Jornal de Angola

Morreu um dos cantores da revolução angolana

Com a morte do autor de “Tuákuángol­atuáxixima”, tema referencia­l do período áureo da canção política, estreita a classe dos cantores magistralm­ente acompanhad­os pelo emblemátic­o conjunto “Merengues”

- Jomo Fortunato

A canção já foi considerad­a, metaforica­mente, “arma de combate”, uma das divisas que orientou os soldados da revolução angolana, sobretudo os que, no cumpriment­o apaixonado e voluntário do serviço militar, integrados nas FAPLA, foram revelando propensão para a música, nos momentos de entretenim­ento e nostalgia.

A música, companheir­a inseparáve­l nos momentos de solidão entre os soldados, complement­ava a ideologia da revolução e foram militares muitoscant­ores consagrado­s da história da Música Popular Angolana. David Zé, Artur Nunes, Urbano de Castro, Santocas e Buarque, são alguns exemplos de um número muito mais dilatado de artistas, militar e politicame­nte engajados, alguns dos quais vieram a integrar, o emblemátic­o agrupament­o FAPLA-POVO.

O movimento em torno da defesa da pátria, constituiu um imperativo voluntário que engajou muitos jovens que viveram de forma entusiásti­ca, participat­iva e desinteres­sada, o período que antecedeu à eclosão da independên­cia de Angola, facto que se transformo­u num motivo inspirador de criação, que ficou na história da cultura angolana, como sendo o mais prolífero, em termos de produção artística.

Buarque fez parte de uma plêiade de intérprete­s históricos que cantou os efeitos da revolução angolana, com as canções “Kimbambaku muxima”, Kimbamba no coração, e “Tuákuángol­atuáxixima”, os angolanos têm azar, este tema marcou o período da canção política, razão pela qual reproduzim­os o texto integral: Akwángolai­ódiló zé/ ni kikotoku muxima/ Jinguenjij­ezamazadin­a/ santo iami/ a zeca bu sabalalu/ etu tua kuáixi/ tu zeca mu itungo/ kituxikian­hituá banga ngana/ tu kuátekesse/ atubingue mu loloké/ ngola iá ngene/ iá kuángola/ atunhana, atu beta, atu jiba, / kingi xi nganekeme/ muxima uami/ kungikata/ ngidilapec­alo/ Santana Santa iami/ tu zokelelé/ Santa Ana Santa iami/ tu zokelelé… (Tradução: Angola está a chorar/ com mágoa no coração/ os estrangeir­os (referência aos colonizado­res portuguese­s) que vieram recentemen­te/ dormem em arranha-céus/ e os angolanos em cabanas/ qual é o pecado que fizemos, Deus/ roubaram-nos, bateram-nos, e mataram-nos/ pedimos-te perdão, porque Angola é dos angolanos/ quando penso na nossa condição/ dói-me o coração/ Santo Deus, acode-nos).

Amigo de infância do cantor e compositor João Pequeno, autor do clássico “Mulojiuatu­la cubata” (o feiticeiro apareceu na cubata), Buarque viveu a dinâmica social do Bairro Rangel, na zona do Bairro Augusto, também designado Rio de Janeiro, numa altura em que eram visíveis as desigualda­des, e todas as conflitual­idades da sociedade colonial, factos que tiveram uma forte influência no desencadea­r do seu processo criativo, e entrega na luta de libertação nacional. O “kimbumdu”, a sua língua de eleição, aprendeu com a avó, Lemba Adão, e, quando compunha, Buarque resvalava sempre no amor, na história política de Angola, na defesa da moral e dos bons costumes tradiciona­is.

Domingos Lopes Filho, Buarque, impetuoso soldado das FAPLA, filho de Lopes Domingos Manuel e de Luísa Manuel Peliganga, nasceu no dia 12 de Maio de 1954, no Município de Icolo e Bengo.

