Cirurgia de correcção de sexo divide juristas
O director do Hospital explicou que, “tecnicamente, o procedimento consistiu em criar uma vagina. Foram feitas todas as próteses e, neste momento, ela já é efectivamente uma mulher, que, nos próximos tempos, pode desfrutar da sua vida sexual normalmente”.
Paciente de 16 anos, com má-formação congénita, que preferiu ser mulher, entrou na história da medicina angolana, ao ser protagonista da primeira cirurgia de correcção de sexo realizada no país. O acto médico ocorreu no Hospital Provincial de Benguela. O sucesso na medicina nacional divide opiniões no campo jurídico e há quem o considere um acto criminoso. O director do Hospital explicou que o procedimento consistiu em criar uma vagina.
A primeira cirurgia de correcção de sexo, efectuada recentemente no Hospital Geral de Benguela, a uma paciente de 16 anos, com má-formação congénita, que preferiu ser mulher, está a ter dupla interpretação jurídica.
Eduardo Kedisobua, director do Hospital Regional de Benguela, justificou a necessidade da cirurgia pelo facto de a paciente apresentar um órgão sexual com características masculinas, embora fosse “mulher por dentro”.
O responsável anunciou a realização “com sucesso” da vaginoplastia, procedimento cirúrgico para reconstituição da anatomia vulvo-vaginal, um tratamento até então inédito na unidade hospitalar.
“No essencial, tratámos a má formação, designada Síndrome de Turner. Antes da intervenção cirúrgica, falámos com a paciente e com a família. Houve clara opção por preservar a anatomia feminina. A partir daí, delineámos a correcção do órgão sexual, cuja operação foi dirigida pelo nosso urologista, um profissional muito experiente nesta área”.
O director do Hospital explicou que, “tecnicamente, o procedimento consistiu em criar uma vagina. Foram feitas todas as próteses e, neste momento, ela já é efectivamente uma mulher, que, nos próximos tempos, poderá desfrutar da sua vida sexual normalmente”.
A cirurgia e a lei
Se do ponto de vista médico trata-se apenas de uma cirurgia, efectuada com sucesso, o mesmo já não se coloca perante a Constituição. Nos círculos jurídicos, o acto médico efectuado está a ser interpretado de forma diversa, havendo mesmo quem o considere um acto criminoso.
A jurista Ana Paula Godinho diz que a legislação angolana não permite aos pais, nestas circunstâncias, tomar decisões pelo menor, tendo em conta que estão em causa alterações físicas, decisivas para o resto da vida do indivíduo em questão.
“Se foi uma decisão tomada por um indivíduo de 16 anos, no sentido de mudar do sexo masculino para o feminino, o mesmo não pode, nos termos da lei, fazer esta escolha. Teriam de ser os seus pais a tomarem tal decisão, perante a lei”, explicou.
A jurista adverte igualmente que a acção dos progenitores não deveria ser concretizada, sem autorização do Tribunal.
“Excepcionalmente, eles poderiam tomar a decisão sem recurso às autoridades judiciais, caso a criança nascesse com dois sexos e fosse necessário optar por um deles”.
Ana Paula Godinho refere que, “sendo este o caso e se, por decisão médica, se tornou imperioso escolher um dos sexos, a situação afigura-se mais médica do que jurídica. Se, no entanto, estivermos a falar de um jovem que nasceu com o sexo masculino e depois decidiu mudar, a cirurgia terá sido ilegal, na medida em que nós sequer temos legislação que suporte uma intervenção como essa”.
Ao nível jurídico, esperamse ainda outros constrangimentos, segundo a jurista, face à inexistência de legislação que permita anular o registo de alguém que, à nascença, era do género masculino e que pretenda novo averbamento, para o sexo feminino.
“A única forma lícita de efectuar um registo dessa índole é quando o assento inicial se faz com base em declarações falsas. Fora isso, de acordo com a legislação angolana, uma pessoa só pode desaparecer da mente jurídica se, porventura, falecer.