, há uma reconstrução do conceito de soberania, obviamente com os pés assentes no chão, fundada no novo paradigma de criação de riqueza e nos ganhos de uma cooperação económica mais aberta e no reforço da inteligência financeira.
Sob esse prisma a reinvenção da política já é, de per si, uma revolução. Uma revolução sem ruptura constitucional, mas que ainda assim não deixa de constituir-se num momento fractal, porque estão nele presentes os ingredientes essenciais.
São transformações de fundo, muito longe do que poderia ser entendido como um ajustamento prudencial.
Sente-se as ondas de choque. É a nível das mentalidades que as “placas tectônicas” se ajustam, vão se acamando.
Quem sabe dessas coisas não pode temer vir falar delas e recear que lhe seja colado um rótulo.
Até porque, confortado com as leituras de Marcel Prélot, Georges Lescuyer e Freitas do Amaral, em sede de História das Ideias Políticas, e de Gomes Canotilho e Jorge Miranda, nas suas insubstituíveis e incontornáveis obras sobre Teoria do Estado e da Constituição e Direito Constitucional e Teoria da Constituição, respectivamente, não me posso permitir tendo a faculdade que por direito me cabe de ter opinião e a oportunidade e privilégio que me são concedidos de assinar esta coluna -, deixar de também fazer luz sobre o caminho que estamos a (e se pretende) percorrer.
Vamos em procissão, cada um com a sua vela acesa, em direcção a uma nova Angola. Disso estou seguro. Tenho certeza.
A cada um caberá interiorizar os desafios que se lhe colocam enquanto indivíduo e ao Estado como conjunto. A eficácia e eficiência das instituições exigem maturidade e assertividade do indivíduo, isoladamente ou como servidor público, no cumprimento daquilo que o Estado espera de si. O Estado, por seu lado, fez da aposta no diálogo uma ferramenta indispensável à concertação com os parceiros sociais e está empenhado em resgatar os valores do comprometimento sério que isso acarreta.
Entender o novo modelo de governação é ter em conta tudo isso.
*Director Nacional de Publicidade. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicação Social