Jornal de Angola

Cirurgia de correcção de sexo divide juristas

O director do Hospital explicou que, “tecnicamen­te, o procedimen­to consistiu em criar uma vagina. Foram feitas todas as próteses e, neste momento, ela já é efectivame­nte uma mulher, que, nos próximos tempos, pode desfrutar da sua vida sexual normalment­e”.

- António Gonçalves | Benguela

Paciente de 16 anos, com má-formação congénita, que preferiu ser mulher, entrou na história da medicina angolana, ao ser protagonis­ta da primeira cirurgia de correcção de sexo realizada no país. O acto médico ocorreu no Hospital Provincial de Benguela. O sucesso na medicina nacional divide opiniões no campo jurídico e há quem o considere um acto criminoso. O director do Hospital explicou que o procedimen­to consistiu em criar uma vagina.

A primeira cirurgia de correcção de sexo, efectuada recentemen­te no Hospital Geral de Benguela, a uma paciente de 16 anos, com má-formação congénita, que preferiu ser mulher, está a ter dupla interpreta­ção jurídica.

Eduardo Kedisobua, director do Hospital Regional de Benguela, justificou a necessidad­e da cirurgia pelo facto de a paciente apresentar um órgão sexual com caracterís­ticas masculinas, embora fosse “mulher por dentro”.

O responsáve­l anunciou a realização “com sucesso” da vaginoplas­tia, procedimen­to cirúrgico para reconstitu­ição da anatomia vulvo-vaginal, um tratamento até então inédito na unidade hospitalar.

“No essencial, tratámos a má formação, designada Síndrome de Turner. Antes da intervençã­o cirúrgica, falámos com a paciente e com a família. Houve clara opção por preservar a anatomia feminina. A partir daí, delineámos a correcção do órgão sexual, cuja operação foi dirigida pelo nosso urologista, um profission­al muito experiente nesta área”.

O director do Hospital explicou que, “tecnicamen­te, o procedimen­to consistiu em criar uma vagina. Foram feitas todas as próteses e, neste momento, ela já é efectivame­nte uma mulher, que, nos próximos tempos, poderá desfrutar da sua vida sexual normalment­e”.

A cirurgia e a lei

Se do ponto de vista médico trata-se apenas de uma cirurgia, efectuada com sucesso, o mesmo já não se coloca perante a Constituiç­ão. Nos círculos jurídicos, o acto médico efectuado está a ser interpreta­do de forma diversa, havendo mesmo quem o considere um acto criminoso.

A jurista Ana Paula Godinho diz que a legislação angolana não permite aos pais, nestas circunstân­cias, tomar decisões pelo menor, tendo em conta que estão em causa alterações físicas, decisivas para o resto da vida do indivíduo em questão.

“Se foi uma decisão tomada por um indivíduo de 16 anos, no sentido de mudar do sexo masculino para o feminino, o mesmo não pode, nos termos da lei, fazer esta escolha. Teriam de ser os seus pais a tomarem tal decisão, perante a lei”, explicou.

A jurista adverte igualmente que a acção dos progenitor­es não deveria ser concretiza­da, sem autorizaçã­o do Tribunal.

“Excepciona­lmente, eles poderiam tomar a decisão sem recurso às autoridade­s judiciais, caso a criança nascesse com dois sexos e fosse necessário optar por um deles”.

Ana Paula Godinho refere que, “sendo este o caso e se, por decisão médica, se tornou imperioso escolher um dos sexos, a situação afigura-se mais médica do que jurídica. Se, no entanto, estivermos a falar de um jovem que nasceu com o sexo masculino e depois decidiu mudar, a cirurgia terá sido ilegal, na medida em que nós sequer temos legislação que suporte uma intervençã­o como essa”.

Ao nível jurídico, esperamse ainda outros constrangi­mentos, segundo a jurista, face à inexistênc­ia de legislação que permita anular o registo de alguém que, à nascença, era do género masculino e que pretenda novo averbament­o, para o sexo feminino.

“A única forma lícita de efectuar um registo dessa índole é quando o assento inicial se faz com base em declaraçõe­s falsas. Fora isso, de acordo com a legislação angolana, uma pessoa só pode desaparece­r da mente jurídica se, porventura, falecer.

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DOMINGOS CADÊNCIA | EDIÇÕES NOVEMBRO AGOSTINHO NARCISO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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Jurista Ana Paula Godinho

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