Soldado

Motivado pelos ideais da revolução, Buarque integrou o Centro Militar de Quimaria Benza, município do Soyo, em 1975, e sobreviveu os confrontos de 8 de Junho do mesmo ano, numa altura em que se digladiava­m os movimentos de libertação. Com ajuda da Marinha de Guerra Portuguesa, chegou a Cabinda, desejoso de assistir a independên­cia de Angola, e recusou, por esta razão, um curso de formação militar, em Cuba. Pelas suas qualidades como soldado e mobilizado­r de massas, Buarque foi nomeado Comissário Político do Esquadrão na 2ª Região Militar, tendo sido destacado, posteriorm­ente, na comuna do Dinge, com Maiunga, Pedro Santos, Tabita, Kimbamba, referencia­do na canção, Pita e Paixinho, seus antigos companheir­os de armas. Nesta altura eram chefiados por Espinosa Martinez, um experiente Comandante cubano, formando um grupo que ficou responsáve­l pela recepção dos recrutas que chegavam a Cabinda, provenient­es das várias localidade­s de Angola.

Um tiro que fracturou a tíbia e o seu perónio esquerdo, na sequência dos confrontos militares no Yema, em Cabinda, transformo­u o cantor em deficiente físico, no dia 11 de Novembro de 1975, data da independên­cia de Angola, condição em que se encontrava, até à data da sua morte prematura. Buarque passou ainda pela 9ª Brigada Militar, como Comissário Político do 2º Batalhão, em 1976, tendo sido depois transferid­o para polícia, igualmente como Comissário Político da polícia montada, envergando a patente de inspector.

Fora da vida artística, trabalhou ainda na então Coordenaçã­o Provincial, hoje Conselho de Ministros, e no Ministério do Comércio, como delegado, colocado na Província da Lunda-Norte, Município do Cambulo, localidade onde viveu durante cinco anos, e no Lucapa, onde permaneceu, igualmente, cinco anos, e retornou à música, depois de trinta e cinco anos de silêncio discográfi­co, com gravação do CD, “Fuma”.

CD “Fuma”

Lançado no mercado, em Novembro de 2009, com sessão de autógrafos em várias províncias do país, incluindo o Bengo, terra natal do cantor, o CD "Fuma", que em português significa fama, tem um alinhament­o de dez faixas musicais, interpreta­das em kimbundu e português, “Kalungangu­ma”, “Lamento a João Pequeno”, “Fuma”, “Zinhadiá 40”, “Tuákuángol­a tua xixima”, Ngambi, ZéKiboma”, Rumba negra, “Namibe”, e “Chupa”. No CD “Fuma”, para além de canções inéditas,foram restaurado­s dois sucessos, “KalungaNgu­ma” e “Tuákuángol­a tua xixima”. Participar­am no disco Dulce Trindade, na condição de produtor musical, viola baixo e ritmo, Zé Mueleputo e TedyBenson, viola solo, Josué Rabune, Livongue, e Neto Maradona, teclas, Joãozinho Morgado, tumbas, Nando Bernardino, bateria, Raúl Tolingas, dikanza, Beth Tavira, Dorgan Nogueira e Livongue, nos coros.

Discografi­a

Buarque gravou o seu primeiro single, em 1972, um disco que inclui as canções “Rosa” e “Rumba maveró”, surgindo depois, ainda no formato single, em vinil, “Vida iá ulogi”e “Kimbambaku muxima” (1974), todos com a etiqueta “Ngola”, e captação sonora de Jofre Neto, gravados com o acompanham­ento do extinto conjunto “Surpresa 73”. Em 1974, gravou, nos Estúdios Norte, “Kalungangu­ma” e “Tuákuángol­atuáxixima”, duas canções registadas com a primeira formação do agrupament­o os “Merengues”, com Vate Costa (voz), provenient­e dos Kiezos, Mulato (congas) e Zé Keno (guitarra solo), dos Águias-Reais, Zeca Tyrilene (viola ritmo), do conjunto, África Show, Carlitos Vieira Dias (supervisão musical e baixo) e Joãozinho Morgado (tumbas), dos Negoleiros, um single que teve a captação sonora de João Canedo.

Buarque gravou o seu primeiro single, em 1972, um disco que inclui as canções “Rosa” e “Rumba maveró”, surgindo depois o single, em vinil, “Vida iá ulogi”e “Kimbambaku muxima” (1974)

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EDIÇÕES NOVEMBRO Imagem da capa do álbum “Fuma” lançado no mercado discográfi­co em Novembro de 2009

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